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06/06/2021 às 11h54min - Atualizada em 06/06/2021 às 11h48min

As consequências da derrubada ilegal de árvores na Amazônia

Quase vinte anos mais tarde, o governo brasileiro criou um projeto para monitorar, via satélite, a Amazônia: o PRODES

Ana Paula Jaume - Editor: Ronerson Pinheiro
Foto: O crescente desmatamento da Amazônia - Reprodução/Divulgação: Agência Brasil

Foto: Agência Brasil

 

 
Policiais militares do Batalhão de Policiamento Ambiental (BPAmb) que faz parte do Comando de Policiamento Ambiental (CPAmb), fecharam no final do mês passado uma serraria clandestina em Manacapuru (70 km de Manaus), no Amazonas. Os agentes também apreenderam 50 metros cúbicos de madeira ilegal. A prática da exploração clandestina é histórica na região Norte do país, sobretudo, na área amazônica. 
 
A polícia ambiental surpreendeu três homens operando máquinas de serrar. Na revista policial, verificou-se tábuas, blocos e ripas; um total de 50 m³ de madeira. Não foi apresentado à polícia nenhum documento que comprovasse o funcionamento legal do estabelecimento e a origem do material. O conteúdo apreendido vai atender à população afetada pelas enchentes no estado.
 
O ato ilegal detectado, nessa circunstância (transportar madeira, lenha, carvão sem autorização de órgão competente), configura crime ambiental. Os autores dessa ação, de derrubada ilegal de árvores, devem se sujeitar à pena prevista na Lei n°9605/98: seis meses a um ano de prisão, além de pagamento de multa.

Exploração de madeira ilegal na Amazônia

O Amazonas - assim como Acre, Amapá, Pará, Roraima, Mato Grosso e Maranhão - é um dos estados que concentram o Bioma Amazônia, um dos mais ricos do mundo em termos de fauna (espécies de animais) e flora (espécies de vegetais). 
 
O Bioma também se estende a outros países da América do Sul: Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Guiana Francesa, Peru, Suriname e Venezuela. Em todos eles, há extração ilegal de madeira. No entanto, pela sua relevância econômica, o Brasil é o que mais sofre.
 
“Este bioma acaba sendo alvo de cobiça por muitos países europeus e por pessoas que atuam diretamente desmatando a vegetação para obter lucro na venda de madeira ilegal.”, explica o licenciado em Ciências Biológicas pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) Igor Rodrigues Bello.
 
Histórico do problema
 
Com a construção da rodovia Transamazônica, nos anos 70, começou uma onda de desmatamento no local. Desde então, ocorre um processo de destruição generalizada. Árvores são cortadas e queimadas, a vegetação da margem dos rios é retirada e a população nativa fica desamparada, com a diminuição de recursos naturais para sobreviverem. 

Quase vinte anos mais tarde, o governo brasileiro criou um projeto para monitorar, via satélite, a Amazônia: o PRODES. O programa veio para ajudar no desenvolvimento de políticas públicas, resguardando a região e combatendo o desmatamento cada vez mais crescente.
“Em 1998, foi criada a Lei 9605/98, conhecida como Lei dos Crimes Ambientais. Percebemos que são diversas as legislações sobre o tema, mas a falta de fiscalização atrapalha muito a punição de autores que praticam os crimes ambientais.”, diz Igor Rodrigues Bello.
 
Na década de 2000, a expansão do agronegócio fez subir a prática do extrativismo vegetal e mineral. Criminosos se aproveitaram da “popularidade” desses negócios para atuarem fora da lei. O crescimento da agropecuária, quando a vegetação foi sendo destruída para viabilizar uma área de pastoreio extensa aos animais, também aflorou o desmatamento ilegal.
 
Operações da Polícia Federal contra madeira ilegal
 
A fim de ilustrar sua análise, à reportagem, Igor Rodrigues Bello enumerou algumas operações deflagradas pela PF. Em abril de 2019, a Polícia Federal, com apoio do Ministério Público Federal, fez, em Manaus, uma operação para acabar com um esquema de corrupção em um órgão ambiental estadual. A Operação Arquimedes trouxe à tona um sistema que fazia extração de madeira ilegal na Amazônia. Confira, em áudio, a coletiva de imprensa da Superintendência Regional da Polícia Federal, em Manaus. 
 
A data (25/4) marcou o início do uso de uma ferramenta de imagens de satélite pela PF. O recurso permite identificar focos de desmatamento constantemente. Com isso, há uma menor fiscalização e aumento das ações efetivas. No ano seguinte, a PF fez a maior apreensão de madeira ilegal da história no Pará.
 
Na ocasião, a Polícia confiscou cerca de 200 mil m³ de madeira, o que representava ao menos 65 mil espécies (ipê, maçaranduba, cumaru, angelim). Empresas exportadoras tentavam camuflar os documentos falsos para os tornarem “limpos” e transparecer uma ideia de cumprimento da lei. As madeiras iam para fora do país, para lugares como França, Alemanha, Portugal, Reino Unido e Itália.
“É importante ressaltar que diversos países europeus criticam o BRASIL por não combater de forma eficiente o desmatamento na região amazônica, e o desenrolar das investigações podem acabar comprovando que tais países compram madeira ilegal do nosso país”, coloca Igor Rodrigues Bello. “Investimento no IBAMA, ICMbio e Polícia Federal são formas de se combater e fiscalizar a região.”, finaliza.
 
Desse modo, sem a atuação contundente de órgãos responsáveis por coibir a prática de extração de madeira fora dos limites da lei, é complicado atenuar os crimes ambientais, como o desmatamento.
 
Em maio, uma outra operação da PF. O alvo da Operação Akuanduba era apurar crimes contra a administração pública dos agentes públicos (que deveriam fiscalizar e combater as práticas ambientais ilegais) e de empresários do setor de madeira. Por volta de 160 policiais cumpriram 35 mandados, determinados pelo STF, de busca e apreensão no DF, SP e PA.
 
O Supremo também estabeleceu, preventivamente, o afastamento de 10 agentes públicos com cargo no IBAMA e no Ministério do Meio Ambiente. Com início em janeiro, as investigações partiram de informações provenientes de autoridades estrangeiras sobre um suposto desvio de conduta de servidores públicos brasileiros no que se refere à exportação madeireira.

“É preciso fortalecer os órgãos de proteção ao meio ambiente”, diz ex-superintendente da PF
 
Além do mais, em entrevista ao site DW, o ex-superintendente da PF, Alexandre Saraiva, destaca pontos referentes à proteção da Amazônia. Ele diz que “a questão não é financeira”. E continua. “O Brasil perdeu R$ 32 bilhões para Odebrecht, outros R$ 20 bilhões para JBS… E vai dizer que precisa de dinheiro para conservar a Amazônia?”, indaga.
Saraiva garante que dá, sim, para combater o crime; e que não falta dinheiro para isso, mas foco estratégico. “É preciso fortalecer os órgãos de proteção ao meio ambiente, que é o ICMBio [Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade], Ibama, Polícia Federal.”, explica.
 
Perguntado sobre a estimativa de 80% da madeira comercializada em terras brasileiras ser de origem ilegal, Saraiva responde. “A madeira de baixa qualidade fica no Brasil. A de alta qualidade vai para fora. A exportação responde muito mais do que o mercado interno.”, conta.
 
Outro ponto de destaque da entrevista concedida ao DW é a responsabilidade dos demais países no avanço da destruição das florestas. “A União Europeia tem dois pesos e duas medidas em sua legislação quando trata da importação da madeira de modo geral.”, lembra o ex-superintendente.
 
Conforme a regulamentação europeia, aquele que importou a madeira deve declarar quem foi o primeiro comprador. “Quando a gente olha para o regulamento europeu que trata da importação da carne bovina tem a palavra "rotulagem” escrita 35 vezes. O boi no pasto recebe um brinco, depois um passaporte, é controle em cima de controle.”, exemplifica. “Por que tanta diferença? Se querem proteger a Amazônia, a primeira coisa é proteger as árvores da Amazônia. Isso precisa ser revisto.”, finaliza.
 
Como resolver a extração ilegal de madeira na região?
 
O biólogo da UFRRJ, explica. “É preciso combater a corrupção interna dos próprios agentes públicos que se valem do cargo para receber PROPINA, facilitando a exploração dessa madeira com destino a países europeus e ao comércio interno.” Ele ainda fala das punições. “As multas devem ser de altos valores e o servidor deve perder imediatamente o cargo público, além do seu recolhimento ao cárcere para cumprimento da pena.”, diz.
 
Ele destaca a importância do projeto brasileiro citado anteriormente. “Continuar monitorando através do PRODES a região amazônica, aumentando a fiscalização e sobrevoos nesta área para que se consiga acompanhar o crime no momento do seu flagrante.”, afirma.
 
A população do entorno das regiões onde há desmatamento ilegal também deve cooperar. Mas, para isso, é necessário conscientizá-las a fim de que as pessoas não adquiram matérias que tenham origem ilegal, de contrabando ou exploração não autorizada.
 
Outra medida de contra-atacar o problema, na visão do especialista é. “Fechar empresas que falsificam documentação para exportar madeira ilegal, e punir com multas elevadas os proprietários destas empresas, colocando-os em dívida ativa junto à União caso não paguem a multa.”, explica.
 
Por fim, o Licenciado em Ciências Biológicas pela UFRRJ deixa o alerta para sinalizar o que pode acontecer com o meio ambiente se a situação não mudar. “As consequências para o meio ambiente da não realização destas medidas é perder o Bioma Amazônia em poucos anos, extinguindo espécies animais e vegetais, tornando-o impraticável para o desenvolvimento sustentável.”, conclui.



Editora-chefe: Lavínia Carvalho.
 

 


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