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11/06/2021 às 12h57min - Atualizada em 11/06/2021 às 12h30min

Um olhar voltado para a subjetividade do conceito de paixão

Paixão é subjetividade e nela não existe razão

Larissa Bispo - Brenda Freire
Foto/Reprodução: Google
Algumas semanas atrás, um jovem, que sabe-se lá de onde surgiu, estava conosco em nossas jogatinas de sábado na praça. Enfim, muito falante e expressivo, ele falava sobre paixão. Não uma paixão exatamente romântica, mas aquela que morava em nosso âmago e exercia sobre nós a mais plena felicidade.
 
Curioso, observei cada resposta ao meu redor. Não surpreso, todas genéricas. Nada que eu já não tivesse ouvido antes dos meus colegas, nada que tenha soado diferente aos meus ouvidos. No entanto, caro leitor, em um lampejo eu me encontrei confuso e até desacreditado sobre o que era, de fato, o conceito de paixão.
 
Entretanto, embora ligeiramente constrangido, não me vi floreando nenhuma resposta quando fui questionado pelo rapazinho. Simplesmente disse:
 
— Futebol. 
 
O jovem, talvez com seus dezesseis ou dezoito anos, me encarou. Parecia intrigado com minha incomum resposta, ou talvez apenas me achasse louco, vai saber. Por isso, com interesse, perguntou:
 
— Por que?
 
E foi assim que me vi viajando até as minhas memórias mais longínquas e pousei na sala da minha antiga casa. Ela até poderia ser confundida com uma sala de cinema, já que meu pai, de todos os moradores da nossa rua, era o único a ter uma televisão naquele icônico ano de 1970. Eu, um franzino de oito anos, mal sabia o privilégio que tinha. Meu pai não costumava discursar sobre essas coisas, nem mesmo sabia me ensinar história ou matemática, mas eu me lembro de vê-lo discursar sobre jogadores de futebol. Ah, e como o velho sabia. Dizia sobre Rivellino, Tostão e Pelé como se os conhecesse de perto, e até mesmo falava sobre Gerson e o chute de fora da área. Sabia quem poderia chutar de direita ou de canhota; sabia quem poderia cabecear uma bola ou fazer um gol de falta.   
 
Do Brasil, sentado no chão da nossa sala, nós assistíamos a Seleção Brasileira jogar no México. Naquele dia em especial, não havia vizinhos em nossa sala para assistir TV, o que achei triste porque, como no estádio, poderia ser divertido ter nossa própria torcida — embora, naquele momento, não me importasse de ganhar ou perder, mesmo meu pai dizendo que nossa Seleção poderia ser tricampeã do mundo. Por alguma razão, havia apenas nós dois. E ele não estava sentado na poltrona de sempre, mas ao meu lado no chão porque me ensinava cada jogada e desenhava para mim o que ele chamava de esquema tático. 
 
De jogo em jogo, eu fui de um menino desinteressado a curioso. De curioso a apreciador. Sempre assistindo aos jogos com meu pai, após cada partida encerrada, corria por um lápis e papel e desenhava os tais esquemas táticos, ele ao meu lado me corrigindo quando errava, sempre me explicando o motivo. Podíamos passar horas daquele jeito... acho até que podíamos esquecer do tempo. Na mesa de pebolim, eu fingia que era narrador, mas gostava mesmo era do que acontecia nas quatro linhas. 
 
Meu pai costumava dizer: 
 
— É mágica com os pés, menino. 
 
Mágica.
 
Foi mágico quando, no ano seguinte, meu pai me levou ao estádio pela primeira vez para ver um jogo do seu time de coração. Era o Maracanã, e diziam que esse lugar era o templo do futebol. Parecia importante, pensei na época. Antes, porém, ele me disse que eu não deveria torcer por sua causa; me contou que eu deveria escolher meu próprio time do coração porque a paixão era uma coisa subjetiva. Eu não sabia muito bem o que subjetiva significava, mas soube de uma coisa: não queria uma paixão diferente daquela do meu pai. Eu queria o mesmo brilho nos olhos e ter o mesmo sorriso no rosto. 
 
Se eu tinha me transformado em apreciador, me encontrei sendo mais que isso. Minhas tardes de domingo não eram mais preenchidas por carrinhos e pipa no quintal, mas sim por jogos da TV. Na escola, falava com meus amigos sobre futebol; em folhas de papel, eu contava sobre a partida do dia anterior só com um lápis. Em um desses dias, meu pai me comprou um álbum de figurinhas de futebol. Se eu completei, ah, mas é claro que não, mas eu fui completado.
 
Essa paixão chegou a mim e preencheu a minha vida. A tecnologia a cores ainda não era como hoje, mas o futebol para mim já era colorido. Com meu pai, era uma explosão de todas elas. Agora, revisitando algumas das muitas lembranças daqueles anos seguintes, eu entendo. Hoje eu sei o que significa a palavra subjetiva; hoje eu sei que essa paixão estava bem além daquelas quatro linhas.
 
Com um sorriso, olhei para o rapaz e respondi:
 
— Dê-me uma máquina do tempo, garoto e eu te contarei.
 

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