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09/07/2021 às 00h00min - Atualizada em 09/07/2021 às 00h01min

“Titanic: Incêndio fatal”, documentário aponta outra causa para o naufrágio do navio

Jornalista mostra que a colisão com o iceberg não teria sido o motivo crucial para o navio ter afundado rapidamente, o que poderia ter impedido muitas mortes

Daiane Obolari - Editado por Júlio Sousa
Titanic (Foto: Wikimedia/F.G.O. Stuart)
O naufrágio do RMS Titanic, da companhia White Star Line, aconteceu em 14 de abril de 1912, enquanto o navio seguia rumo a Nova York em sua viagem inaugural. Após colidir com um iceberg às 23h40, o navio conseguiu se manter flutuando apenas por mais duas horas e meia, até afundar completamente. Dos quase 2,3 mil passageiros a bordo, apenas 700 conseguiram embarcar nos botes salva-vidas, enquanto mais de 1.500 morreram congelados no mar do Atlântico Norte, incluindo homens, mulheres e crianças, majoritariamente da terceira classe. 
 
A produção do filme “Titanic”, do roteirista e diretor James Cameron em 1998, levou para as telas dos cinemas a história de amor entre Jack e Rose, que se tornou um fenômeno mundial, ganhador de 11 oscars e lembrado até os dias atuais. Mas além somente da história do casal, o filme proporcionou a experiência de vislumbrar os possíveis acontecimentos daquela fatídica noite, baseado em estudos realizados para a produção do longa.
 
Entretanto, em 2017 especialistas se juntaram no documentário “Titanic: incêndio fatal”, do canal National Geographic, para uma nova teoria. O jornalista irlandês Senan Molony, que passou 30 anos estudando o naufrágio, aponta outra causa que pode ter sido o fator crucial sobre o real motivo do navio ter afundado rapidamente, como aconteceu - além da colisão com o iceberg que já é conhecida - baseado em novas evidências encontradas.
Após o surgimento de um álbum de fotografias de momentos antes do lançamento do navio à sua rota, com ótima qualidade das imagens, que ficou guardado em um sótão por mais de 100 anos, desconhecido até o momento, os especialistas puderam avaliar e estudar as novas informações e detalhes recebidos, com uma tecnologia gráfica de última geração. Os estudiosos puderam transformar as imagens em 2D para 3D, dando vida aos registros da época e conseguindo analisar as evidências com maior precisão.
 
Ao decorrer dos registros efetuados pelo engenheiro-eletricista chefe do Titanic, John W. Kempster, eles notaram uma mancha estranha no casco do navio de mais de dez metros de comprimento, exatamente onde o iceberg colidiria mais tarde, e foram investigar. Após uma breve análise, constataram que não se tratava de reflexos da água, pois nas duas imagens era possível notar que o navio havia se movido e o ângulo que a foto foi tirada também. A partir disso, começaram a busca por respostas. 
 


Incêndio
Um fato que poucos sabem, e que é comum apenas aos historiadores do Titanic, é que o navio zarpou com um incêndio a bordo antes de sair da Irlanda, onde foi construído. Depois de examinar, foi confirmado que o incêndio aconteceu no local atrás daquela marca no casco, onde ficava um depósito de 100 toneladas de carvão na caldeira número seis, que pegou fogo após superaquecer. Apesar do incêndio ter sido mencionado por testemunhas no inquérito realizado em 1912 pelo governo britânico, o juiz lorde Mersey, que presidia o julgamento, descartou o fator no desastre. Os especialistas então, a partir das novas provas, procuraram nos depoimentos das testemunhas oculares da época, e uma declaração em específico dada para um jornal poucos dias após a tragédia, chamou a atenção. 
 
O bombeiro John Dilley, relatou que o incêndio era sim relevante e de extrema importância para os acontecimentos. As chamas foram descobertas no dia em que o navio sairia da cidade de Belfast para Southampton e começaria sua viagem. O procedimento era de tirar o carvão das caldeiras antes que o fogo se alastrasse, porém, elas possuíam o equivalente a três andares de altura. O resultado foi que o incêndio não conseguiu ser apagado, e foi só ficando cada vez pior. Por conta disso, ele foi mascarado e apenas poucas pessoas a bordo sabiam o que estava acontecendo nos andares inferiores. 
 
Senan encontrou um especialista em incêndios com carvão que confirmiu que um incêndio latente, que já acontecia há dias, poderia ter grande influência sobre a estrutura do navio. O carvão não precisa de um catalisador para entrar em combustão, apenas um aglomerado dele em uma alta temperatura já seria suficiente, explica o especialista, cientista de incêncios, Guillermo Hein. Queimando a mais de 980°C, esse incêndio acidental poderia explicar a marca no casco do navio. O local do armazenamento ficava num ponto importante de flutuação no navio, a antepara. 
 
As anteparas dividem o interior do navio em compartimentos impermeáveis separados, caso houvesse a ruptura do casco, elas seriam responsáveis por bloquear a passagem de água para os outros compartimentos do navio, fazendo-o assim, flutuar.

Questão econômica 
Outro fator que pode ter influenciado no desastre é o financeiro. Na época, a empresa White Star Line estava enfrentando um momento difícil por conta da concorrência com a empresa naval Cunard. Então o presidente da empresa, J. Bruce Ismay, foi pressionado para construir uma nova frota de navios e superar a concorrência de transatlânticos. 
 
Quando o incêndio foi descoberto, não tinha a possibilidade de adiar a viagem inaugural mais uma vez (ela foi adiada antes em um mês, pela colisão do ‘Olympic’, outro navio na White Star Line, que gerou uma despesa de 22 milhões de reais), o que causaria uma má publicidade e acabaria com a empresa de vez. Portanto, o incêndio foi ignorado e a viagem mantida, muitos passageiros poderiam renunciar as suas passagens caso soubessem o que estava acontecendo.
 
“A urgência comercial que estava pressionando a White Star Line os forçava a tomar atalhos que não deveriam tomar para colocar esses navios ao mar imediatamente”. Brad Matsen especialista na construção do Titanic. 

Estrutura
Além disso, houveram as reduções na estrutura do navio que Ismay precisou estipular por conta do orçamento como: redução de vigas e dimensões do aço, no número de botes salva-vidas, entre outros. O arquiteto-chefe Thomas Andrews, teria sido forçado a aceitar essas alterações, segundo documentos encontrados, aponta Brad. 
 
O metalúrgico Dr. Martin Strangwood, ao analisar as fotos do acidente com o Olympic, citado acima, que ficou dilacerado com o impacto em outro navio, mostra que o aço usado nos cascos era de péssima qualidade e sensível à alta temperatura. Após a retirada de todo o carvão, foi constatada uma danificação em razão da alta temperatura no depósito, a parede da antepara seis - umas das principais - estava “vermelha como fogo” e “amassada” como relata o tripulante Charles Hendrickson. Depois disso, ele precisou cobrir com óleo preto o vestígio a mando dos oficiais superiores. Senan encontrou outra declaração em jornal, feita apenas seis dias depois do naufrágio, em que um oficial diz que o incêndio foi nos depósitos de carvão, ou seja, mais de um. O oficial ainda diz especificamente que foram nas caldeiras seis e sete, dando uma prova concreta para o pesquisador. 
 
Icebergs e velocidade
Um dia antes da colisão, o capitão Edward Smith e Bruce Ismay receberam o aviso da torre de comando, de que existiam icebergs na rota do navio. Entretanto, nenhuma atitude foi tomada por ambas as partes e o navio continuou em velocidade máxima. Ismay acreditava que as anteparas flutuariam o navio por tempo suficiente até que a ajuda chegasse. A única maneira que eles tinham de se livrar do fogo era jogando o carvão em chamas das duas caldeiras nas fornalhas do motor. O carvão ardente sendo utilizado mais rápido do que o necessário poderia finalmente explicar o fato do navio ter atingido uma velocidade inesperada. 
Outro ponto a ser analisado é que na época, o Reino Unido estava passando por uma crise nas mineradoras, portanto, o Titanic só tinha combustível suficiente para chegar até Nova York. Considerando que o fogo havia queimado parte das reservas, diminuir a velocidade para passar pela área dos icebergs gastaria mais ainda.
 
“Se ele diminuísse a velocidade, quando fosse acelerar novamente aumentaria o consumo de carvão. Se o carvão estivesse escasso, ele acabaria”, diz Richard de Kerbrech, engenheiro marítimo e historiador.

Para Ismay e o capitão Smith, era mais real a possibilidade do combustível acabar antes deles chegarem aos Estados Unidos do que colidir com um iceberg. Voltando à questão publicitária, caso o navio ficasse sem carvão antes de chegar ao destino, poderia prejudicar a credibilidade da companhia por haver muitos empresários a bordo que tinham responsabilidades em Nova York. 
 
Colisão
Ao se chocar com o iceberg, o casco foi perfurado, possivelmente fragilizado pelo incêndio. Até então, as anteparas pareciam cumprir seu papel de impedir que a água penetrasse o navio. O navio Carpathia, que não estava muito longe, recebeu o pedido de socorro e iria a caminho do Titanic. Brad Matson relata que “não havia razão para o Titanic não ter durado mais uma hora e meia. O Carpathia teria alcançado ele e ninguém teria morrido”. 
 
Uma testemunha ocular revelou que após inspeção no casco, o arquiteto Thomas Andrews afirmou confiante que as anteparas segurariam o navio e ele não afundaria. O que ele não sabia, era do dano encoberto em uma delas causado pelo fogo. Senan pesquisou no inquérito americano e descobriu o que seria a evidência final do que teria causado o naufrágio repentino do navio. O foguista-chefe sobrevivente Fred Barrett, estava na caldeira seis quando o navio atingiu o iceberg e disse que a água entrou rapidamente pela lateral do navio, para se refugiar, se protegeu na caldeira anterior, a número cinco.
 
Durante duas horas, a situação se manteve estável até que a parede fragilizada se rompeu: “eu vi uma onda de espuma verde passando entre as caldeiras”, relata Fred, ele conseguiu escapar através de uma escada de incêndio. Um estudo acadêmico mostra que nesse momento o navio começou a afundar rapidamente, em um efeito dominó que fez a água ganhar o navio depressa, e apenas 30 minutos depois ele estava indo em direção ao fundo do oceano. 
 
Provas
Com essas novas informações, Senan precisava ter certeza de que o incêndio contribuiu para a danificação da antepara. Então ele se juntou novamente com o metalúrgico Dr. Martin Strangwood e o cientista de incêncios Guillermo Hein para simular em computador o impacto do incêndio no depósito na estrutura do navio. Guillermo aponta que os resultados recebidos de testes feitos em seu laboratório mostram que a antepara se deforma por conta do calor. No modelo, a área azul do aço vai para a frente e a vermelha para trás, conforme mostra a imagem abaixo:
 
 
Isso pode finalmente explicar a marca escura nas fotografias e os danos na antepara. O experimento coincide perfeitamente com o depoimento do foguista dado em 1912: “o fundo do compartimento estanque foi amassado para dentro, e a outra parte amassada para a frente”, o que foi precisamente descrito pelo cientista. 
 
“Então se você tem um acúmulo gradual de água, a pressão sobre o aço é alta o bastante para causar uma rachadura, então a fragilidade do aço faz com que a rachadura aumente de forma catastrófica”. Dr. Martin Strangwood

Conclusão
Essa nova teoria reescreve totalmente a história de como o Titanic afundou. Molony acredita que o defeito na antepara formado pelo fogo foi primordial para determinar o naufrágio do navio e as inúmeras mortes, além de que os botes foram reduzidos por conta delas. Caso as anteparas tivessem resistido, o navio poderia ter flutuado por tempo suficiente para a chegada do resgate. 
 
A importância do incêndio no naufrágio foi mantida em segredo mesmo depois de todas as provas relatadas no inquérito da época. Senan conclui seu trabalho acreditando que o motivo foi que Bruce Ismay, presidente da White Star Line - que sobreviveu ao entrar em um bote salva-vidas - escondeu a verdade. Anteriormente a empresa negou que algum bombeiro tivesse sobrevivido ao acidente, entretanto, 57 sobreviveram, incluindo Fred Barrett. O fato foi desconsiderado pelo juiz Lorde Mersey do tribunal britânico - que possuía envolvimento com Ismay e a indústria naval - que considerou o caso como um acidente inevitável causado pelo excesso de velocidade. Após 105 anos (2017), Senan Molony revelou uma nova e intrigante teoria. 

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