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06/08/2021 às 10h23min - Atualizada em 06/08/2021 às 10h14min

Crônica: É preciso enxergar com bons olhos

Por vezes, as pessoas são resumidas aos erros e descartadas. Os defeitos quase sempre sobressaem em meio às qualidades

Isabelle Gesualdo - Editado por Talyta Brito
Reprodução/Pinterest

Amanda, uma menina ingênua e sonhadora, nascida no interior, foi à grande cidade à procura de oportunidades. As pessoas do vilarejo onde morava não compreendiam a vontade ávida de Amanda de deixar a vida pacata e ir para terras distantes. O que diferenciava Amanda das pessoas que a criticava era o não conformismo. Aquele vilarejo era pequeno demais para os sonhos de Amanda.

 

Tu tá doida, menina?! Largar a paz que a gente tem aqui pra ir se aventurar em terra de ninguém — Disse um primo

 

A menina, decidida do que queria, não respondia. Abaixava a cabeça e em seu íntimo pensava “ lá eu vou conseguir”. Viajou sozinha com uma mochila nas costas, um saco com três pães, um terço na mão e R$15 reais no bolso. Amanda pensava na Macabéa 1 do livro que ela tinha lido na escola, mas não queria ter o mesmo destino.

 

O ônibus chegou ao destino, a “cidade grande” - como ela chamava. A menina ficou estupefata com tudo o que encontrou por ali, ao descer do ônibus, tropeçou no degrau e caiu, o moto taxista que estava perto, sempre procurando passageiros, a segurou com violência e disse: “presta atenção, menina!”. Os seus colegas, também moto taxistas, disseram: “oferece carona para essa gatinha, Reinaldo”. Ele respondeu: “essa daí é tão magra, deve ter caído de fome, coitada!”. 

 

Amanda não ouviu nada disso, ela estava muito concentrada com todos os pormenores daquela rodoviária, a vontade dela era de sair cumprimentando todos, tal como faziam no vilarejo onde toda a gente se conhecia. A menina achou a parada de transporte coletivo, puxou um bilhete amassado que estava no bolso, com o endereço da tia, onde ela ficaria hospedada. 

 

Chegando à casa da tia, o bem-vinda que Amanda recebeu foi: “eu já achei um emprego pra ti, aqui ninguém fica sem trabalhar, não quero menina preguiçosa dentro de casa”. Amanda ficou muito empolgada com a novidade do novo emprego, nem se importou com as duras palavras, afinal, a vida para ela sempre foi dura, e ela escolhia reter apenas as coisas boas. 

 

O novo emprego era na casa de uma madame, Amanda seria a nova faz-tudo daquele lar requintado. Os primeiros dias de Amanda foram de muito pudor, ela sentia medo de tocar em qualquer coisa e quebrar. Os dias demoravam a passar e eram exaustivos. Os serviços prestados pela menina iam de limpar a privada a calçar a patroa quando ela fosse sair, com os sapatos que brilhavam os olhos de Amanda. 

 

Apesar de toda ingenuidade, Amanda era muito reflexiva. Todos os dias presenciava atitudes preconceituosas e soberbas da patroa para com os funcionários da mansão. Amanda dizia que a madame tinha um jeito pesado de viver. Ela se achava superior a todos, devido aos seus bens e aos inúmeros dígitos nas contas bancárias. 

 

Em uma tarde ensolarada e de exaustivo trabalho na mansão, a madame humilhou a cozinheira porque a comida não estava do jeito que ela queria. Ela, completamente descontrolada, jogou a comida no chão e proferiu palavras horríveis em alto tom. Todos os funcionários tomaram as dores de Rita, a cozinheira, mas não podiam fazer nada, a indignação apenas os corróiam por dentro, todos se submetiam às humilhações, mas permaneciam calados, pois dependiam daquele salário ínfimo. 

 

Após mais um dia difícil na mansão, Amanda voltou para casa despedaçada, como se naquele dia a humilhação tivesse sido direcionada a ela. Amanda era extremamente sensível e empática. Chegou na casa da tia tarde da noite, deitou-se no colchão de solteiro que ficava no chão, não conseguiu comer nada e nem dormir. Passou a noite em claro pensando em tudo o que tinha ocorrido. 

 

Eram muitos pensamentos de revolta, Amanda se sentia hipotente por não poder mudar a realidade dos funcionários da mansão, sentia raiva da maneira soberba da patroa. Mas Amanda sempre tentava buscar ver o lado bom das pessoas e das coisas, essa era a sua auto-defesa.

 

Amanda lembrou do sorriso da madame megera ao ver a sua neta e de como ela era afetuosa com os seus filhos. Estar em família realçava a sua melhor versão. Amanda descobriu que a patroa não era tão ruim assim. Amanda também lembrou que na semana anterior o filho de uma das funcionárias ficou muito doente e a patroa pediu a receita médica e comprou todos os remédios para a criança. “Ninguém é tão ruim assim”, pensou e dormiu. 

 

No dia seguinte, levantou às 4 horas para chegar pontualmente no trabalho. Chegando lá, encontrou Rita, abraçou-a e disse que sentia muito pelo ocorrido do dia anterior. 

 

Pessoas erram e são resumidas ao erro. Os defeitos quase sempre sobressaem em meio às qualidades. Portanto, às vezes é necessário enxergar com bons olhos, entender que as pessoas não são compostas apenas por defeitos
 


1 - Protagonista do livro "A hora da estrela" de Clarice Lispector.

 


 

 

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