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12/08/2021 às 17h48min - Atualizada em 12/08/2021 às 17h37min

Crônica: Histórias perdidas

Será que existe esperança em meio às rachaduras?

Letícia Aguiar - Editado por Larissa Bispo
Foto: Youtube/Reprodução
Ainda é dia quando paro um pouco entre uma tarefa e outra, vou até a garrafa de café, coloco um pouco desse elixir que me faz tão bem e pego um pedaço do bolo de milho de dona Célia. Nesse momento, procuro não pensar no assunto que vem afligindo todos nós deste bairro, mas é inevitável, as rachaduras estão bem diante dos meus olhos...

Acho que você não faz ideia do que eu estou falando, então deixa eu esclarecer essas minhas palavras soltas. Pois bem, faz algum tempo quando tivemos conhecimento das primeiras rachaduras. Isso mesmo, além do meu bairro, outros três estão em situação de risco. Quer saber o porquê? Ao que tudo indica, a destruição silenciosa é fruto dos trabalhos de uma certa mineradora.

Bom, se você pesquisar vai saber de qual empresa se trata. Mas sabe de uma coisa? Para mim pouco importa, o que me dói mesmo é ver tantas pessoas indo embora de suas casas, milhares de histórias e vidas sendo reviradas. E essa ruptura está por todas as partes, onde quer que eu olhe; nos jornais, nas ruas, no olhar assustado dos meus vizinhos, nas lágrimas de pessoas que não tem para onde ir e na revolta presente nesses mesmos olhos, por terem de dar adeus ao lugar que diz tudo sobre essas pessoas.

Quer saber como eu tenho vivido? Tem dias que eu fico sem sono, com medo de que minha casa desmorone, com medo ao me deparar com o coração angustiado de minha vó que também não sabe o que vamos fazer. Tem dias que eu até esqueço da catástrofe iminente, mas, infelizmente, a sensação de que tudo está por ruir não sai do meu peito.

Mas você deve estar se perguntando: por que você não saiu daí? É que para isso minha casa precisa ser incluída em uma área de risco, coisa que não foi. Assim, nós ganharíamos uma indenização e sairíamos. Por enquanto, seguimos aqui, esperando alguma solução. Sinto muito se minhas palavras são tristes e te deixam cabisbaixo, é que eu não consigo olhar ao meu redor sem ficar entristecida, pensando que como muitos outros de ruas vizinhas, eu terei que me despedir do meu lar em algum momento.

Porém, se te conforta, aqui não foi sempre desse jeito. Antes das primeiras fissuras havia cor, alegria nas ruas e muito amor por esse bairro. Depois, quando soubemos que tudo poderia afundar, ficamos um pouco menos festivos, porque como bons amantes do Bom Parto, do Mutange, do Pinheiro e do Farol, não queríamos precisar dizer adeus.

Se você ainda não sabe de onde eu falo, eu posso deixar mais claro. Sou residente do bairro do Bom Parto, em Maceió, capital de Alagoas. Justo na cidade do mar e do sol, existem bairros que atualmente estão sendo desabitados, virando lugares fantasma, levando consigo histórias e mais histórias...

Perdoe-me por ter me alongado nessas minhas palavras, mas agora eu preciso voltar às minhas atividades e ver se eu esqueço que ao meu redor as coisas já não são mais as mesmas. E para você, meu amado Bom Parto e minha querida casa de portões dourados, os meus mais sinceros agradecimentos, nada me orgulha mais do que ter feito parte desse lugar tão genuíno!

 
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