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27/09/2021 às 19h30min - Atualizada em 24/09/2021 às 19h52min

Intolerância que atrapalha

Nova Política Nacional de Educação Especial abre lacunas e suscita questionamentos no processo de inclusão

Leticia Menezes Pasuch - Editado por Talyta Brito
Reprodução: Nando Motta
 

A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência) é destinada a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando a sua inclusão social e cidadania. E a escola tem o papel de fortalecer a abordagem inclusiva, enfatizar o aprendizado na convivência com a diferença e fomentar debate sobre preconceitos. Hoje, se vê o compromisso de educação para todos ser quebrado a cada dia por líderes que, em vez de se comprometerem com a construção de uma educação que garanta a inclusão de alunos público-alvo da educação especial com os demais, têm propagado discursos capacitistas e influenciado na exclusão desses grupos.

 

O atual ministro da Educação, Milton Ribeiro, recentemente declarou que estudantes com deficiência atrapalham o aprendizado dos outros alunos. Dias depois, quando questionado sobre essa fala, reforçou a sua posição: "Nós temos 1,3 milhão de crianças com deficiência, que estudam nas escolas públicas. Desses, 12% têm um grau de deficiência que torna impossível a convivência", disse o titular, acrescentando a ideia de criar salas especiais para que as crianças possam receber o “tratamento que merecem”. O ministro salientou que não quer o "inclusivismo" -  terminologia essa que, de acordo com especialistas em educação, é um termo impróprio para referir-se à inclusão forçada, e que não há nenhuma ligação com debate educacional.

 

Sendo alvo de críticas, a fala do Ministro da Educação causou grande impacto no avanço e nas conquistas da educação inclusiva, promovendo um desmonte das políticas públicas de inclusão. Infortunadamente, as declarações, vistas pelos defensores da educação inclusiva como um retrocesso, têm fruto do apoio da maior representatividade política do país. Em 30 de setembro de 2020, o Presidente Jair Bolsonaro (sem partido) impôs o Decreto Federal nº 10.502, que instaura a Política Nacional de Educação Especial (PNEE), permitindo que as escolas regulares pudessem escolher se matriculam alunos deficientes ou não:

 

“Art. 1º  Fica instituída a Política Nacional de Educação Especial: Equitativa, Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida, por meio da qual a União, em colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, implementará programas e ações com vistas à garantia dos direitos à educação e ao atendimento educacional especializado aos educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação.”

 

O Supremo Tribunal Federal suspendeu a medida até o momento. Porém, com todas as falas decorrentes de Ribeiro, o objetivo de exclusão, aparentemente, segue vigorando. Não só na fala do ministro da Educação, mas de uma parcela da sociedade no geral, em que paira o questionamento da educação especial ser mais eficiente se organizada paralelamente à educação regular.

 

Em artigo publicado na Revista Pátio, as professoras especializadas em Educação para Surdos, Lodenir Karnopp e Maura Corcini Lopes, explicam que não é somente o espaço em si que determina todas as variáveis para que os surdos, por exemplo, aprendam, sejam incluídos e que socializem na escola - mas, também, as condições que são oferecidas para firmar um contrato comunicativo e pedagógico que possa determinar a qualidade da experiência escolar surda - e do público-alvo da educação especial de forma geral.

 

Outro estudo, publicado na revista Educação Especial, realizados professores doutores em Educação da Universidade Tiradentes, explica que a inclusão exige da escola uma reformulação e inovação em todo o seu sistema, com estratégias de ensino que possibilitem atender a todos os indivíduos, além de implicar o desenvolvimento de novas políticas de reestruturação da educação. Os pesquisadores salientam o preocupante o fato de muitas escolas ainda não assegurarem uma educação de qualidade, mas de terem uma prática que é mais excludente do que inclusiva. 

 

De acordo com os professores, grande parte das escolas não apresentam condições estruturais e didático-pedagógicas satisfatórias para atender todas as crianças, porém, muitos professores têm demonstrado que é possível e edificante trabalhar em sala de aula com diversidade e, também, implementar uma educação inclusiva, enfrentar e superar desafios com a participação daqueles envolvidos com a educação, pois a inclusão é responsabilidade de todos. Também, que a atenção para as possibilidades de inclusão de pessoas com deficiência, e não apenas para as dificuldades, poderá garantir o acesso e a permanência de todos na escola, incluindo os alunos com deficiências.

 

Fala-se em inclusivismo, em escolas especializadas, mas fecham-se os ouvidos para a a realidade do acesso ao ensino de qualidade da educação especial. De qualidade, diga-se às Pessoas com Deficiência poderem usufruir plenamente dos direitos humanos. Além disso, desconsiderar a importância da amizade e da interação de uma turma de alunos com os colegas que possuem necessidades especiais, sem prever quais seriam os prejuízos ao cortar esse vínculo, é também contrariar o valor do aprendizado da cidadania e do respeito através da convivência.

 

Tudo indica que as novas medidas do decreto na nova Política Nacional de Educação Especial projetam segregacionismo. As afirmativas excludentes do governo Bolsonaro reforçam a intolerância - essa que, sim, atrapalha o desenvolvimento de uma educação e apaga todas as conquistas alcançadas para uma educação acessível, democrática e igualitária.

 

 

REFERÊNCIAS

KARNOPP, L. B.; LOPES, M. C. Os surdos aprendem melhor nas escolas para surdos ou nas escolas regulares? Pátio: Ensino Fundamental, Grupo A, Porto Alegre, RS, p. 42 - 45, 28 fev. 2014.

 

NETO, Antenor de O. Silva, et al. Educação Inclusiva: uma escola para todos.e. In: Revista Educação especial.Santa Maria,v.31,n.60,p.81-92.2018.Disponível em: https://periodicos.ufsm.br/educacaoespecial/article/view/24091/pdf Acesso em 24 de set.
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