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11/10/2021 às 22h30min - Atualizada em 11/10/2021 às 22h21min

Literatura como fonte de empatia social

Como leitores enxergam a prática da leitura na construção cidadã e no olhar sob o outro

Kayllani Lima Silva - Editado por Larissa Bispo

Quem nunca sentiu-se parte de uma história? Ou, melhor, a viveu como se fosse sua? Dentro e fora do movimento literário, estamos sempre em contato com universos ricos, complexos e pessoais. Mas, se na vida real a pressa consuma nosso olhar, na literatura adentramos um ritmo que é só nosso. Por meio dos livros, o leitor conhece lugares sociais que se assemelham, destoam e expandem a sua visão de mundo. 

 

Em seu texto “Literatura e Direitos Humanos”, Antônio Cândido (1918-2017) discute a importância da literatura enquanto direito indispensável ao ser humano. Para o  crítico literário, “os valores que a sociedade preconiza, ou os que considera prejudicial, estão presentes nas diversas manifestações da ficção, da poesia e da ação dramática”.

 

No campo científico, a literatura comprova seu papel de transformação. Em 2013, o psicólogo social Emanuele Castano e seu aluno de doutorado, na época, David Kidd, publicaram uma pesquisa na Revista Science, na qual comprovaram que a leitura de ficção literária permite uma melhora na compreensão dos sentimentos alheios. 

 

Em uma comparação metafórica, o ato de ler rega e floresce a nossa empatia, pois incentiva a entrega ao mundo das representações humanas, políticas, históricas e sociais. Trata-se de uma experiência única, ou seja, reflete-se mediante o espectro singular de cada leitor .

 

A literatura na construção cidadã

 

Thicyana Carvalho, 23, graduanda em História, não lembra a idade exata com que começou a ler, mas foi apresentada à leitura ainda na infância por sua mãe. "Lembro que eu sempre me empolgava quando ela trazia livros ou quando, na escola, tínhamos que ler os paradidáticos”

 

Para Thicyana, a literatura exerce papel essencial na construção cidadã, pois possibilita a formação do pensamento crítico, além de conscientizar o leitor sobre seu papel de sujeito histórico. A estudante agrega um currículo memorável de leituras, e cita a obra Sejamos Todas Feministas, de Chimamanda Ngozi, como “um livro importante para pensar como o feminismo não se constrói só através da mulher, mas a partir de toda sociedade”.

 

Na trajetória de Lua Silva, escritora e graduanda em Arquitetura, a leitura também chegou cedo. Aos 8 anos, ela conta que era presenteada com livros e pegava títulos emprestados na biblioteca da escola. A leitura foi um refúgio pra mim, principalmente porque eu tinha muita dificuldade para fazer amizades”.  

 

Na visão da autora, os livros educam e a ajudam a sair da zona de conforto, em especial os de ficção histórica. Das obras da sua estante, ela cita “O sol é para todos” e “1984” como histórias que abriram seu olhar. “Muitas vezes nem percebemos que estamos aprisionados e, por isso, a representatividade é tão importante. Os livros nos apresentam lutas que nem sabíamos que também eram nossas”.

 

Para Karen Edyanne, 19, graduanda em Jornalismo, não foi diferente. Ainda pequena teve o prazer de desfrutar das belezas e alegrias de uma boa história em quadrinhos. ”Eu lembro que eu era bem pequena quando tive meu primeiro contato com as revistinhas em quadrinho da Turma da Mônica. Acho que marcou bastante a infância de todo mundo. Mas eu realmente me senti com a infância muito marcada por ler esses quadrinhos”.

 

Karen não esconde a alegria ao falar sobre leitura, com entusiasmo na voz ela conta que começou a escrever histórias durante o ensino fundamental, após sentir-se inspirada pelos livros que lia. “Foi uma influência muito boa que eu tive das minhas professoras, que sempre observavam e incentivaram a escrita criativa”, lembra com carinho. 

 

A estudante de Jornalismo defende que a construção de uma pessoa sofre várias interferências, mas a leitura é muito importante. “A primeira coisa que você vê (ganha) pela leitura, não importa se é ou não de ficção, é o contato com outros pensamentos. Você pensa sobre democracia, o direito das outras pessoas de lerem também. Acho que acabo aprendendo um pouco com todos os livros”

 

Da representatividade ao pertencimento

 

“Quanto mais a gente lê sobre um assunto, mais a gente se sente parte de um espaço”, afirma Thyciana. Após o início da pandemia, ela começou a ler livros semelhantes sobre a questão racial. O contato com as obras permitiu a ampliação dos seus horizontes e a aprimoração de conhecimentos alcançados dentro e fora da universidade. 

 

A estudante de História explica que “quando você lê sobre sujeitos que se parecem com você, mais se sente parte de algo. Então quando um livro possui representatividade, seja sobre pessoas negras e pessoas LGBTQIA+, seja sobre mulheres, é muito importante para que os leitores se enxerguem nesses espaços e se sintam ouvidos e expressados na literatura”

 

Na mesma direção, Karen percebe na prática literária um caminho para se identificar com os personagens e, até mesmo, com os autores. "Quando você acha que só você pensou de uma forma, o autor vem e mostra um raciocínio igual ao seu”, explica.  Lua Silva também reconhece o valor da representatividade. “Foi fundamental para que eu me sentisse compreendida e compreendesse o desconhecido, temáticas que tenho menos vivências”.

 

A relevância da análise crítica 

 

Assim como na vida real, na literatura a empatia é estimulada através do exercício de colocar-se no lugar do outro. Karen revela que não tinha o costume de pensar sobre os personagens e as situações que acontecem, mas por meio da leitura construiu o seu senso crítico. Analiso bastante o que eles (personagens) fazem/dizem, penso se eu faria igual, penso o que seria o errado e o certo e se teria outra forma de resolver a situação que eles se metem”

 

Lua Silva assegura que sempre busca fazer uma leitura crítica, pois “a leitura, assim como as demais fontes de entretenimento, moldam quem somos. Por isso, sempre observo as atitudes dos personagens para ter certeza de que não estou consumindo um conteúdo que propague algo preconceituoso ou machista”.  Em paralelo, Thyciana lembra que quanto mais você lê, mais o pensamento crítico e a sensibilidade para determinados assuntos vai se formando”

 

Desconstruindo preconceitos

 

A valorização de alguns gêneros literários, em detrimento de outros, apenas polariza e limita o espaço libertador que dever ser a literatura. Quando pregamos que apenas clássicos são leituras válidas, por exemplo, ignoramos a vastidão de obras que revelam sobre nossa conjuntura.

 

Karen observa que na literatura contemporânea existem muitos temas que são tratados e que antigamente eram considerados super delicados”. Sob o seu olhar, não importa qual seja o livro, ele sempre tem algo a nos ensinar. Além disso, acredita que alguns personagens, com origem nas obras contemporâneas, ajudam as pessoas a se encontrarem enquanto sujeitos. 

 

A estudante de Jornalismo compartilha: “no livro que estou lendo, ’Depois de Você’, a personagem mostra a forma com que está lidando com o luto. Muitas vezes, a gente pensa sobre a morte de uma pessoa em si e que realmente vai ser doloroso. Mas e para as pessoas que ficaram? Para a pessoa poder passar por esse luto? Esse ponto de vista é mostrado na personagem”

 

Enfatizando sua paixão pela arte, Lua Silva enxerga nesse movimento o potencial para a construção de uma sociedade mais liberta. “A literatura é uma forma de atingir esse objetivo, e ela tem muita força. Considero fundamental escrever sobre temas reais e que devem ser lembrados para não serem repetidos”.

 

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