As 3 medalhas conquistadas nos Jogos de Tóquio foram o melhor resultado da história do boxe olímpico brasileiro. Hebert Conceição, com o ouro, Beatriz Ferreira, com a prata, e Abner Teixeira, com bronze, provaram que o esporte avançou desde a última edição olímpica, no Rio, quando havia conquistado somente uma medalha. Mesmo no ápice da conquista, porém, a luta por patrocínio continua fora do ringue.Muitos pugilistas contam com a ajuda de familiares e conhecidos para continuar treinando, comprar itens essenciais e participar das competições.
Esta realidade é descrita pelo atleta olímpico de boxe e sargento do Exército, Patrick Lourenço, de 28 anos. Nascido no Vidigal, ele reconhece o apoio do projeto social Todos na Luta e de seu técnico para conseguir competir e treinar em sua trajetória de 15 anos dentro do ringue.
“Para estar em uma competição, viajar para outro estado, comprar tênis ou ter uma luva, não tive apoio. Se não fosse meu técnico ou o projeto Todos na Luta investindo em mim e em outros atletas, acho que não teríamos chegado onde estamos”, afirma o atleta: “O boxe seria um sonho frustrado".
Lourenço começou no boxe com 13 anos, a convite de um amigo, treinando na academia do Instituto Todos na Luta, projeto idealizado pelo ex-lutador e ex-técnico Ralf Giglio. No instituto, Patrick começou a sobressair nos treinos e nas competições, tanto que em 2014 conquistou o vice-campeonato mundial.
Aos 17 anos, foi convocado para a seleção brasileira e tornou-se atleta de alto rendimento, transformando o esporte que era hobby em profissão. “Eu treinava todos os dias e ainda recebia salário, logo isso mudou a minha cabeça pois precisava do dinheiro”, disse Lourenço.
Dentro da seleção brasileira, em 2016, Patrick foi o primeiro pugilista brasileiro a subir ao ringue nos Jogos Olímpicos do Rio, em 2016. O sonho da primeira olimpíada foi interrompido na 1ª fase contra o colombiano, Yuberjen Martinez. Depois dos Jogos, o campeão brasileiro foi dispensado da seleção, mas continuou treinando por conta própria para melhorar sua tática e rendimento.
“Eu tinha idade e resultado para ser convocado novamente. Achei que seria, pois era novo e tinha muito para ser trabalhado e investido em mim, para assim conseguir chegar em Tóquio”, explica o atleta. “Fiquei mal, sabia que tinha resultado e potencial para estar na equipe permanente, mas continuei trabalhando para mostrar que realmente a vaga era minha, continuei sendo campeão nas competições. Mas hoje em dia caí na real que realmente não depende só de mim”.
Patrick nunca teve um patrocinador direto com o qual pudesse contar a sua trajetória no boxe. Mas não desistiu de conseguir apoio e ssempre enviava o seu currículo para empresas, pelo Instagram. No entanto, as respostas eram negativas, e ele percebeu que teria que “caminhar com as minhas próprias pernas”.
Atualmente, Patrick cursa Educação Física, trabalha como personal e dá aulas de boxe para jovens e adultos: “No Brasil, tudo que tinha que ganhar eu ganhei, é muito tempo nesta caminhada, é como se eu já tivesse conquistado tudo”.
"São quatro anos batalhando, não é facil"
Aos 14 anos, iniciou sua trajetória no Instituto “Todos na Luta”, onde adquiriu toda a experiência e aprendizado. Assim conseguiu abrir novas portas e oportunidades como ser convocado para fazer parte da seleção brasileira, em 2017. Com foco nas próximas olimpíadas, Luiz conta que pretende parar após conseguir uma medalha olímpica devido às dificuldades que a modalidade carrega.
“O boxe não é uma modalidade fácil. É duro manter o peso, ficar longe de casa, exige muita base de treinamento e viagem. Envolve muita pressão e, com o tempo, o atleta vai se desgastando”, afirma Luiz: ”São quatro anos batalhando para conseguir uma medalha, não é fácil”.
Por ter viajado muito para competir, Luiz reconhece que outros países investem muito mais no boxe do que o Brasil: “Hoje, se um atleta treina nos Estados Unidos e ganha uma medalha, ele vira rei. Muitos boxeadores estadunidenses não ficam muito tempo no boxe olímpico, pois quando conquistam uma medalha vão para o boxe profissional e recebem muita proposta”. Sobre o Brasil, o atleta afirma que “falta muito para o país dar apoio e investir nos atletas”.
Mesmo sem patrocínio, o atleta conta com o suporte do Exército e do programa Bolsa Atleta Internacional, oferecido pelo Governo Federal, que rende mensalmente R$1.850,00. Sobre a dificuldade de conseguir patrocínio, ele afirma que “depois das olimpíadas o apoio some, somente quem conseguiu medalha continua com o apoio”. E completa: “As empresas gostam de patrocinar quando o atleta está no auge, mas não veem o de baixo. Tem que começar de baixo para ajudar na formação do atleta”.
Em 2020, o Programa Bolsa Atleta - benefício que garante a manutenção pessoal do desportista - concedeu somente 274 bolsas, equivalente a R$ 44.157.423, para atletas da categoria pódio. Nenhuma das outras categorias receberam o auxílio durante o ano passado. Do total contemplado somente três atletas do boxe receberam o valor mensal, sendo elas: a atleta e medalhista olímpica, Beatriz Ferreira, recebeu valor mensal de R$15 mil; a pugilista Graziele Jesus, embolsou R$8 mil; e a boxeadora Jucielen Cerqueira recebeu R$ 8 mil.
Neste ano, o Bolsa Atleta estabeleceu critérios para a seleção dos atletas beneficiados devido a “situação de emergência de saúde pública decorrente do Coronavírus“, de acordo com a portaria do ministério da cidadania - eis a íntegra. O programa contemplou 7197 atletas de diferentes modalidades; sendo três atletas olímpicos do boxe, 47 atletas nacionais e cinco atletas pugilistas internacionais.
Desde o ciclo olímpico de 2017 a 2021, o Bolsa Atleta sofreu queda de 17% em seu orçamento total. Dados da Inteligência Esportiva (IE) mostram que das 126 instituições de boxe somente 28 possuem atletas beneficiados. A Associação de Boxe Champion, liderada pelo professor Luiz Dórea, na Bahia, é a instituição com maior número de pugilistas beneficiados. Logo atrás, o Clube Escola Santo Amaro (cesa), em São Paulo, representa cerca de 13,5% com maior número de bolsas e a Academia Gracie, em São Paulo, com 7,2% das bolsas.
Outro programa que é fundamental para o desempenho dos atletas é o Programa de Alto Rendimento (PAAR), do Ministério da Defesa. Atualmente, o programa integra 551 militares atletas em 30 modalidades, sendo que 92 foram classificados para Tóquio. Luiz Fernando, beneficiado pelo PAAR, destaca que o apoio das Forças Armadas é fundamental para o seu desempenho, assim como para outros esportistas. “Se você não for militar é difícil continuar no esporte. Somente depender de patrocínio e do bolsa atleta não é sustentável. A Força Armada paga mais do que a seleção brasileira, dependendo do posto que você está, além de ser um apoio que é certo de receber”, explica Luiz.
Amigo de Luiz Fernando, Uendel Brito - ex-atleta do Instituto “Todos na Luta” e ex-atleta alviverde, atualmente trabalha como professor de boxe - parou de treinar para as competições devido à falta de investimento, desde dezembro de 2019. Brito afirma que abandonou a carreira, pois teve que procurar recursos para sustentar sua filha, de apenas oito meses.
“O boxe nos prepara para a vida”