O cenário de pandemia revirou o mundo e trouxe mudanças para muitas famílias, principalmente no contexto de perdas de vidas humanas, de empregos, da liberdade. A partir desses desafios, o termo "novo normal " passou a ser utilizado no âmbito da psicologia para explicar a condição psicológica de crianças e adolescentes que adquiriram sintomas patológicos diante dessa situação atípica.
Segundo a médica neuropsiquiatra e especialista em neurodesenvolvimento, Gesika Amorim, o maior problema é que, com o "novo normal", o transtorno de ansiedade tem sido considerado como algo habitual, não doentio. Ou seja, as pessoas estão se acostumando a sentir os sintomas, normalizar a doença e não oferecer a devida importância ao problema.
A normalização dos transtornos mentais
A neuropsiquiatra observa outro grande obstáculo frente a esse tema: crianças que nasceram no começo e durante a pandemia perderam, de fato, dois anos do início das suas vidas. Grupos que cresceram dentro de casa, que não conviveram em sociedade, não aprenderam a brincar com outras crianças, não conhecem todos os familiares de seus pais e, além disso, não aprenderam a cumprir regras e ordens.
O confinamento que a pandemia impôs sobre a população ocasionou um novo fator para a saúde, a Síndrome Estresse Covid. Com o estresse prolongado com o qual as pessoas tem convivido, tem sido registrado o surgimento de novos transtornos ou a piora daqueles que já existem. Um exemplo são as compulsões causadas por esse estresse, que tem mudado o comportamento dos afetados com relação ao consumo de uma alimentação não saudável para o organismo.
Normalmente, o estresse leva sua vítima a consumir alimentos ricos em carboidratos e mais doces, chamados de comfort food, ou, em português, comida que traga conforto. Esse hábito acarreta em ganho ponderal de peso e ao aumento dos quadros de diabetes. Percebe-se, também, um crescimento no consumo de álcool e outras drogas, causado por esse mesmo estresse. A sociedade tem normalizado doenças patológicas de depressão e ansiedade como se fossem distúrbios nocivos, normais do nosso dia-a-dia. Não é tão simples assim: são doenças psicológicas e oferecer a devida atenção e cuidado aos afetados é de extrema importância.
Independente do nível de ansiedade, se, no geral, todos estejam sofrendo algum tipo de transtorno, isso não retira o perigo de tratar as doenças de grau psicológico como algo normal nos dias de hoje. – Gesika Amorim, médica neuropsiquiatra e especialista em neurodesenvolvimento
Existe, atualmente, um aumento significativo de pessoas que desenvolveram um quadro de ansiedade e depressão no Brasil e no mundo. Os indivíduos que já passaram por esse problema antes da pandemia, mesmo com o controle da doença, voltaram com as crises com maior frequência e intensidade.
Daniel Pena, adolescente de 13 anos, de poucos amigos em sala de aula, é uma pessoa calma, quieta e tímida. Ele vive uma ansiedade fora do comum, segundo a sua mãe, Danielle da Silva. Com apenas duas semanas da volta presencial de retorno das aulas, o quadro de ansiedade de Daniel se agravou, manifestado por crises de ansiedade dentro de casa, por choros e principalmente começou a falar em suicídio. São ocorrências que ele não vivenciou antes da pandemia.
As consequências sociais da Covid-19 provocaram e ainda provocam atrasos no avanço da vida de todos. Especificamente para as crianças, o isolamento rompeu com o ciclo do seu desenvolvimento, seja através de alterações na arquitetura cerebral, alterações imunológicas e hormonais ou estresse parental, que pode prejudicar o crescimento, amadurecimento e desenvolvimento da criança.
Para Gesika Amorim, os desafios e consequências futuras para as crianças e para os os adolescentes com o período pós-pandemia estão diretamente relacionado à saúde mental desse grupo. Segundo ela, 0 Transtorno de Ansiedade está sendo encarado como não patológico. A doença está perdendo a devida importância quando se percebe a normalização que fazem dos sintomas sentidos pelas pessoas, Como sentir palpitações, transpiração nas palmas das mãos, sofrimento, desânimo e ficar à espera de que coisas ruins aconteçam, como se fosse comum alguém viver sentindo essas sensações.
As mudanças comportamentais de crianças e de adolescentes compõem outro obstáculo enfrentado com o novo normal. Crianças com faixa etária entre 2 a 4 anos de idade tiveram dois anos do início de suas vidas praticamente dentro de casa. Foram privadas do convívio em sociedade, em família, não tiveram o começo da infância e, com isso, não aprenderam a brincar com outras crianças, a cumprir ordens e regras. Elas não conheciam a nossa normalidade antes do cenário de pandemia e estão conhecendo o que agora é incomum para todos nós. Isso afeta principalmente as crianças que vivem em apartamentos, que já são privadas pela natureza do ambiente fechado em que vivem.
O isolamento social ocasionou um bloqueio da interação dessas crianças com seus colegas e com o ambiente escolar. Os adolescentes se isolaram ainda mais, buscando se conectar com as redes sociais e com as telas nos jogos virtuais, se distanciando do mundo real. Esses são alguns dos efeitos negativos da pandemia para a saúde mental e psicológica das crianças e dos adolescentes.
É urgente que todos nós, médicos, pais, professores, cidadãos, governantes, olhemos com atenção para este problema, porque ele é só o início de um iceberg. O retorno das aulas e, consequentemente, o viver em sociedade, acarretará em um estouro de transtornos comportamentais. - Gesika Amorim, médica neuropsiquiatra e especialista em neurodesenvolvimento