Lab Dicas Jornalismo Publicidade 728x90
14/10/2023 às 08h56min - Atualizada em 14/10/2023 às 08h42min

Aborto em pauta: a situação das mulheres no Brasil

A nova ação que descriminaliza o aborto até a 12ª semana de gravidez traz à tona as contradições do país em relação ao procedimento

Ana Gabriela Freire - Editada Por Nick Santos
Reprodução/Freepik


As Leis brasileiras referentes ao abordo estão, novamente, em debate. Com o voto favorável da ministra e relatora Rosa Weber, a ação que propõe a descriminalização do procedimento até a 12ª semana se encontra em tramitação no Supremo Tribunal Federal (STF). A situação das meninas e mulheres brasileiras no que tange à interrupção de uma gravidez indesejada poderá ser modificada pela aprovação ou recusa da nova legislação. De acordo com o artigo 128, inciso I, da Constituição, o aborto para salvar a vida da gestante é permitido no país. O procedimento também não é criminalizado em caso de gravidez resultante de estupro. Em 2012, o Supremo decidiu por maioria que a interrupção da gravidez de fetos anencéfalos não configura crime nem para a gestante, nem para o profissional de saúde que realiza a intervenção, por conta da impossibilidade de vida fora do útero.

 

O aborto provocado por qualquer outra motivação é criminalizado em território nacional. De acordo com o artigo 124, a pena varia de reclusão de três a seis anos caso seja provocado pela gestante. Já o aborto de uma gestante menor de quatorze anos ou que não pode consentir por ser considerada incapaz ocasiona pena de um a quatro anos, segundo o artigo 125. A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 442 (ADPF 442) foi autuada em março de 2017 e teve como requerente o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL). Ela pauta sobre as determinações dos artigos 124 e 125, e visa descriminalizar o aborto até a 12ª semana de gestação. Em 22 de setembro de 2023, o julgamento virtual foi iniciado e a ata foi publicada em 11 de outubro. Anteriormente, no dia 2 do mesmo mês, a ministra Rosa Weber indeferiu os pedidos de organizações como a Casa Pró-Vida Mãe Imaculada e o Fórum Evangélico Nacional de Ação Social e Política (FENASP) relacionados à ação. A oposição de setores cristãos e conservadores da sociedade brasileira é um dos maiores obstáculos na flexibilização da lei relacionada ao aborto. No dia 14 de setembro, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) divulgou uma nota manifestando seu repúdio à ADPF 442. “Jamais um direito pode ser exigido às custas de outro ser humano, mesmo estando apenas em formação. O fundamento dos direitos humanos é que o ser humano nunca seja tomado como meio, mas sempre como fim.”, diz o texto. A ação propõe a descriminalização do procedimento, que se diferencia da legalização. Segundo informações do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), ao descriminalizar uma conduta, ela deixa de ser punível como crime, mas ainda existe espaço para que seja considerada um ato ilícito e sujeito a sanções legais, como prestação de serviços, multa ou frequência em curso de reeducação. A legalização, por outro lado, permitiria o ato com base numa lei, que regulamentaria a prática e definiria suas condições, além de punições para quem as descumprisse.


As mulheres que abortam e o risco de complicações

 

O aborto é um procedimento realizado por muito mais mulheres do que possa parecer a primeira vista. De acordo com a Pesquisa Nacional de Aborto 2021 (PNA 2021), 10% das mulheres já fizeram pelo menos uma interrupção da gravidez durante sua vida. Além disso 15% do total já teve um aborto aos 40 anos. Embora a taxa seja menor do que a das pesquisas anteriores, os números seguem relevantes: 39% daquelas que passaram pela intervenção a fizeram por meio de medicamentos, como o misoprostol, enquanto 43% foi hospitalizada para finalizá-lo. Em 2010, esses percentuais foram de 48% e 55%, respectivamente. 52% das mulheres tinham 19 anos ou menos quando fizeram o primeiro aborto. Em 2015, foi publicado, pela Revista Baiana de Enfermagem, o Perfil Demográfico e Reprodutivo das Mulheres com História de Aborto. O levantamento constatou que, em 2010, a maioria das mulheres com histórico de aborto no Subúrbio Ferroviário, área periférica de Salvador, eram pretas ou pardas, cristãs e com formação acadêmica até o 5° ano do fundamental. Além disso, 21% delas eram donas de casa e 16% realizavam alguma atividade remunerada fora. As estudantes respondiam por 4%. O Perfil Demográfico também constatou que, no Subúrbio Ferroviário, o aborto era majoritariamente realizado por mulheres que já estiveram grávidas antes: 16% já tinha passado por duas gestações, enquanto 26% passou por três ou mais. A Revista Eletrônica de Gestão & Saúde publicou, em 2013 um artigo sobre os efeito da ilegalidade do aborto na saúde pública. Segundo os dados levantados, o Sistema Único de Saúde (SUS) realiza 240 mil internações por ano para tratar mulheres que passam por complicações decorrentes de abortamento. Os gastos anuais com essas internações totalizam 45 milhões de reais.

 

Tentativas de sucateamento e suas consequências para as mulheres

 

Apesar de legalizado em três casos, o acesso ao aborto no Brasil é difícil e possui vários entraves. Segundo Denise Mascarenha, coordenadora executiva da organização Católicas Pelo Direito de Decidir, a desinformação e o constrangimento são obstáculos para as mulheres que buscam um aborto no país: “Nem todas as mulheres que têm direito à acessar o aborto legal possuem essa informação. Quando acessam os serviços, passam por uma série de constrangimentos por parte da equipe médica. A chamada “objeção de consciência”, que permite que médicos não realizem determinada ação médica em decorrência de sua religiosidade, ética ou moral, também é um grande empecilho," detalha. A organização Católicas Pelo Direito de Decidir, diferente de instituições católicas como a CNBB, apoia o direito da mulher brasileira ao aborto legal. Denise Mascarenha ainda ressalta que outro problema no acesso é a pressão de grupos religiosos e conservadores, que tentam não só barrar novas legislações relacionadas a interrupção da gravidez, como também buscam sucatear a legislação atual. O Estado do Nascituro é apontado pela coordenadora como uma dessas tentativas: “o Estatuto do Nascituro, se aprovado, representará uma profunda violação aos direitos, à saúde e à vida das mulheres. Se aprovado, vítimas de estupro serão obrigadas a manter a gestação – incluindo crianças. Nesse sentido, caso a legislação relacionada ao aborto continue como está, meninas, mulheres e todas pessoas que gestam continuarão à mercê das dificuldades de acesso a um direito garantido por lei, ou seja, os permissivos não são suficientes pra garantir dignidade", diz. Como solução, Denise aponta a ampliação das leis brasileiras: “[Precisamos] fortalecer os serviços de aborto legal enquanto política pública, aprimorar o debate sobre direitos sexuais e reprodutivos junto à sociedade brasileira e sua efetiva garantia pelo Estado. É urgente que os três poderes se envolvam nesse debate, e é lamentável que o Congresso esteja hoje tentando criminalizar totalmente o aborto no Brasil.”, finaliza. Procurada, a presidente do movimento Brasil sem Aborto, Lenise Garcia, não respondeu a pedidos de entrevista.

Link
Notícias Relacionadas »
Comentários »