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23/06/2022 às 15h16min - Atualizada em 06/06/2022 às 13h41min

A democratização do acesso à moda e as fast fashions

Como a Shein viabiliza o acesso à moda para as minorias

Isalu Sant - editado por Letícia Renata Leite
Foto: Site Shein - (Divulgação)

As chamadas fast fashions são empresas da indústria têxtil que se encaixam em um modelo de mercado em que os produtos são fabricados, consumidos e descartados em um curto período de tempo. Essas empresas são grandes precursoras da moda não sustentável e poluente justamente pelo seu alto volume de produção, e por consequência descarte. Porém é imprescindível salientar que esse não é um problema exclusivo das marcas com produção rápida, mas da indústria da moda no geral. O mercado da moda está atrelado a uma rápida temporalidade, por ter um caráter efêmero, passageiro e atual, e a sustentabilidade está ligada a uma ideia de algo que permanece, logo são lógicas contrárias. 

 

Ademais, algumas fast fashions também estão constantemente ligadas a escândalos em relação às condições de trabalho oferecidas a seus colaboradores, por falta de transparência em sua cadeia de produção. Dessa maneira, apesar de não se poder negar o caráter problemático desse segmento de mercado, podemos afirmar que esse mercado não se resume apenas a isso, mesmo que a maioria, senão todas, as questões debatidas sobre esse negócio foquem especificamente  nesses recortes, perpetuando uma visão unicamente pejorativa desse meio. A democratização da moda a partir do fast fashion é um ponto que também deve ser debatido.  

 

Nesse sentido, pouco se fala sobre essa democratização do acesso à moda que empresas como a Shein, aqui o ponto de interesse principal, promovem. É uma loja criada na China, que nos últimos 2 anos caiu no gosto dos brasileiros e do mundo, a organização envia seus produtos para mais de 220 países e territórios, e pauta sua comercialização em um processo totalmente online, através de um site e aplicativo. 

 

A empresa trabalha com valores muito abaixo da média de outras empresas, até mesmo do segmento do consumo rápido, e aposta em uma forte presença nas mídias sociais, e em tendências da geração Z, reproduzidas nos mais variados estilos de roupas, para viralizar e se consolidar no mercado da moda mundial. Não é atoa que a empresa se tornou a maior varejista online e uma das maiores marcas de fast-fashion do mundo. Segundo dados do Business of Fashion, de 2018 para 2021, a marca cresceu exponencialmente sua receita em 700%, passando de US$ 2 bilhões, em valor de mercado, para US$15,7 bilhões. 
 

O acesso a moda no Brasil 

Esse mercado no Brasil inviabiliza o acesso à moda a grupos sociais específicos, como reflexo da desigualdade social do país. Nesse sentido, como vários aparelhos da sociedade, a moda por si só também é uma ferramenta de manutenção dessa desigualdade. Dessa maneira, a partir de um recorte socioeconômico, a moda não é uma realidade para minorias como pessoas de baixa renda, e por uma perspectiva de acessibilidade, também não se estende a pessoas gordas e com corpos fora do padrão estético magro.  

 

Segundo a professora Maria Romão, em entrevista ao podcast “Desvestindo” de Thaynara Junqueira, a moda no século 14, já nasce com a perspectiva de não incluir no seu sistema as camadas mais baixas da sociedade.
 

“Classes mais baixas vão fazer parte do sistema da moda como mão de obra e não como produtora de códigos visuais ou consumidora, a moda se pauta na desigualdade social”, afirma ela.

Desse modo, a Shein viabiliza a democratização do acesso à moda, por ser uma das poucas alternativas para esses grupos de pessoas encontrarem peças estilosas e com as tendências do momento a um preço acessível.


Dentro desse contexto uma perspectiva muito importante de se aderir a este debate é também o símbolo da ascensão social que uma roupa pode ter num país pobre como o nosso, assim, roupas são importantes para diferenciar os indivíduos a partir de um imaginário social. Desse modo, é válido evidenciar que o fato de pessoas de baixa renda, negras e gordas, precisarem estar bem vestidas para serem respeitadas, também é um peso na balança de aderência da moda.
 

No Brasil, a realidade da maioria da população é comprar o que dá e não o que se quer, por terem um baixo poder aquisitivo. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) um quarto da população brasileira, 52,7 milhões de pessoas, vive em situação de pobreza, então existe uma lacuna entre preços justos e preços acessíveis para essas pessoas. Por isso características como o preços baixíssimos da Shein são um dos motivos para ela ser tão aderida, pessoas pobres precisam dessa indústria. Assim, esses indivíduos que muitas vezes nunca tiveram acesso ao básico da moda como roupas que possuem um bom caimento em seu corpo, e cabem no seu bolso, encontram na Shein uma empresa que atende suas necessidades, por isso o mercado brasileiro é um dos mercados mais estratégicos para a marca. 


O debate do acesso à moda importa 
 

Acima de tudo é necessário entender que essas questões não fazem parte da discussão sobre moda e sustentabilidade ou sobre o mercado de consumo rápido, são questões que se entrelaçam e precisam ser levadas para o centro do debate, o acesso à moda importa. Por isso, apenas criticar fast fashions, e quem consome essas empresas porque precisam, não é uma uma ação lógica, é necessário ir até a origem do problema. A especialista em comunicação e moda Lorena Bastos afirma:
 

"A solução da problemática das fast fashions é bem mais profunda e não está diretamente relacionada à inviabilização do consumo individual”. 

Desse modo, é preciso considerar os limites da relação entre agência e estrutura, se o problema é sistêmico, a solução também precisa ser. O capitalismo é predatório em diversos sentidos, é nesse sistema e seus beneficiários que precisamos focar não nos consumidores. Assim, é necessário o fim da individualização, não se pode ter culpas individuais, problemas coletivos não devem ser tratados com o mérito individual. Parte da cilada do capitalismo é colocar a culpa no consumidor, então toda essa dinâmica bem arquitetada até falando sobre sustentabilidade e ética social, precisa ser analisada e esmiuçada criticamente.

 

Nesse quadro, a sustentabilidade na produção de roupas não se encaixa numa lógica socioeconômica, como o capitalismo, se formos parar pra pensar na etimologia das palavras sustentabilidade e o capitalismo elas são completamente antagônicas, logo não se pode falar de consumo ético e sustentável no capitalismo. A degradação do meio ambiente e a anti sustentabilidade indissociável a moda fast fashion, é sim uma questão emergente e urgente, mas o sistema econômico em que nossa sociedade é baseada, fomenta o nascimento dessas empresas, ele é o criador e demanda o crescimento desse mercado, sem dúvida influencia na temporalidade do mercado modal.

 

Nesse cenário, a grande questão de lojas como a Shein, recai no capitalismo, a moda como conhecemos hoje é produto desse sistema capitalista que tem como base a exploração do trabalhador e a desigualdade de renda. Enquanto essa lógica for a mesma, nada muda. Temos que pensar essa questão como cidadãos, e não consumidores, precisamos partir da justiça social, o foco da conversa precisa ser a redistribuição de renda, para a partir daí, arquitetar uma democratização da moda de maneira ética. Precisamos passar por diversos fatores, e camadas, pensar em melhores condições de trabalho, e oportunidades de integração de minorias não apenas como consumidores mas também como precursores da moda, e assim começarmos a pensar em uma moda mais democrática.

 

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