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27/08/2022 às 23h56min - Atualizada em 25/08/2022 às 21h28min

Como a nova geração de músicos relacionam arte e política em suas produções

Maioria se posiciona, mas já não estão interessados em trazer letras com manifesto político

Madson Lopes - Revisado por Flavia Sousa
Artistas como Chico Buarque, driblaram a censura através das musicas, durante a ditadura militar. (Reprodução: Rodrigo Carneiro/Pinterest).
Se no passado, os artistas da música popular brasileira tinham que usar toda a criatividade e artimanhas para tecerem críticas, através de suas canções, ao regime da ditadura militar (1964-1985), sem que estas transparecessem para que não fossem censuradas, agora à nova geração de músicos não encontram resistências significativas ao manifestarem suas opiniões políticas.

Alguns nomes já consagrados pelo público jovem como Anitta, Pabllo Vittar, o rapper Emicida dentre outros, tem se mostrado bastante engajados nas questões envolvendo políticas e militância. Seja pelas redes sociais ou nos shows e entrevistas concedidas, esses artistas não escondem suas opções partidárias, em quem pretendem votar nas eleições deste ano, além de tecerem críticas ao governo atual.

Em uma entrevista para a CNN Brasil, a cantora Anitta, ao ser questionada sobre o assunto, falou da importância dos artistas se posicionarem e não estarem alheios quanto as coisas que acontecem no país. Numa postagem, ela também 
criticou a decisão do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) que, recentemente, proibiu manifestações políticas de artistas durante suas apresentações no festival Lollapalooza. Entretanto, quando sua imagem foi associada ao PT (partido dos trabalhadores) ela negou qualquer vínculo com o partido e proibiu o mesmo de usar sua imagem para engajamentos e fins políticos:
Post da Anitta esclarecendo envolvimento com o PT. (Reprodução: Anitta - Twitter).

Leia mais: Cantores que revolucionaram a história da música popular brasileira

A impossibilidade de neutralidade política

O comportamento de Anitta revela o modo como a maioria dos artistas da nova geração pretendem se relacionar com quetões políticas. Isso porque, apesar deles manifestarem abertamente suas opiniões, contudo, recusam qualquer associação a partidos e figuras políticas. O que eles deixam claro é quanto ao viés ideológico que eles pertencem, tendo em vista que a não manifestação política (ou neutralidade), devido ao contexto de polarização, se constitui uma manifestação política.

Como aconteceu com a cantora Elba Ramalho, que recentemente interrompeu um show devido manifestações políticas do público. Ela se defendeu afirmando que “isso é show de São João e não um comício”. No entanto, no dia seguinte seu nome já estava repercutindo nas redes sociais associando a determinado grupo político contrário aos do grupo dos manifestantes. Mostrando que há uma impossibilidade de neutralidade dos artistas no debate público. A nova geração de músicos ja entendem essa realidade, e sabem que isso pode afetar diretamente suas carreiras.




Fim das músicas-manifestos

Outra característica dessa nova leva de artistas que militam (direta e indiretamente), está relacionado às letras de suas composições. Isso porque, durante o período da ditadura, os artistas se valeram de suas músicas para criticarem o regime, clamar por democracia e questionar a situação social do país. Com isso, criaram canções que posteriormente foram chamadas de ‘músicas-manifestos’ ou canções de protestos. Embora essas canções tivessem, em linhas diretas, uma interpretação literal, em suas entrelinhas continha duplo sentido, como é o caso da música ‘Cálice’, escrita por Chico Buarque e Gilberto Gil.



Censurada logo após seu laçamento, Cálice se tornou um hino de protesto durante o regime militar. (Reprodução: Patricia Porto/Youtube).

Os compositores fizeram um jogo de palavras usando uma linguagem bíblica para mascará a crítica. Na frase: “Pai afasta de mim esse cálice”, trocaram o significado da palavra ‘cálice’ para ‘cale-se’, em outras palavras, eles estavam querendo dizer; “afasta de mim esses que querem nos calar”, se referindo ao regime antidemocrático. Essa forma de manifestação foi percebida em todos os artistas que formaram o movimento chamado Tropicalismo, que sacudiu o ambiente da música popular e da cultura brasileira entre 1967 e 1968. E mesmo depois da redemocratização do país (1985), vários artistas continuaram se valendo da música para criticar o governo, algo que se tornou característica de alguns gêneros musicais como a MPB, Rap (Hip-Hip) e o Funk.

Entretanto, isto vem mudando nos últimos anos. Embora o movimento de alguns estilos,  principalmente o Rap, fosse, anteriormente, associado a músicas de protestos, que questionavam a invisibilidade das periferias, a violência urbana, desigualdade social e denunciavam o racismo estrutural no país, atualmente tem havido cada vez menos músicas com esse peso. Os artistas passaram a valorizar letras com menssagens mais 'possitivas', que dão enfase ao sucesso por 'peritocracia'. Como por exemplo o rap "Ostentação", escrita por Eduardo Carlos Taddeo:

É isso mesmo meu rap é ostentação/
Quero te ver de Lan Rover no alto escalão/
Quero seu filho na escola particular/
Tendo o melhor ensino que o dinheiro pode comprar/
Quando rimo que a vitória é pra quem estuda/
Tô dando a deixa pro seu helicóptero Agusta/


Além disso, a maioria dos artistas tem conservado a ideia de se comportarem como atores sociais, dando suas opiniões pelos meios de comunicação, mas já não concordam em sempre ter que cantar conflitos e fazerem de suas poesias um grito de denúncia. Concentrando suas músicas como instrumento de alegria e diversão. Até mesmo os que se projetaram nacionalmente devido ao peso do manifesto político em suas canções como o rapper Emicida, considerado pela crítica como um verdadeiro cronista do cotidiano, não se considera um ativista. Como ele mesmo afirma em uma entrevista concedida ao canal ‘Prazer, Carnal’:
“Eu não me vejo como um ativista, eu não me vejo como nenhuma dessas coisas [...] Eu não sou um artista que pega uma bandeira [política] e transforma elas em musicas [...]  Eu sou um artista que tem um projeto artístico relevante, mas também sou um cidadão que não abdico dos meus direitos”. Emicida.

Leia também: O emocionante AmarElo - É tudo pra ontem do Emicida
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