O poder da literatura no cuidado da saúde mental

Pixabay

Nos últimos anos, o debate sobre saúde mental e emocional ganhou um espaço destacado na sociedade, na imprensa, nas redes sociais e na internet em geral. Muito disso se deve por conta da repercussão das Campanhas Setembro Amarelo e Janeiro Branco, que acendeu o alerta na população para a importância do cuidado com a saúde mental. A literatura é uma ferramenta poderosa e uma aliada potente em conscientizar as pessoas no cuidado com a saúde mental, inclusive para os que sofrem com transtornos mentais. 

Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), em 2019, aproximadamente 1 bilhão de pessoas conviviam com algum tipo de transtorno mental no mundo. Em 2022, numa edição revisada do estudo, a organização fez uma descoberta importante: a depressão e a ansiedade aumentaram mais de 25%, apenas no primeiro ano da pandemia. 

A psicóloga Ana Paula Nunes enxerga a leitura como uma aliada terapêutica importante nesse processo. “A leitura pode estimular emoções, sentimentos, aliviar o estresse, melhorar o funcionamento do cérebro, tirar o foco da tensão, além,  de dependendo do texto, trazer informações a respeito do transtorno do paciente o que traz conscientização e contribui para o tratamento terapêutico, pois quando pedimos o retorno interpretativo da leitura identificamos pontos  a serem explorados na terapia, além dessa prática poder despertar insights valiosos no paciente, que pode se identificar com um determinado personagem e compreender melhor seu processo”, explica. 

Ela aplicou esse conhecimento no tratamento de uma paciente com depressão, através do livro ‘Quando aprendi a me amar’, da Karen Vogel. Através da leitura das páginas coloridas, ela conseguiu enxergar a necessidade de se amar, se cuidar e se priorizar na vida. 

“A leitura e escrita proporciona um momento de escape, de descontração,  onde sentimentos e reflexões podem ser aflorados sejam eles positivos ou negativos,  podendo ser trabalhados em psicoterapia e serem ressignificados, trazem consciência ao seu quadro de saúde, a escrita pode ser usada como desabafo, como material de resolução de conflitos, além de contribuírem com a plasticidade neural que é a capacidade que o cérebro tem de criar novas conexões sinápticas, o que contribui para as funções cognitivas como: atenção, memória, linguagem, percepção, entre outras”, enfatiza. 

Valor afetivo

Malu Silveira é jornalista, estudante de psicologia e criadora do blog 'O amor que guardei para mim’. Na visão dela, a leitura e a escrita são hábitos valiosos na vida e que trazem excelentes benefícios. “Na minha visão enquanto paciente, a literatura é fundamental para tirar o nosso foco dos sintomas dos transtornos mentais, tanto físicos como emocionais, minimizando a nossa angústia”, comenta.

Malu é apaixonada pelo poder das palavras. Ela ama ler e escrever desde cedo. Esses hábitos fazem parte do seu cuidado com a saúde emocional e mental. Para a jornalista pernambucana, é terapêutico. “Desde adolescente, tenho o hábito de escrever em diários sobre tudo - os acontecimentos da minha vida, a minha rotina, os meus pensamentos e, principalmente, os meus sentimentos e sensações vivenciados nas experiências. Dessa forma, consigo colocar para fora o que transborda. Organizo meus pensamentos, deixo tudo registrado e posso revisitar meu passado depois, o que me dá uma gostosa sensação de pertencimento”, reflete. A música “Eu e Mim", de Rita Lee, possui um verso que exemplifica os seus sentimentos e emoções quando escreve. ““Alguém dentro de mim é mais eu do que eu mesma”. 

A leitura também tem um lugar de destaque na sua vida. “A leitura é mais uma ferramenta para cultivar tanto o meu prazer, o meu bem-estar e interesse pela vida, o que é fundamental para a saúde mental, como o meu conhecimento de mundo, essencial para a vida em comunidade”, acrescenta.

A jornalista descreve a leitura e a escrita (conceitos-chave da literatura) como grandes aliadas para proporcionar um cotidiano mais saudável e harmonioso. “Ler e escrever abrem portas da nossa mente e da nossa alma. Facilitam caminhos, deixam a jornada menos árdua, desvendam enigmas do nosso cérebro e proporcionam maior entendimento sobre quem somos e o que fazemos no mundo - duas das grandes questões estudadas pela Psicologia”, finaliza. 

A escritora Daiane Rocha acredita que a leitura e a escrita literária contribuem para uma mente saudável. “Nos faz ocupar a mente com pensamentos saudáveis, afastando a ansiedade e pensamentos negativos. A leitura e escrita nos deixam leves, é como esvaziar a nossa bagagem da vida, excluindo as coisas que não nos fazem bem. São hábitos que nos empoderam, trazem mais autoconfiança, coragem; A cada novo livro lido, por exemplo, sentimos a vontade de ler outros e outros, tornando realmente um hábito. Ao escrever, passamos para o papel nossos sentimentos, proporcionando calmaria. Escrever sentimentos, por exemplo, é uma forma de acalentar a alma”, destaca. 

Benefícios 

Um levantamento realizado pela Universidade de Sussex, na Inglaterra, em 2009, revelou que seis minutos diários de leitura já aliviam o estresse e as tensões. Foi comprovado que reduziu em 68% o nível de estresse das pessoas que foram submetidas e ouvidas neste estudo. 

A psicanalista Fabiana Marie percebe a leitura como libertação e a escrita como uma ferramenta para potencializar esse efeito. “Nos conecta com o que há de humano e conosco mesmo. A literatura nos transporta para uma dimensão mais interior e mais profunda, onde nos encontramos com as fontes da alma humana. E acrescento que entendendo, vivenciando e na experiência da minha prática clínica digo ainda que a escrita é um desdobramento natural da leitura. Quando lemos, a leitura desperta em nós, coisas que precisamos compreender e processar. A melhor maneira de realizar essa necessidade é por meio da escrita. Escrever é um desdobramento da leitura e potencializa o seu poder curativo”, exalta. 

“Ler melhora o funcionamento do cérebro, desenvolve o senso crítico, estimula a imaginação, amplia o conhecimento, enriquece o vocabulário e a escrita”, complementa. 

Uma prática benéfica e muito útil no tratamento de pacientes com transtornos mentais é a biblioterapia. A prática consiste em utilizar textos, propor a interpretação focado nos sentimentos e percepções decorrentes da história. O profissional conduz a conversa sobre a obra e avalia os resultados. “Esse é um processo que funciona como uma ferramenta auxiliar no autoconhecimento e consequente melhoria na qualidade de vida. A biblioterapia incentiva as emoções por meio da identificação do leitor com os personagens para harmonizar os sentimentos adversos, em forma de catarse, que em pura essência, significa limpeza, libertação ou purificação da mente humana”, frisa.  

A publicitária e redatora Victória Queiroz fala sobre o poder da leitura em proporcionar calma no seu dia a dia. "A literatura na minha vida foi tipo um afago, sabe? Comecei a ler desde pequenininha, parei na pré-adolescência e voltei anos depois. Sempre fui muito insegura e ansiosa, e a leitura me acalma, distrai, sem contar as inúmeras palavras que conheci graças aos livros. Hoje, faz muita diferença na minha vivência como redatora”, conta.

A produtora cultural e crítica literária Marianne Freire percebe a leitura como um afago para a alma, uma companhia agradável e uma fonte de tranquilidade. "Eu acredito na liberação de dopamina através da leitura, sensação de bem-estar e felicidade quando eu recebo um livro. É como se fosse um companheiro, ler para mim é terapêutico, um remédio para a alma. Me distrai da ansiedade e depressão, a literatura para mim, é uma nutrição e eu acredito no potencial clínico e científico da biblioterapia para os cuidados em saúde mental, por que ler relaxa, aumenta o vocabulário e o repertório, a comunicação ganha qualidade, a mente tem pensamentos mais tranquilos reduzindo sintomas de ansiedade”, analisa.