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17/02/2023 às 09h55min - Atualizada em 17/02/2023 às 09h51min

Os conflitos da maternidade e das relações de gênero abordados no livro “A filha perdida”, da Elena Ferrante.

Maria Clara Monteiro Corato - Editado por Larissa Bispo
Arial
Tamires de Carvalho / literaturablog.com

O livro “A filha perdida”, da Elena Ferrante, aborda um outro lado da maternidade. Sem romantização, com sentimentos verdadeiros e latentes, acompanhamos a protagonista Leda em suas profundas reflexões sobre os conflitos internos de ser mãe e, sobretudo, mulher em uma sociedade patriarcal e misógina. 

A história de Leda, uma professora universitária de meia-idade, começa para os leitores em sua viagem de férias no litoral italiano. Solteira, vivendo sozinha - visto que suas duas filhas estão morando com o pai no Canadá -, ela leva para esse cenário litorâneo muitas memórias e feridas que se abrem à medida que se dedica em divagações. 

    A trama de Leda se entrelaça com a de uma família napolitana barulhenta que, coincidentemente, está passando férias no mesmo lugar. Ao observar dia após dia as interações familiares dessas pessoas, ela acaba se aproximando emocionalmente, mesmo que de longe, de Nina, uma mãe jovem, e sua filha pequena Elena, que compartilham entre si muito afeto. 

    É por meio desse encontro que Leda desencadeia muitas lembranças. Leda dá à luz ainda muito nova, primeiro de Bianca, e logo depois da caçula Marta. Sua trajetória profissional, que até então vinha em uma crescente brilhante, de repente, precisa estagnar para cuidar das duas filhas, da casa e do marido. Em certo momento, Leda se enxerga não só exausta da rotina, da maternidade e de todas as incumbências que ficam a cargo das mulheres, mas também se vê perdida dela mesma.

    Nos flashes do passado, Leda se mostra uma mãe insegura sobre diversos aspectos da maternidade. É evidente que a nossa protagonista teve um lar conturbado e uma mãe que pouco sabia sobre amor. Na tentativa de equilibrar a vida doméstica e profissional, a vida dentro de casa não tem brilho e se apresenta para ela como um enorme fardo. Sem aviso prévio, ela dá adeus às filhas e ao marido e vai em busca de se reencontrar.

    Elena Ferrante desnuda quase tudo sobre a maternidade nesse livro. O sentimento de insuficiência, como se estivesse sempre fazendo pouco pelas filhas; a culpabilização pelos seus traços e trejeitos, por não conseguir estar sempre absorta em cumprir apenas um único papel: ser mãe. Com uma sinceridade visceral, conseguimos sentir o sufocamento de ter que lidar com a criação de duas filhas, sem uma rede de afeto bem arquitetada.

    Desconstruindo a ideia de que ser mãe é uma tarefa exclusivamente linda e sagrada, um novo incômodo é gerado quando Leda admite ter deixado para trás as filhas e o marido para tomar as rédeas da sua vida. Nesse momento, Elena Ferrante mexe com uma visão milenar que foi construída sob a mulher, em especial, na função de mãe. A mãe como leoa, santa, com uma força descomunal, vide, Maria mãe de Cristo, que não abandona o filho nem no momento de ser pregado na cruz. 

    É com esse incômodo que enxergamos as diferenças de gênero. Elena Ferrante não levanta julgamento de certo e errado. Mas traz à tona a diferença do choque que nos causa do abandono materno contraposto ao paterno, extremamente normalizado. Justamente porque sobre as mulheres é colocado esse véu, de ter que fazer e entregar tudo de si para o que lhes cabem socialmente, sem margem para erros.

    De volta ao cenário paradisíaco, Nina também parece sofrer com a pressão da maternidade. Mais tarde, a jovem vai confessar para nossa personagem principal que se sente perdida e quer fugir daquela realidade. Mesmo com todo afeto construído, o fardo imposto socialmente é muito pesado.

    “A Filha Perdida” provoca muitas emoções. Ao longo do livro, Leda ressignifica a maternidade várias vezes, não só quando versa sobre suas reflexões mas quando se abre sobre a relação com as próprias filhas, que viajam entre altos e baixos. O peso que a parentalidade carrega e, essencialmente, a imposição dessa figura materna que precisa estar sempre em auto sacrifício e viver em função dos filhos, é vista em Leda e Nina. Romper com essa opressão, não é sobre romper com a maternidade, e sim fazer do ato de maternar ser livres de amarras e muito mais sadio.

 

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