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25/02/2023 às 00h04min - Atualizada em 24/02/2023 às 20h10min

A humanidade dentro dos traços do Studio Ghibli

Raquel Oliveira - Editado por Nicole Bueno

Quem vê cara, não vê coração e quem acha que Studio Ghibli se resume apenas a desenhos animados sem qualquer mensagem ou paralelo com nossa realidade muito se engana.

 

Estamos acostumados a associar filmes animados voltados ao público infantil, nos últimos anos animações para adultos são normalmente classificadas para +16 ou até mesmo +18 devido a violência, conteúdos sexuais e eróticos, vocabulário ou por envolver gatilhos mais pesados. Quando o produto é para crianças as tramas e desenvolvimentos de personagens são voltados a mensagens para o público infantil com mensagens de amor, família e amizade, já quando o produto é para um público mais adulto não existe muito o que poderia ser aprendido, já que o foco já são pessoas com mentalidades e caráter formadas. E é neste ponto em que o Studio Ghibli faz sua diferença no mercado.

 

 O Capitalismo

 Em "A Viagem de Chihiro" (2001) acompanhamos uma garota de 10 anos chamada de Chihiro Fujisaki que está mudando de cidade com seus pais, eles acabam encontrando uma rota diferente e chegam em uma cidade fantasma. Após encontrarem um restaurante com muita comida fresca e sem o dono por perto, os pais de Chihiro resolvem comer um pouco enquanto a garota encontra um jovem rapaz que manda ela e sua família irem embora, mas ao reencontrar seus pais eles se tornaram porcos, então ela faz um acordo com uma bruxa para ter uma chance de sobreviver naquele mundo onde só vive quem trabalha e assim conseguir salvar seus pais. Neste mundo novo onde Chihiro se encontra sozinha a única chance de viver é trabalhando, se não trabalha você é uma perca de tempo e é transformado em algum animal que pode acabar virando comida. Para conseguir ter um emprego, Chihiro faz um acordo com a bruxa Yubaba onde para controlar a garota ela rouba o nome dela, após isso a protagonista fica o filme inteiro sendo chamada de "Sen" e passa a trabalhar em sua casa de banho para divindade e espíritos.



 

A grande crítica do filme vem pelas simbologias, o nome "Sen" pôr se for já é caracterizada por ser algo ligado a número, um valor, a cena em questão onde ocorre a troca de nomes da protagonista remete a perda de identidade de Chihiro para conseguir um trabalho, além de fazer um paralelo ao um número de valor alto que pode ser ligado ao fato de uma quantia elevada causada por seus pais terem consumido comida para os fregueses. Vale ressaltar que o consumo desenfreado dos pais da protagonista é fortemente retratado por Yubaba que os chama de porcos por comerem muito e faltando com respeito o que não é deles como se fossem animais. No filme ainda acompanhamos um espírito chamado por "Sem Rosto" que faz um paralelo com a sociedade em relação aos status financeiro, quanto mais dinheiro você tiver, mais bem tratado você será nos lugares, em contra partida temos a demonstração da situação oposta quando um personagem chega na casa de banho e ninguém o atende corretamente devido a sua aparência sem saber que ele era um deus muito importante.


O Capitalismo é representado em outro filme do Studio chamado "O Serviço de Entrega da Bruxa Kiki" ( de 1989onde a tradição da família da protagonista é que bruxas saíam de casa aos 13 anos para trabalharem em outras cidades que as acolham, porém diferente de Chihiro, Kiki cresceu com isso, desde muito nova ela já sabia que teria que sair de casa para trabalhar como bruxa longe de sua família e ela aguarda este momento ansiosamente, porém vemos que na historia de Kiki as diferenças com Chihiro não param, enquanto Yubaba havia vaga para Chihiro e apenas não queria a contratar por ser humana, em  "O Serviço de Entrega da Bruxa Kiki" a é outra completamente diferente, onde ela precisa lidar com desemprego e a falta de interesse na população da nova cidade com ela. Kiki vê uma situação muito comum, principalmente para brasileiro, onde por falta de emprego e a necessidade de depender disso para viver é necessário criar seu próprio emprego.
 
[O Serviço de Entregas da Kiki de 1989]

[O Serviço de Entregas da Kiki de 1989]

[Imagem: "Kiki Delivery Service" / "O Serviço de Entrega da Bruxa Kiki de Reprodução Google ]
 

As Guerras

Uma temática recorrentes no Studio Ghibli são as Guerras, principalmente do ponto de vista do Japão com acontecimentos históricos ocorridos no século XX, como é o caso do longa "O Túmulo dos Vagalumes" (de 1988) que conta a história de dois irmãos ainda na infância que lutam para sobreviver em meio aos bombardeios da Segunda Guerra Mundial. No filme o pai dos irmãos é convocado para servir ao exército enquanto a mãe que se encontra em estado grave de saúde, com isso Seita, um garoto de apenas 14 anos, se encontra como responsável pela sua irmã mais nova, Setsuko.

 


Acompanhamos Seita fazendo de tudo para salvar e salvar sua irmã a partir das dificuldades em meio a uma guerra enfrentando situações como fome, doenças, ferimentos, a morte, o luto e a falta de tempo para processar tudo o que está acontecendo sendo tão novos. Cenários de destruição passam a ser do cotidiano das crianças e a inocência dos protagonistas entra no contraste deixando o filme ainda mais marcado para todos que o assistem. A guerra faz com que o amadurecimento seja forçado a vim antes do tempo por situações extremas causado por pessoas e motivos que não possuem nenhuma ligação com os protagonistas que pagam por isso, assim como diversos inocentes.

 

"O Túmulo dos Vagalumes" talvez venha a se tornar pesado demais para o público infantil, mas aqui está o ponto de destaque do Studio, onde apesar das narrativas serem em desenho animado, as mensagens e os teores são para adultos já que envolvem de pautas mais intensas sobre consequências de uma guerra. Embora em "O Túmulo dos Vagalumes" as consequências da guerra sejam bastante explícitas, na obra "Vidas ao Vento" (de 2013) o impacto da guerra é mais discreto, não por não serem importantes, mas sim pelo fato de as marcas causadas pela guerra estarem internas em conflitos entre personagens.

 

Os Costumes

 

Não apenas de assuntos pesados são tratados nas narrações dos filmes Ghibli, a cultura do Japão é sempre fortemente representada em todas as obras produzidas, mesmo naquelas em que o cenário ou contexto da história não possuem ligação direta ao país.

Em "O Conto da Princesa Kaguya" (de 2013) temos uma espécie de releitura de uma lenda do folclore japonês "O Conto do Cortador de Bambu", no filme acompanhamos a história de um homem que ao cortar um bambu encontra uma recém nascida dentro dele e resolve criá-la junto com sua esposa como se fosse sua filha biológica, mas ele acaba acreditando que a menina tinha o destino de se tornar uma princesa e com isso a família se muda para a capital para a menina encaixar nos padrões das tradições aristocráticas do Japão daquela época.



Além de trabalhar questões familiares, principalmente do ponto de vista dos pais, onde há de ter sabedoria para entender os filhos são pessoas que em algum momento terão que sair de casa e viver suas vidas longe, existe o desenvolvimento cultural dentro do filme, desses de falar sobre uma sociedade patriarcal sobre as mulheres dentro das famílias como fora delas também, os costumes e tradições de séculos atrás ainda possuem reflexos nos tempos de hoje e isso não apenas no Japão, mas como fora dele também, não apenas mostrando sobre a sociedade japonesa da época passada, mas costumes que até hoje ainda existem e "O Conto da Princesa Kaguya" não é o único filme a trabalhar com isso, pois trabalhar com aspectos culturais, tanto no passado como no presente e no futuro dentro das narrações, é uma marca do Studio Ghibli em suas produções como forma de respeito ao próprio país e como uma forma de apresentar para o mundo.

  Em "A Viagem de Chihiro" a presença da crença Xintoísta em estátuas nos cenários marcam a religião do país, além das tradicionais casas de banho e as situações de presenças de divindades no local, além disso Miyazaki, diretor do longa, já contou em um livro ilustrado sobre o filme que uma das inspirações foi o Festival Shimotsuki Matsuri que ocorre em  Nagano, no Japão.
 

Homem x Natureza

Um dos pontos fortes do Studio Ghibli são os traços e as palhetas de cores que formam os cenários de seus filmes. A natureza parece ser uma pintura que traz a suavidade e tranquilidade para quem estiver assistindo, porém nem todos os filmes do Studio trazem a temática ambiental como uma das prioridades. Nos filmes "Nausicaã do Vale do Vento" (1984) e "Princesa Mononoke" (1997) são dois dos filmes que mais valorizam a temática.


Em "Nausicaã do Vale do Vento" possuímos um futuro distópico onde após a sobrevivência humana é ameaçada por uma floresta que libera substâncias tóxicas no ar, capazes de matar um ser humano rapidamente. Em contraste aos enormes desertos que se formaram na Terra, a floresta, chamada de Mar Podre, é protegida por insetos gigantes e pela princesa Nausicaã que tentam impedir que os humanos a destruam por completo.



Na obra acompanhamos o entendimento de como algo vemos em noticiários sobre pautas socioambientais podem ajudar a evitar uma situação futura como na sociedade de "Nausicaã do Vale do Vento". Mas em "Princesa Mononoke" temos uma situação bem diferente, no filme os personagens entendem que a natureza da floresta é importante e lutam para protegê-la e proteger a fauna que vive dentro dela. Em ambos os filmes não temos heroínas tentando vencer o mal, mas sim mediadoras, já que nas obras os dois lados possuem razões compreensíveis, a busca pela paz é levada pelo bem maior para as nações e para o que melhor para questão ambiental.

Heroínas


Apesar das narrativas dos filmes, o Studio Ghibli possui um detalhe que deixa tudo ainda mais intenso, em suas produções é muito comum que em sua maioria o papel de protagonista pertença a uma personagem feminina, não é em todos os filmes, mas é uma grande parcela.
Certa vez, em uma entrevista Miyazaki disse:

 
"Muitos dos meus filmes possuem protagonistas femininas fortes – meninas corajosas, autossuficientes que não pensam duas vezes antes de lutar pelo que elas acreditam do fundo do coração. Elas precisarão de um amigo, um apoiador, mas nunca um salvador. Toda mulher tem a capacidade de ser a heroína (da história) tanto quanto qualquer homem"

Em todos os filmes do Studio Ghibli o papel de protagonista sempre está atrelado ao amadurecimento pessoal e constante passagem do tempo, trazendo um ar mais tocante e às vezes calma para quem assiste. A presença feminina em destaque reforça ainda mais isso, visto que historicamente as mulheres na sociedade possuem essa obrigação de "crescer mais rápido", além de serem um exemplo para todos que assistem essas garotas lutando para terem sua independência, a presença delas geral muitas vezes a auto identificação e esperança.
 

Onde assistir os filme citados:

- A Viagem de Chihiro: Netflix

- O Conto da Princesa Kaguya: Netflix

- O Serviço de Entrega da Bruxa Kiki: Netflix
- O Túmulo dos Vagalumes: Não está disponível para streaming com um serviço de assinatura.

- Vidas ao Vento: Netflix

- Nausicaã do Vale do Vento: Netflix

- Princesa Mononoke: Netflix
 

O Studio Ghibli é um estúdio de animação japonês, sediado em Koganei, Tóquio. Fundado em 1985, o estúdio já produziu 21 longas de animação, sendo o primeiro O Castelo no Céu (1986) e o mais recente As Memórias de Marnie (2014). Foi fundado em 1985 por Hayao Miyazaki, Isao Takahata, Toshio Suzuki e Yasuyoshi Tokuma, logo após o sucesso de Nausicaä do Vale do Vento, no ano anterior. O estúdio lançou seu primeiro filme, O Castelo no Céu, no ano seguinte. O logotipo da empresa é o Totoro, o personagem do filme Meu Amigo Totoro, lançado em 1988.

 

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