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04/03/2023 às 19h12min - Atualizada em 04/03/2023 às 18h55min

A busca pelo sentido da vida e o tabu em torno da saúde mental abordados na obra literária “A Biblioteca da Meia-Noite”

Maria Clara Monteiro Corato - Edição: Franciele Fernandes
Kelly Rossi

 “A Biblioteca da Meia-Noite” começa com um fim. Nora Seed está insatisfeita com a vida que leva e afundada em uma depressão severa, decide em uma noite dar fim a sua vida. Pendurada entre a vida e a morte, imersa no subconsciente, ela adentra uma biblioteca que vai lhe mostrar muitos aspectos da vida de ângulos que ela nunca tinha visto antes. Um livro que destrincha o que faz a vida valer a pena, com todo cuidado e delicadeza que o tema saúde mental exige

 

Matt Haig, autor da obra, conduz com maestria os tabus e as dificuldades de quem enfrenta distúrbios mentais. Com muita sensibilidade, ele constrói a narrativa de Nora, que, dentro de uma biblioteca, recheada de arrependimentos e mágoas, vai descobrir suas inúmeras vidas que poderiam ter sido trilhadas se tivesse optado por outras escolhas ao longo da vida.

 

É dentro dos livros dispostos na biblioteca que ela vivencia esses caminhos. As viagens, no entanto, se revelam um tanto frustradas para Nora. Na expectativa de achar uma vida perfeita, de algo que poderia preenchê-la, amigos, amores, dinheiro ou fama, ela acaba descobrindo a vida, de um modo geral, variável, inconstante e repleta de imperfeições. Entre reflexões, idas e vindas, Nora (re)encontra uma vida da qual valha a pena ser vivida, mesmo em meio a tantas turbulências. 

 

A psicóloga Caroline Guerra aponta: "Em muitos casos da depressão, os remédios manipulados se fazem necessários, mas para o tratamento ser eficaz é preciso que exista um alinhamento entre a terapia, a psiquiatria e o paciente. O paciente precisa estar sintonizado na busca da ajuda dele, para que o trabalho comece a funcionar. Precisa haver uma movimentação, mesmo que ínfima, da parte do paciente para buscar ajuda e enxergar uma luz no fim do túnel.” De forma subjetiva, as viagens de Nora parecem ser uma forma dela encontrar essa luz, uma motivação para procurar ajuda especializada. 

 

O retorno de Nora Seed à vida simboliza a aceitação da procura de um tratamento intensivo. “Mesmo com diagnóstico, existem casos em que os pacientes demoram a entender e aceitar seu quadro clínico, às vezes é mais fácil a pessoa recorrer a um psiquiatra do que a um psicólogo, com a perspectiva de que o suporte medicamentoso sozinho vai bastar para a pessoa se curar”, continua a psicóloga. 

 

Mesmo medicada, conhecendo seu diagnóstico e tendências de automutilação, ela precisa ancorar na biblioteca para desconstruir o tabu em torno da sua situação mental, aceitar e reconhecer a necessidade de ajuda. A angústia de Nora só chega ao fim quando isso está bem trabalhado dentro dela. 

 

A mensagem do livro ultrapassa o momento difícil de Nora, aborda a fundo a busca pelo sentido da vida, a forma como nós, humanos, nos agarramos ao passado, obcecados pelo que perdemos e como nos recusamos a aceitar as nuances da vida, deixando de viver o presente. As passagens de autoajuda proferidas pela bibliotecária  (uma espécie de guru no subconsciente de Nora) são constantes durante toda a obra, ajudando ela a desvendar e enfrentar suas aflições. 

 

“Quer dizer, as coisas seriam bem mais fáceis se a gente entendesse que não existe um certo modo de viver que nos torne imunes à tristeza. E que a tristeza é parte intrínseca do tecido da felicidade. Não dá pra ter uma sem a outra. Obviamente, elas vêm em diferentes graus e doses. Mas não há uma vida sequer em que a pessoa possa existir num estado permanente de felicidade absoluta. E imaginar que existe uma vida assim só acrescenta mais infelicidade à nossa vida.” (pág. 193/194)


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