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21/03/2023 às 12h45min - Atualizada em 21/03/2023 às 11h58min

Transfobia na Câmara dos Deputados: Nikolas Ferreira (PL-MG) aproveita dia das mulheres para atacar pessoas trans e travestis

O Ministério Público Federal (MPF) pediu que o Conselho de Ética da Câmara dos Deputados investigue a fala do deputado

Gabriel Ribeiro - Editado por Ynara Mattos
Foto: Agência Brasil

No Dia Internacional das Mulheres, 8 de março, o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) usou o seu tempo de fala no plenário da Câmara para fazer um discurso considerado transfóbico. O deputado bolsonarista afirmou que “Defendi o direito das mulheres de não perderem seu espaço…”, mas especialistas apontam que houve crime em sua fala. O deputado já responde pelo crime de transfobia, em 2020 ele disse que passaria a se referir como “ele” para chamar a deputada Duda Salabert (PDT-MG).

 

No dia 8 de março, durante o momento de breves comunicações, os deputados federais aproveitaram para fazer discursos relacionados ao Dia Internacional das Mulheres. Em sua primeira declaração na tribuna, a deputada Erika Hilton (PSOL-SP) aproveitou para lembrar que é a primeira vez, na história do Brasil, que pessoas trans ocupam cargos no congresso nacional.

 

“Presidente, uso esta tribuna pela primeira vez, inicialmente, para falar da importância da chegada das primeiras representantes transexuais e travestis a este importante espaço da política nacional, que até então nunca havia contado com a nossa presença, e essa é uma grave denúncia ao processo democrático. Nós não poderemos falar em democracia plena se todos os indivíduos da sociedade brasileira não tiverem representação nos assentos desta Casa de Leis, não tiverem representação neste espaço legislativo… Quero chamar o Parlamento brasileiro a olhar para as políticas em prol das mulheres, para a vida das mulheres, e a se comprometer cada vez mais com a construção de uma sociedade melhor e mais digna para todas nós.” afirmou a deputada em um momento da sua fala.
 

Quarenta minutos depois do início do discurso de Erika Hilton, o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) iniciou sua fala dizendo que como não tinha lugar de fala para se posicionar sobre a questão das mulheres ele teria solucionado esse “problema”.

 

“Hoje, no Dia Internacional da Mulher, a Esquerda disse que eu não poderia falar porque não estava no meu local de fala. Então, eu solucionei esse problema. (O Deputado coloca uma peruca.) Hoje eu me sinto mulher, a Deputada Nikole. E eu tenho algo muito interessante aqui para falar. As mulheres estão perdendo o seu espaço para homens que se sentem mulheres. Vocês podem perguntar: Qual é o perigo disso, Deputada Nikole? E eu respondo: Sabem qual é? Eles estão querendo impor uma realidade que não é a realidade. Eu, por exemplo, posso ir para a cadeia, Deputado, caso eu seja condenado por transfobia. E por quê? Por xingar, por pedir para matar? Não, mas porque, há 2 anos, no Dia Internacional da Mulher, eu parabenizei as mulheres XX. Na verdade, é uma imposição: ou você concorda com o que eles estão dizendo ou, caso contrário, você é um transfóbico, homofóbico e preconceituoso… Eu estou aqui para defender a sua liberdade. A liberdade das mulheres, por exemplo, que estão perdendo o seu espaço nos esportes, estão perdendo os seus espaços até mesmo em concurso de beleza, senhores. E pensem só nisso: uma pessoa que simplesmente se sente algo e impõe isso para você.”

Não é a primeira vez que Nikolas utiliza argumentos relacionados ao lugar de fala para tentar justificar comentários criminosos e preconceituosos. Em fevereiro de 2023 o deputado compartilhou em suas redes sociais fotos da influenciadora Thais Carla com o corpo pintado, semelhante ao da ‘Globeleza’. Na ocasião, o deputado afirmou que “tiraram a beleza e ficou só o Globo”, para se defender Nikolas compartilhou uma foto do seu rosto montado em um corpo gordo e escreveu “pronto, agora tenho lugar de fala”. A influenciadora disse que acionaria a justiça por uso indevido de imagem.

No mesmo dia, depois da fala de Nikolas, foi a vez da deputada Duda Salabert (PDT-MG), discursar e se posicionar sobre o discurso do deputado bolsonarista. Duda já foi alvo de transfobia pelo deputado em 2020, quando Nikolas se recusou a se referir a ela como uma mulher. "Ele é homem. É isso o que está na certidão dele, independentemente do que ele acha que é” afirmou o deputado em uma entrevista ao jornal Estado de Minas.

“Hoje, no Dia Internacional das Mulheres, é importante lembrar que o Brasil, há 14 anos consecutivos, é o país que mais mata travestis e transexuais do planeta, e que 80% desses assassinatos ocorreram e ocorrem com violência exagerada, hiperbolizada. Dificilmente uma travesti é morta com um tiro só no Brasil; dificilmente uma travesti é morta com uma facada só no Brasil. É crime de ódio. E essa estrutura de ódio nos exclui do mercado formal de trabalho, já que 90% das travestis estão na prostituição; essa estrutura de ódio nos exclui das salas de aula, porque 91% das travestis e transexuais não concluíram o ensino médio; essa estrutura de ódio quer nos excluir do espaço político. Mas eu digo a esses fascistas que querem nos ridicularizar que nós somos do tamanho dos nossos desejos, nós somos do tamanho dos nossos sonhos. Se vocês desejam e sonham mais engajamento e lacre na rede social, nós desejamos e sonhamos com uma sociedade construída, que respeite a diversidade e promova a justiça social.” afirmou a deputada em um momento da sua fala. 

Após a fala do deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) a deputada Erika Hilton (PSOL-SP) iniciou um abaixo assinado nas redes sociais, que já soma mais de 300 mil assinaturas, pedindo a cassação do mandato parlamentar do deputado. “Nikolas Ferreira cometeu o crime de homotransfobia. Já apresentamos uma notícia-crime contra o deputado no STF. Agora estamos juntos com diversos partidos e lideranças políticas para denunciá-lo no Conselho de Ética da Câmara. E, enquanto nós nos articulamos no Congresso, precisamos da luta de todas vocês para provar que TODAS as mulheres romperão com a violência que tanto nos persegue!”, diz o texto presente no abaixo assinado online.
 

O professor e advogado criminalista Rodrigo Faucz esclarece a possibilidade de acontecer a cassação do deputado e como a imunidade parlamentar não impede que os políticos sejam investigados e punidos. “A imunidade parlamentar não protege o cometimento de ações criminosas, como se trata de um crime de transfobia, em tese, não está abarcada pela imunidade parlamentar. A imunidade parlamentar não pode ser utilizada como meio de impunidade ou para a permissão absoluta do cometimento de crimes.” explica o professor. 

“A questão da cassação vai entrar de acordo com o regulamento e com o código de ética da câmara dos deputados. Na prática, é um processo extremamente político, que vai depender das forças políticas que o deputado possui para fazer frente ao processo de cassação ou mesmo a troca dessa cassação por uma sanção menor, como, uma suspensão ou uma advertência. Em tese é possível que ele seja cassado, mas vai depender da conjuntura política”. 

A transfobia e a homofobia são consideradas crimes no Brasil desde 2019, quando o Supremo Tribunal Federal concluiu a reinterpretação da Lei de Racismo (7.716/1989). A conclusão foi que ofensas e discriminações às pessoas da comunidade lgbtqiapn+ podem ser punidas através do artigo 20 desta lei, sendo um crime imprescritível e inafiançável. “Ele pode ser punido pela lei de racismo, artigo 20, que prevê uma pena de um a três anos para aqueles que assumirem uma conduta discriminatória ou incitar a descriminação contra transexuais, a partir da interpretação dada pelo STF. No entanto, por se tratar de uma situação ocorrida em um ambiente onde se dá ampla publicidade, a punição pode se dar de dois a cinco anos. Além disso, tem também o artigo 20, letra A, por ter cometido o crime de forma jocosa, então pode se enquadrar como crime de racismo ou transfobia recreativa.” afirma Faucz. 

Após discursar na Câmara, o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) aumentou a quantidade de seguidores em suas redes sociais, principalmente em sua conta no Instagram. Especialistas afirmam que as publicações feitas pelo deputado estão sendo impulsionados com a utilização de robôs, algo que já ocorreu em 2022, quando o perfil de Nikolas foi desativado pelo Instagram, em novembro. Além disso, as deputadas Erika Hilton (PSOL-SP) e Duda Salabert (PDT-MG) receberam comentários transfóbicos em publicações que fizeram em suas redes sociais. 
 

“A transfobia é crime em qualquer situação, inclusive, quando cometido pela internet a pena é maior, de dois a cinco anos, então essas pessoas que atacaram as deputadas, em tese, elas teriam que responder a um processo e serem responsabilizadas por esses ataques. A internet não pode ser considerada uma esfera em que não se tem proteção jurídica. A liberdade de expressão encontra seu limite, principalmente quando você acaba violando os direitos das outras pessoas, e você não pode fazer isso por estar na internet. Então é preciso que as autoridades competentes investiguem para identificar e tentar a responsabilização a partir de um processo criminal.” destacou o professor. 

“Certamente quando há uma ausência de movimentação da estrutura de repressão de crimes, sem que haja uma denúncia do ministério público efetiva e uma resposta do judiciário, nós sabemos que isso gera uma impunidade, que pode, em tese, ter uma influência no cometimento de futuros crimes. Isso não é algo que seja absolutamente comprovado, mas certamente quando a pessoa entende que aqueles atos vão ter uma consequência jurídica ela deixaria de agir, por conta disso.” concluiu Rodrigo Faucz em sua fala sobre a importância de se aplicar a lei quando existe o cometimento de crimes.


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