No dia 17 de julho, foi apresentada pela equipe do Ministério da Educação, liderada pelo secretário Arnaldo Barbosa de Lima Júnior, a proposta de reestruturação de gestão das universidades e institutos federais, denominada Future-se. O MEC pretende através do projeto facilitar e pluralizar mecanismos de investimento privado, a fim de financiar o custeio das instituições de ensino público, além de aventar a possibilidade de gestão conjunta entre as reitorias e organizações sociais.
Presente no evento de apresentação, o ministro Abraham Weintraub ressaltou que as crises são ambientes propícios para repensar o modo de se fazer as coisas e salientou que sua equipe, com a proposta, priorizará o que chamou “cultura do esforço”, a despeito de um assistencialismo. Ao término do discurso de Weintraub, o presidente da UNE (União Nacional dos Estudantes), Iago Montalvão, protestou em crítica aos cortes implementados no primeiro semestre, que inviabilizaram o funcionamento de universidades e de pesquisas desenvolvidas no ensino superior, assim como à negligência do MEC em relação ao PNE (Plano Nacional de Educação) que não estaria sendo cumprido.
Arnaldo afirmou que a gestão orçamentária das instituições é deficitária, pois os investimentos no setor teriam aumentado cerca de R$100bi na última década. Segundo ele, o projeto prevê a desobrigação do Estado quanto ao financiamento prioritário nos orçamentos universitários. Sobre o Future-se, foram explanados seus três eixos:
Em entrevista ao programa Os Pingos nos Is, da Rádio Jovem Pan, no mesmo dia 17, Weintraub afirmou que as leis que regem a relação público-privada nas questões do ensino superior é contraproducente. Segundo ele, o custo de uma graduação em instituição privada seria de cerca de três vezes mais barato que em uma pública e, em compensação, apesar de o Brasil ocupar a 14ª posição no ranking mundial de produção acadêmica, estaríamos na 78ª posição em qualidade de produção. O ministro, nesta ocasião, não citou a fonte dos dados.
Nos últimos dias, inúmeros reitores vieram a público manifestar surpresa e indignação, uma vez que não houve participação da comunidade na elaboração do projeto. Agda Aquino, professora de Comunicação e doutoranda em Educação pela UFPB, acredita que nas últimas décadas foi clara a expansão de oportunidades neste setor, “cursos aumentaram, concursos também, mas principalmente o acesso da população ao âmbito da universidade pública”, afirma. Segundo ela, o projeto é mais um passo para o desmonte da autonomia das universidades federais e sua entrega à iniciativa privada.
Conforme estudo dos professores Romualdo de Oliveira (USP) e Luciane Barbosa (Unicamp), para o Neoliberalismo, o provimento, as definições metodológicas e o financiamento não devem ser exclusivos por parte do Estado à educação, numa espécie de preservação de liberdades e interesses dos indivíduos acima dos governamentais. Este setor da sociedade deve ser encarado de forma pragmática, como mantenedor de preceitos sociais hegemônicos, e instrumental para a formação de profissionais a serem injetados no mercado de trabalho, de preferência, sua oferta sendo exclusiva da iniciativa privada. Segundo os estudiosos, Milton Friedman e Ludwig von Mises, principais pensadores neoliberais, afirmam que o Estado deveria apenas limitar-se a garantir a base da organização social, através de programas de proteção e assistência básica para os cidadãos menos favorecidos, o Welfare State (ideia de estrutura estatal garantidora de bem-estar mínimo).
Djane Assunção, educomunicador egresso da UFCG e mestrando em Educação pela UFPB, percebe que, em geral, a equipe de governo mantém relação de menosprezo à educação, algo que ficou escancarado com as medidas de contingenciamento financeiro no semestre passado. Para ele, “o governo sucateia a instituição alegando que os recursos estão sendo mal-usados, além disso promove uma série constante de ataques de cunho ideológico, tudo isso para inviabilizar o funcionamento e desqualificar o trabalho realizado no ensino superior”. A apresentação do projeto Future-se aconteceu após séries e manifestações contra os bloqueios orçamentários implementados pelo MEC às universidades, institutos e escolas públicas.
Manifestação de estudantes na esplanada dos ministérios contra a reforma da previdência e cortes na educação. Foto Lula Marques.
O economista Paulo de Tarso Pinheiro Machado, em entrevista ao programa Cruzando as Conversas, da RDC TV, ressalta que a parceria entre governo, universidades e empresas é uma porta para o desenvolvimento social e o progresso da educação, porém o Brasil possui uma série de fatores políticos e culturais que precisariam ser vencidos antes da implementação de um projeto como este.
Agda ainda observa que o curto prazo para consulta pública também sugere uma tentativa de supressão de quaisquer interpelações ao projeto, como a constatação do colapso gerencial dos modelos de organizações sociais e de prospecção de capital privado. A professora teme pelo futuro da educação superior sob a atual gestão pública federal, “é uma tragédia e temo que minha geração não viva o suficiente para ver essa destruição ser desfeita”.
A consulta pública disponibilizada pelo MEC em seu site estará disponível até 15 de agosto, sendo necessário informar nome, e-mail e CPF, além de criar uma senha de acesso, para enviar contribuições. Após este prazo, o Ministério pretende levar a proposta ao Congresso para aprovação.