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26/07/2019 às 04h30min - Atualizada em 26/07/2019 às 04h30min

Future-se ou paralisa-se?

Projeto do MEC visa desburocratização de recursos privados, mas é recebido com ressalvas pela classe acadêmica

Renato Fragoso - Editado por Júlia Mano
O ministro da Educação, Abraham Weintraub, durante apresentação do programa

No dia 17 de julho, foi apresentada pela equipe do Ministério da Educação, liderada pelo secretário Arnaldo Barbosa de Lima Júnior, a proposta de reestruturação de gestão das universidades e institutos federais, denominada Future-se. O MEC pretende através do projeto facilitar e pluralizar mecanismos de investimento privado, a fim de financiar o custeio das instituições de ensino público, além de aventar a possibilidade de gestão conjunta entre as reitorias e organizações sociais.

Presente no evento de apresentação, o ministro Abraham Weintraub ressaltou que as crises são ambientes propícios para repensar o modo de se fazer as coisas e salientou que sua equipe, com a proposta, priorizará o que chamou “cultura do esforço”, a despeito de um assistencialismo. Ao término do discurso de Weintraub, o presidente da UNE (União Nacional dos Estudantes), Iago Montalvão, protestou em crítica aos cortes implementados no primeiro semestre, que inviabilizaram o funcionamento de universidades e de pesquisas desenvolvidas no ensino superior, assim como à negligência do MEC em relação ao PNE (Plano Nacional de Educação) que não estaria sendo cumprido.

Arnaldo afirmou que a gestão orçamentária das instituições é deficitária, pois os investimentos no setor teriam aumentado cerca de R$100bi na última década. Segundo ele, o projeto prevê a desobrigação do Estado quanto ao financiamento prioritário nos orçamentos universitários. Sobre o Future-se, foram explanados seus três eixos:

  1. Gestão, governança e empreendedorismo – baseado em frentes de desenvolvimento de investimentos imobiliários (gestão compartilhada e parcerias público privadas); patrimoniais (financiamento privado empresarial e de alunos egressos); de naming rights (negociando espaço de marketing de imagem e nome); para promoção de ações culturais (por meio do subsídio fiscal da Lei Rouanet); e da promoção de premiações por meritocracia docente e discente.
  2. Pesquisa e Inovação – que consiste na elaboração e no empreendimento de bens, serviços e tecnologias negociáveis como produto da atividade acadêmica, também ainda numa lógica de premiação com base no mérito dos projetos e dos indivíduos.
  3. Internacionalização – que visa o estímulo ao intercâmbio de professores e estudantes; a revalidação de títulos acadêmicos estrangeiros segundo critérios do MEC; negociação para a abertura de oportunidades de bolsas acadêmicas ou esportivas e de publicações internacionais para alunos de desempenho satisfatório; além do desenvolvimento de plataformas de conhecimento online.

Em entrevista ao programa Os Pingos nos Is, da Rádio Jovem Pan, no mesmo dia 17, Weintraub afirmou que as leis que regem a relação público-privada nas questões do ensino superior é contraproducente. Segundo ele, o custo de uma graduação em instituição privada seria de cerca de três vezes mais barato que em uma pública e, em compensação, apesar de o Brasil ocupar a 14ª posição no ranking mundial de produção acadêmica, estaríamos na 78ª posição em qualidade de produção. O ministro, nesta ocasião, não citou a fonte dos dados.

Nos últimos dias, inúmeros reitores vieram a público manifestar surpresa e indignação, uma vez que não houve participação da comunidade na elaboração do projeto. Agda Aquino, professora de Comunicação e doutoranda em Educação pela UFPB, acredita que nas últimas décadas foi clara a expansão de oportunidades neste setor, “cursos aumentaram, concursos também, mas principalmente o acesso da população ao âmbito da universidade pública”, afirma. Segundo ela, o projeto é mais um passo para o desmonte da autonomia das universidades federais e sua entrega à iniciativa privada.

Conforme estudo dos professores Romualdo de Oliveira (USP) e Luciane Barbosa (Unicamp), para o Neoliberalismo, o provimento, as definições metodológicas e o financiamento não devem ser exclusivos por parte do Estado à educação, numa espécie de preservação de liberdades e interesses dos indivíduos acima dos governamentais. Este setor da sociedade deve ser encarado de forma pragmática, como mantenedor de preceitos sociais hegemônicos, e instrumental para a formação de profissionais a serem injetados no mercado de trabalho, de preferência, sua oferta sendo exclusiva da iniciativa privada. Segundo os estudiosos, Milton Friedman e Ludwig von Mises, principais pensadores neoliberais, afirmam que o Estado deveria 
apenas limitar-se a garantir a base da organização social, através de programas de proteção e assistência básica para os cidadãos menos favorecidos, o Welfare State (ideia de estrutura estatal garantidora de bem-estar mínimo).

Djane Assunção, educomunicador egresso da UFCG e mestrando em Educação pela UFPB, percebe que, em geral, a equipe de governo mantém relação de menosprezo à educação, algo que ficou escancarado com as medidas de contingenciamento financeiro no semestre passado. Para ele, “o governo sucateia a instituição alegando que os recursos estão sendo mal-usados, além disso promove uma série constante de ataques de cunho ideológico, tudo isso para inviabilizar o funcionamento e desqualificar o trabalho realizado no ensino superior”. A apresentação do projeto Future-se aconteceu após séries e manifestações contra os bloqueios orçamentários implementados pelo MEC às universidades, institutos e escolas públicas. 

Manifestação de estudantes na esplanada dos ministérios contra a reforma da previdência e cortes na educação. Foto Lula Marques.

Manifestação de estudantes na esplanada dos ministérios contra a reforma da previdência e cortes na educação. Foto Lula Marques.

Manifestação de estudantes na esplanada dos ministérios contra a reforma da previdência e cortes na educação. Foto Lula Marques.

O economista Paulo de Tarso Pinheiro Machado, em entrevista ao programa Cruzando as Conversas, da RDC TV, ressalta que a parceria entre governo, universidades e empresas é uma porta para o desenvolvimento social e o progresso da educação, porém o Brasil possui uma série de fatores políticos e culturais que precisariam ser vencidos antes da implementação de um projeto como este.

Agda ainda observa que o curto prazo para consulta pública também sugere uma tentativa de supressão de quaisquer interpelações ao projeto, como a constatação do colapso gerencial dos modelos de organizações sociais e de prospecção de capital privado. A professora teme pelo futuro da educação superior sob a atual gestão pública federal, “é uma tragédia e temo que minha geração não viva o suficiente para ver essa destruição ser desfeita”.

A consulta pública disponibilizada pelo MEC em seu site estará disponível até 15 de agosto, sendo necessário informar nome, e-mail e CPF, além de criar uma senha de acesso, para enviar contribuições. Após este prazo, o Ministério pretende levar a proposta ao Congresso para aprovação.


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