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19/09/2023 às 11h08min - Atualizada em 19/09/2023 às 10h05min

O estereótipo da empregada doméstica na televisão

no ar a cerca de setenta anos, as telenovelas não deixaram de estereotipar empregadas domésticas

Dominik Pereira - labdicasjornalismo.com
Reprodução/Passarela Cultural
 Segundo a OIT, Organização Internacional do Trabalho, o Brasil é o país com o maior número de trabalhadoras domésticas do mundo. São cerca de 5,8 milhões de domésticas. O número expressivo de trabalhadoras não condiz com o número de carteiras assinadas, apenas 25% trabalham registradas. E sendo uma classe tão presente na sociedade, não podia deixar de ser nas telinhas. 


As telenovelas surgiram na década de cinquenta e ganharam o público, então os personagens também foram conquistando seu espaço no coração dos telespectadores.  


Quem é noveleiro já deve ter percebido como a figura da empregada doméstica está sempre presente nas tramas. Isso seria bom se sua representação não fosse cercada de estereótipos raciais, sociais e de gênero. É comum ver nas produções mulheres negras e pobres nesse papel e isso acaba reforçando a desigualdade que essas trabalhadoras enfrentam todos os dias. 
 


A primeira empregada doméstica a cair nas graças do público foi Mamãe Dolores, personagem de Isaura Bruno na novela O Direito de Nascer” (1965), foi um grande sucesso. A atriz mal podia ir as ruas devido ao grande número de fãs. Porém, o sucesso gritante não apagou o preconceito e os estigmas que a personagem carregava.  


No documentário “A Negação do Brasil, dirigido por Joel Zito Araújo, é destacado dois estereótipos que a personagem de Isaura Bruno carrega, a mãe preta e a mammy. A mãe preta é uma empregada doméstica que cuida e ama os patrões brancos, tem personalidade forte, boa cozinheira, cuida das crianças e não possui vida própria. Toda sua existência se baseia na vida dos patrões.  


A mãe preta é baseada no arquétipo de mammy, presente na cultura estadunidense, que possui as mesmas características.
Apesar do sucesso da trama, a intérprete de Mamãe Dolores não teve um final feliz. Depois do fim da novela os convites foram ficando escassos, Isaura Bruno só fez três novelas depois de “O Direito de Viver, e acabou seus dias passando por dificuldades, tendo que vender doces na praça da Sé, em São Paulo.  


Outra personagem também ficou muito querida pelo público brasileiro, Maria Clara, personagem de Jacyra Silva na novela Antônio Maria (1968-1969). O sucesso foi tanto que o autor concedeu um final feliz para a personagem. 


Apesar do sucesso inegável de duas personagens domésticas e pretas, passou um bom tempo até que outra viesse e se destacasse. 


Malhação
 


Malhação é uma telenovela adolescente exibida entre 1995 até 2020, mas somente em 2016 teve sua primeira protagonista negra. Uma mulher preta e faxineira.  


Aline Dias deu vida a personagem, Joana, uma jovem criada por mãe solo, pobre e sem estudo. Todo esse estigma que a personagem carregava acabou incomodando quem assistia, ou seja, o público para quem era destinada a novela, jovens entre 15 e 17 anos.  


Foram várias reclamações sobre como Joana sofria durante a trama. Na página oficial da novela em uma rede social, alguns telespectadores manifestavam seu desagrado. "Mano, já cheia dessa malhação. Essa joana só sofre”, disse uma internauta.


O sofrimento exagerado da protagonista tornou a história difícil de acompanhar, reforçando a ideia de que pessoas negras precisam sofrer para alcançar a felicidade. Outra internauta disse “Acho incrível que a primeira protagonista negra da malhação seja tão humilhada, e destratada assim, já não basta nos lembrar constantemente, da escravidão, de todo preconceito com nossa cor de pele e cabelo, não podia ao menos uma vez, fazer uma coisa nova na mídia? Mais não tem que colocar uma branca de olhos claros, destratando uma negra, sempre a mesma coisa a mesma história.” 

"Ela é como se fosse da família"


Quem nunca ouviu essa frase? Ela é usada muitas vezes para justificar situações constrangedoras envolvendo a trabalhadora.


Em uma entrevista para o site Carta Capital, a professora e pesquisadora Juliana Teixeira diz que "[...] essa suposta afetividade, essa suposta ideia de que 'ah, é como se fosse da família', que foi reverberando na trajetória do trabalhador doméstico, mesmo depois do fim da escravização, mesmo depois de já termos o trabalho reconhecido enquanto tal, um trabalho remunerado legalmente, essa ideia, essa permanência da ideia de que essas trabalhadoras eram como se fossem da família, ajudou a mascarar aquela atividade e ajudou a favorecer a informalidade do trabalhador doméstico. Porque se ela era da família, não precisava de uma carteira assinada, não precisava que seus direitos fossem reconhecidos."
E assim essa realidade entrou também nas telas.
A empregada doméstica é uma personagem arraigada na cultura brasileira, portanto quando surge uma doméstica mulher negra, pobre e muitas vezes mãe solo, não é visto com estranhamento, mas com aceitação.
Primeiros Passos
A primeira novela de sucesso envolvendo domésticas como protagonistas foi "Cheias de Charme" (2012). Com o roteiro inspirado no cotidiano dessas trabalhadoras a novela agradou muito o público, não podia ser diferente, sendo que a maior profissão informal é a de trabalhadoras domésticas.
Várias situações retratadas eram comuns a essas trabalhadoras e, assim sendo, se identificaram com as personagens.
Apesar de ter feito sucesso, esse tema não voltou a ser explorado em outras produções, mas permanece na memória do público que até hoje tem grande apreço pela novela e aguarda uma possível volta das personagens principais.
A quebra desse estereótipo é algo ainda longe de acabar. Segundo
a pesquisadora, "Porque existe uma cara de empregada doméstica a partir dessa colonialidade, saber sobre quem é a trabalhadora doméstica no Brasil."

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