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07/12/2023 às 01h37min - Atualizada em 05/12/2023 às 18h44min

Profissão-resiliência

Ofícios tradicionais resistem ao tempo e às tecnologias

Valeska Miranda - Editado por Fernando Azevêdo

É sabido que existem profissões que se extinguiram conforme o tempo passou e as tecnologias causaram uma transformação naquela forma de trabalhar. Já outros ofícios resistem até hoje, como é o caso das costureiras, dos engraxates, dos sapateiros especialistas em consertar todos os tipos de calçados, dos entregadores de leite que até hoje entregam leite quente em muitos lares espalhados nas cidades do interior do Brasil e dos chaveiros, principalmente aqueles que fazem um serviço que abrange afiar faca, tesoura e alicate. Também é o caso dos alfaiates, dos vendedores de porta em porta, como os caixeiros viajantes, que saem pelas cidades do interior, entregando seus produtos nos lugares mais remotos.

 

Muitos são os profissionais que até hoje encantam clientes com suas habilidades, adquiridas há muitos anos, como é o caso dos meus entrevistados, o engraxate José Edivaldo Cardoso dos Santos, que trabalha há cerca de 31 anos, e o sapateiro Luciano Cândido da Silva, que há 16 anos lustra calçados em Arapiraca (AL).

 

José Edivaldo conta que o início de sua profissão foi influenciado por um colega que ele conheceu e que morava próximo de sua residência. "Eu o vi engraxando e comecei a sair com ele e a caixinha. Eu o segui e ele me ensinou a engraxar sapatos, e ficávamos andando pelas ruas. Fomos ficando nas praças, e foi assim que tudo começou", relata.

 

Ele diz que fixou-se nesta profissão há 20 anos, porém, seu começo neste ofício tem cerca de 31 anos. Quando solteiro, ele também trabalhava em outros serviços, como servente de pedreiro, e na roça. Quando ficava parado, ia para as ruas, engraxar.

 

"Está com 20 anos que eu trabalho aqui na praça [Marques] sem trabalhar em nenhum outro serviço”, diz. O desafio que ele enfrenta na profissão é fazer outros tipos de trabalhos nos calçados dos clientes além do engraxamento. 

 

"Nos sapatos, eu ainda estou aprendendo a costurar, colocar uma sola nova na sandália e colocar uma salteira ou outro solado no sapato feminino. Eu agora que estou aprendendo, pegando esses desafios para aprender novas coisas, porque com o tempo a gente vai aprendendo e, aos pouquinhos, cada dia mais, vai se aperfeiçoando, melhorando em cada serviço que pego", afirma.

 

José Edivaldo diz que tem outras profissões, mas sente-se realizado sendo engraxate: "Porque foi aqui, no ano de 2001, que eu consegui as minhas coisas. Comprei minha casa, meu carro e minha motinha. Não é um carro novo, mas foi com este serviço aqui, que Deus me abençoou”.

 

Nenhuma máquina vai fazer o que a gente faz”

 

Conversamos também com o sapateiro Luciano Cândido, que começou a trabalhar no setor há 16 anos, depois de passar três anos como ajudante. Ele conta que não tinha uma profissão, mas encontrou uma porta aberta e a oportunidade para aprender, e daí em diante, deu continuidade ao ofício que ainda exerce e com o qual se identifica.

 

Passei seis meses desempregado, e de repente o meu cunhado chegou falando pra eu ajudá-lo na sapataria. E aí, eu fui trabalhar com ele, acabei gostando, depois eu saí dele e vim para cá, trabalhar com meu filho [...] Aqui neste ponto, nós temos 19 anos. Quando eu comecei, eu era ajudante, hoje, graças a Deus e através do fruto do nosso trabalho, isso aqui é nosso [refere-se à loja na rua Manoel Leão”, compartilha.

 

A realização dele consiste em fazer o que faz como um sapateiro profissional, conforme afirma: “Posso lhe dizer que hoje é difícil achar um sapateiro, ninguém quer mais trabalhar como sapateiro. E quem tem essa profissão, não quer largar, que é o meu caso”.

 

"Tudo o que tenho veio através da sapataria, e é um emprego como qualquer outro, não é nem pelo fato do dinheiro, é pelo bem-estar que sinto em pegar um sapato que praticamente está todo estragado, danificado e eu acabo deixando-o novo. Isso é gratificante, quando o cliente me deixa um objeto achando que não tem mais solução, e quando vem buscar ele vê que o sapato está novo e se surpreende.”

Luciano Cândido

 

Além disso, Luciano reflete que algumas profissões não têm o reconhecimento e a valorização necessárias: "Um balconista não é valorizado, um gari que varre a rua e que tira o lixo da porta de casa não é valorizado. Então, há muitas profissões que deveriam valorizar. Pois, não é falta de oportunidade, porque sem nós e sem vocês a gente não chega a lugar nenhum, ninguém chega a lugar algum sozinho, a gente depende um do outro para sobreviver e para viver".

 

Perguntado sobre seus desafios, Luciano Cândido disse que o grande desafio é a pessoa querer aprender, colocar na cabeça que quer aprender, que quer ter uma profissão. "Isso é em tudo na vida, não só aqui na sapataria [...] Tem obstáculos? Tem. Mas depende muito da pessoa, do que ela quer para a vida dela. Se ela se identificar com o que faz, ela vai seguir em frente. Hoje, se eu morrer e nascer de novo, eu quero ser sapateiro [...] Só tenho a agradecer. Tudo que tenho hoje veio atráves disso aqui”.

 

Nesse sentido, refere-se, orgulhoso, às suas ferramentas – uma sovela, um martelo e um pé de ferro foram seus primeiros instrumentos de trabalho. Agora, possui cinco máquinas para folgar calçados, duas máquinas para costurar, além de uma torqueadeira e uma lixadeira.

 

Não temo a modernidade, porque nenhuma máquina nem robô vai fazer o que a gente faz, porque é um trabalho artesanal. Muita coisa eu faço na mão, tem coisa que a gente não usa máquina. E qualquer lugar do Brasil que eu for, eu trabalho e sobrevivo, é uma profissão que, onde você montar, você vive, não vejo obstáculo e isso tudo para mim é uma terapia”, conclui.

Errata: Corrigimos o nome da rua onde está a sapataria.


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