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04/05/2024 às 17h10min - Atualizada em 04/05/2024 às 15h58min

Dentro de nós, há um menino muito maluquinho: o legado de Ziraldo Alves Pinto

Paulo Marques Pinto - Edição por Mayane Humeniuk
Reprodução/YouTube.

Na tarde de sábado, 6 de abril, o Brasil perdeu uma de suas figuras mais queridas e influentes: Ziraldo Alves Pinto. Conhecido por obras atemporais como "O Menino Maluquinho" e "A Turma do Pererê", Ziraldo deixou um legado além dos livros, dos filmes e das séries de TV.

Ao longo do mês, eu conversei pelo WhatsApp com pessoas que compartilharam suas experiências e reflexões sobre o impacto de Ziraldo na cultura brasileira.

 

Primeiro Contato: Encantamento pela Imaginação

 

No dia 17/04, conheci o ilustrador Cauê Porcé, de Ubatuba (SP), autor do livro "Ziraldo e os meus direitos". Ao ser questionado sobre seu primeiro contato como leitor com Ziraldo, Cauê relembra sua adolescência, onde obras como "O Menino Maluquinho" e "A Turma do Pererê" marcaram sua jornada literária.

 

"Foi com essas obras que tive o primeiro contato com ele. Gostava de seus personagens."

 

Esse encontro inicial revelou não apenas o talento narrativo de Ziraldo, mas também sua habilidade em cativar leitores de todas as idades.

Cauê assegura que os traços e textos de Ziraldo são adequados para as crianças e, para mim, representam claramente o quão diversa é a imaginação da criança.

Eu destaco um aspecto pouco conhecido sobre Ziraldo: "A Turma do Pererê" foi a primeira revista brasileira em quadrinhos totalmente colorida, e Cauê reconhece esse feito como uma "lacuna que se abre na história do cartum brasileiro", mostrando como Ziraldo não apenas contou histórias, mas também inovou e influenciou o cenário dos quadrinhos no Brasil.

 

O Menino Maluquinho: Um Símbolo da Infância Brasileira

 

No dia 20, conversei com a jovem Marina, 27 anos, que mora em Brasília (DF). Ao abordar o icônico personagem "O Menino Maluquinho", ela compartilha como o filme e as histórias contribuíram para sua infância, destacando a capacidade de Ziraldo em lidar com temas complexos de forma acessível para crianças, como a morte, por exemplo.

 

"A gente aprende coisas com desenho, filme, série, e como criança nem se dá conta."

 

Marina nunca presenciou a perda de nenhum familiar, até assistir à série "Um Menino muito Maluquinho", produzida em 2006 pela TV Brasil, outrora TVE Rio de Janeiro.

O mencionado episódio n° 24 da série é dividido em duas fases, ligadas entre si, com a seguinte pergunta: Mas... Para onde foi o peixe?

Aos 5 anos, Maluquinho perde seu peixe de estimação. Aos 8 anos, testemunha a morte de Mika, avô de seu rival/amigo Herman. Ana, a mãe dele, vai ao quarto e vê o peixe boiando no aquário, chama o pai, Pedro, e pergunta: “Agora, a gente compra outro peixe?”.

No fim, os pais do Maluquinho compram outro peixe, mas o menino percebe que aquele não é o peixe que viu ao chegar à escola. Então, eles acabam por explicar o que aconteceu.


Abertura da série  "Um Menino muito Maluquinho", produzida e transmitida pela TV Brasil:
https://youtu.be/msGIbfTBd-8
 

Outro episódio, o último do seriado, tem como título Eu, eu, eu e o mar. Isso porque as três gerações de Maluquinhos se encontram de repente numa praia.

Se você acha isso confuso, eu explico:

  • O Maluquinho de 5 anos vem acompanhado do papai e da mamãe.
  • O Maluquinho de 10 anos traz com ele o vovô, a mamãe e os amigos Julieta, Bocão e Junim.
  • O Maluquinho de 30 anos vem sozinho, mas com a intenção de vender a casa de praia onde se hospedou com a família. Ele ainda nos surpreende ao contar a novidade para a mamãe por telefone: "Eu vou ser pai!".
 

A pergunta que permeia a nossa conversa é esta: "Como o Ziraldo conseguia abordar assuntos tão complicados ao escrever para crianças?"

Marina destaca a naturalidade e o humor presentes nas histórias de Ziraldo, como no episódio do peixe de estimação do Menino Maluquinho:

 

"De certa forma, eu me senti confortável com a questão pela forma como ele tratava o assunto."

 

Essa capacidade de tratar temas sérios de forma lúdica e compreensível foi uma das marcas registradas do talento de Ziraldo.

 
Trailer do primeiro filme do Maluquinho, de 1995:
https://youtu.be/3U-f4eHqcvw

Trailer do filme "Menino Maluquinho 2 - A Aventura (1998):
https://youtu.be/4xPPgrQ8flE?feature=shared
 

Antes de fazer algazarras na telinha, o garoto com "olho maior que a barriga, fogo no rabo e vento nos pés" assumiu o protagonismo de dois filmes lançados na década de 1990: o primeiro, de 1995, foi dirigido por Helvécio Ratton, e o segundo, lançado em 1998, teve o comando do então novato Fernando Meirelles.

Por não ter acesso a plataformas de streaming, Marina ainda não assistiu aos longas, mas teve uma boa impressão a partir de algumas cenas. Indagada sobre possíveis semelhanças entre os filmes e o seriado, ela pontua que a bagunça sempre foi a essência, como escreveu Ziraldo:

 

"Foi aí que ele percebeu que não era um menino maluquinho, e sim um menino feliz."

 

A frase se aplica perfeitamente ao outrora ator mirim Samuel Costa, hoje diretor artístico da agência Blues. Mesmo longe do foco das câmeras, ele sustenta, em forma de gratidão, essa personalidade marcante.

Em recente entrevista ao Fantástico, da TV Globo, Samuel apareceu mais uma vez com a panela na cabeça, demonstrando que a simplicidade e a alegria de viver são capazes de superar quaisquer circunstâncias.

Homenagem a Ziraldo no programa "Fantástico, o Show da Vida" (TV Globo):

https://youtu.be/LrJqnSmVJeI?feature=shared   

O legado de Ziraldo para a educação

 

Inspirado no Menino Maluquinho, o professor de Língua Portuguesa, Welyson Lima, destaca como Ziraldo contribui para o desenvolvimento da capacidade criativa dos alunos. Ele ressalta a relevância das histórias para o aprendizado dos estudantes através de elementos presentes nas narrativas do autor:

 

Falar da importância de Ziraldo para a literatura infanto juvenil, mais precisamente infantil, é demarcar o espaço por ele ocupado como figura importante ao desenvolvimento da leitura e do desenvolvimento educacional do país.

Eu, como amante dos livros e da literatura, utilizo Ziraldo desde o início da minha docência. Nas aulas de Português, com "O Menino Maluquinho", Ziraldo é escritor carimbado. É notável o contributo de suas histórias para o desenvolvimento da capacidade imaginativa, criativa e leitora dos meus alunos.

Hoje em dia, com base na BNCC (Base Nacional Comum Curricular), um dos pilares para se trabalhar a compreensão textual nas aulas é reconhecer o papel preponderante dos elementos metatextuais. Nesse sentido, ao compromisso de levar o aluno a reconhecer o gênero, o enunciador e os recursos usados, na tarefa da compreensão textual, faz com que utilizemos vários materiais gráficos e, nesse sentido, as histórias de Ziraldo, como o "Menino Maluquinho", passam a ser suporte necessário. Para além disto, a narrativa de Ziraldo é demasiadamente recheada de informações e estratégias cognitivas, que levam o aluno a emergir na consciência intelectiva dele.

Como jornalista, poeta e cronista, Ziraldo é minha inspiração ímpar, aliás, uma das grandes inspirações. Quando produzo crônicas, lembro a singeleza e a genialidade nas palavras de Ziraldo. Leio suas obras desde quando comecei realmente a conhecer o mistério das palavras.

 

O legado de Ziraldo vai além das páginas dos livros e das telas. Sua capacidade única de encantar e educar gerações permanece viva, inspirando não apenas leitores, mas também educadores, escritores e artistas.

O trabalho desenvolvido por Cauê Porcé, as experiências pessoais de Marina e a inspiração de Welyson fazem com que esse legado se prolongue por mais tempo, ressalta a importância da leitura na formação intelectual das pessoas e contribui para o aperfeiçoamento da cultura brasileira.

Afinal, "Ziraldo e o Maluquinho são uma só pessoa", um testemunho do impacto duradouro que esse grande artista deixou em nossas vidas e na cultura brasileira. Desde já, sentimos saudades!

 

ZIRALDO ALVES PINTO
(24/10/1932 - 06/04/2024)


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