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08/10/2019 às 12h52min - Atualizada em 08/10/2019 às 12h52min

O peso do pássaro morto de Aline Bei

Quatas perdas cabem na vida de uma mulher? O livro de Aline Bei tem como protagonista uma mulher que passou por perdas marcantes.

Nathália Dias - Edição: Lavínia Carvalho
Foto pessoal por Nathália Dias
Quando ainda criança, a escritora paulistana Aline Bei, recebeu de sua mãe a incumbência de segurar o canário de estimação que tinham, para que ela pudesse cortar as suas unhas. O pássaro por sua vez, ficou tão assustado, que acabou morrendo em suas mãos.

Os anos passaram e já adulta, Aline resgatou a memória afetiva para compor seu primeiro livro de romance, que logo de cara, leva o leitor à seguinte interrogação: "Quantas perdas cabem na vida de uma mulher?"
 
Nove capítulos, todos nomeados com a idade da personagem- 8, 17, 18, 28, 37, 48, 49, 50 e 52 anos. Em cada trecho lido, é perceptível a linguagem atrelada a maturidade poética. 
 
No primeiro capítulo que tem como título "Oito", podemos ver nitidamente a imagem de uma criança contando a história.
 

“Na escola
em casa
na cozinha
perguntei pra minha mãe:

– o que é morrer? 

ela estava fritando bife pro almoço.

– o bife

é morrer, porque morrer é não poder mais escolher o que farão com a sua carne.
quando estamos vivos, muitas vezes também não escolhemos, mas tentamos.

almoçamos a morte e foi calado.
enquanto minha mãe lavava louça fui até a casa do seu luís às escondidas, mas não exatamente

acho que minha mãe ouviu

a porta batendo e que era eu
saindo com os meus 8 anos atravessando a rua olhando
pros 2 lados que meu pai me ensinou cuidado
e batendo na casa do seu luís
pra perguntar. minha mãe deixou eu ir, deve ser
porque morreu uma menina de oito anos e isso
transformou ter a minha idade em ser adulta."


A partir do segundo capítulo, "Aos 17", a história prossegue mais temperada e a voz da personagem alcança naturalidade. É quando o contexto vivido passa a ser marcado pelas suas descobertas sexuais, que resulta em um estupro.

"aproveito e tiro uma foto

de dentro da minha cabeça. daqui um tempo

olharei para ela e

ficarei triste

por ser eu mesma

e não haver outra saída possível pra deixar de ser eu e

ainda assim seguir vivendo."


O romance de Aline Bei é caracterizado pela perda, não só de fé, esperança e inocência, mas também companhias queridas. A cada capítulo, a personagem através de sua força e superação, diz que na vida sempre existirá saídas até se completar um ciclo. Embora exista um fio de fé nos capítulos, não é uma leitura leve. A estratégia narrativa de Bei, é levar o leitor às seguintes perguntas: até quando essa mulher irá suportar o fardo pesado da vida? O texto é uma poesia ou uma prosa? 



Foto divulgação de Aline Bei


É correto afirmar que as frases curtas, não pontuadas e os espaços entre todas elas, formam um texto fluido, quase impossível de abandonar. Palavras escritas com tamanha delicadeza e beleza, que sem dúvida alguma pode-se afirmar que o surgimento de Bei é um reforço benéfico para a nossa literatura brasileira contemporânea.

 


 

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