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25/01/2020 às 11h48min - Atualizada em 25/01/2020 às 11h48min

RESENHA: Oscar 2020 e a dominação branca

A "branquitude" nas premiações e o impacto da falta de representatividade no cenário artístico.

Ana Julia Oliveira - Editado por Mário Cypriano
Foto: MXDWN Movies

Criado por Louis B. Mayer, em Los Angeles no ano de 1927, o Oscar tem o intuito de condecorar obras e artistas da comunidade mundial do Cinema, recebendo então o título de maior premiação da Academia de Artes e Ciência Cinematográfica. A cerimônia deste ano ocorrerá no dia 9 de fevereiro, às 22h. O documentário brasileiro "Democracia em Vertigem", da cineasta Petra Costa, foi um dos indicados da categoria de melhor documentário longa-metragem. 


O ano de 2019 foi marcado por produções de encher os olhos e dar borboletas no estômago, assim como as atuações que intitulamos "dignas de Oscar". No entanto, a cerimônia mais aguardada pelos internautas e seguidores fiéis da premiação parece não ter despertado tanto êxtase e ansiedade. O motivo seria a lista de indicações de 2020 com filmes não tão interessantes e interpretações não tão emocionantes. Para além do fator "desinteresse", a lista de indicados conta com o domínio quase totalitário de produções e interpretações caucasianas, ignorando obras como o filme "Nós" (Us em inglês).

A obra de ficção científica e terror psicológico, escrita e dirigida por Jordan Peele, narra a vida de uma família confrontada por um grupo de dopplegängers. A trama complexa contou com a dupla interpretação dos atores Winston Duke (Gabe Wilson), Lupita Nyong'o (Adelaide Wilson), Shahadi W. Joseph (Umbrae) e Evan Alex (Pluto). Estes dão vida a personagens tão complexos quanto o longa e com personalidades extremamente diferentes. 
O filme arrecadou na bilheteria 255,1 milhões de dólares.

O filme arrecadou na bilheteria 255,1 milhões de dólares.


Imagem: Divulgação
Em um momento de apropriação cultural, crise identitária e anseio por ocupar espaços, a falta de representatividade negra nas indicações ao Oscar é nada menos que inaceitável. No entanto, para aqueles que conhecem a fundo, ou pelo menos um pouco, como funciona o sistema de "avaliação" das premiações como um todo, a lista caucasiana não foi tão surpreendente. Além da direção brilhante de Jordan Peele e a atuação impecável, como sempre, de Lupita Nyong'o terem sido deixadas para trás, interpretações como a de Jennifer Lopez, no filme "As Golpistas", também foram ignoradas. 

Não é de hoje que não só o Oscar, mas premiações como o Grammy, dão palco para produções e artistas caucasianos, que, honesta e pessoalmente, fazem a mesma coisa todos os anos. Eu costumo acreditar que o critério, além de se basear na raça, seja também a beleza "caucasiana" que tanto encanta os jovens hoje em dia. É quase ridículo Adam Driver ter sido indicado por um papel insosso como esse no filme "História de um Casamento", escrito e dirigido por Noah Baumbach, no qual Driver contracena com a atriz Scarlett Johansson. 
O filme estreou inicialmente na Itália, no dia 29 de agosto de 2019

O filme estreou inicialmente na Itália, no dia 29 de agosto de 2019


Imagem: Divulgação
Justamente por não ser surpreendente que a comunidade artística negra enfrente tamanha falta de reconhecimento, artistas como Snoop Dogg e Jada Pinkett Smith se pronunciaram nas redes sociais. O rapper Snoop repostou um vídeo de quatro anos atrás, no qual cogita-se a criação de uma premiação exclusivamente voltada para os produtores, atores e profissionais negros, seja no ramo da música ou do cinema. A revolta dele não é diferente da minha, nem do resto da população negra, que continua assistindo o reconhecimento da arte negra ser retirado à força ou nem mesmo dado.

É extremamente triste pensar que artistas brilhantes sintam a necessidade de se afastar das premiações e da "branquitude" que as cerca. Não há outra explicação, senão o racismo da comunidade artística para explicar os motivos pelo qual a lista de indicações de 2020, assim como em outras cerimônias, tenha sido total ou quase toda caucasiana. 
Ao mesmo tempo em que nós, negros dentro ou fora dos holofotes, lutamos pela retomada do respeito e pela isonomia, ainda que pífia, precisamos também nos afastar estraegicamente da parcela caucasiana da sociedade. E eu digo que se trata de um afastamento estratégico, porque é desse modo que conseguimos nos ouvir, nos acolher, nos entender, nos valorizar e principalmente nos manter.  Isto se aplica tanto a relacionamentos afrocentrados ou, como neste caso, o mundo da fama.

Caso seja efetivada a criação de premiações, que contemplem única e exclusivamente obras e profissionais negros, seja na música ou nas telonas, o que eu chamo carinhosamente de "apartheid comportamental" dominará o cenário artístico mundial, e consequentemente, como um vírus, todas as searas que contemplam o funcionamento da sociedade, assim como em 1948, na África do Sul. 

Não precisa ser um expert em internet para saber que aquela considerável parcela de internautas irão nos acusar de "mimimi", ou ter a audácia de dizer que nós incentivamos a segregação, então para me poupar a paciência gostaria de deixar claro que o apartheid comportamental não acontece porque queremos, mas sim porque somos obrigados. Artistas precisam de reconhecimento e respeito para sobreviver, seja no anonimato das ruas ou nos palcos da arte. 

Chega a ser irônico e ridículo o quanto o Oscar grita representatividade e faz questão de incentivar e aplaudir de pé discursos como o de Viola Davis, mas nos ignoram completamente, caso mereçamos receber a tão almejada estatueta dourada. 

 

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