Um romance sobre cuidado, atenção e falta de empatia. Uma história escrita com lágrimas que mostra a vulnerabilidade e pequenez humana perante um mundo complexo e repleto de conflitos.
Flores para Algernon, de Daniel Keyes, é uma porta e um convite para a importância do reconhecimento da alteridade. É impossível sair o mesmo após adentrar neste mundo fantástico de descobertas sobre a importância de ser, acima de tudo, humano. Uma história dura, difícil, mas necessária.
Livro de estreia do escritor norte-americano falecido em 2014,
Flores para Algernon foi publicado como conto em 1959 e transformado em romance em 1966. Adaptado para o cinema três vezes, a obra de Keyes, atualmente publicada no Brasil pela Editora Aleph, com tradução de Luisa Geisler, é uma das mais vendidas na Amazon. Quer saber o motivo? Eu conto.
Charlie Gordon tem 32 anos e um Quociente de inteligência (Q.I.) de 70. Com esse curto perfil não é possível entender porque o herói de
Flores para Algernon se tornou tão querido e premiado. Mas o segredo está no interior do personagem, um homem com capacidade cerebral como a de uma criança, mas com uma vontade única de superar obstáculos e aprender cada vez mais.
“Que estranho é o fato de pessoas de sensibilidade e sentimentos honestos, que não tirariam vantagem de um homem que nasceu sem braços, pernas ou olhos, não verem problema em maltratar um homem com pouca inteligência”.
Charlie é dono de uma história de sofrimento profundo, mesmo que ele não tenha capacidade de perceber isso. Vítima de violência psicológica e física constantes, o personagem experimenta seus primeiros episódios de intolerância no seio familiar: seus pais não o permitiam ficar próximo a sua irmã mais nova temendo que ele pudesse fazer algo. Episódios lamentáveis não o desanimaram, ao contrário, tornaram-se um combustível para que ele quisesse ser cada vez melhor.
A história ganha um divisor de águas quando Charlie tem a oportunidade de ser submetido a um experimento que promete aumentar o Q.I. humano. A forma como Keyes constrói o enredo é arrebatadora. Charlie não consegue escrever quase nada corretamente e através de seus relatórios de progresso antes e depois do experimento, vemos não só a sua evolução enquanto indivíduo, mas também a nova perspectiva que ele desenvolve ao entender o mundo.
Charlie Gordon era olhado, mas não era visto. E essa foi a principal característica percebida pelos cientistas para escolherem o rapaz como cobaia: ele tinha vontade, diferente do primeiro caso testado, Algernon, capaz de fazer as mesmas coisas que Charlie, mas com um porém: era um rato. A trama começa a desenrolar-se e mostrar os obstáculos que a compreensão da realidade pode trazer.
À medida que Charlie sentia os efeitos colaterais da cirurgia, tornaram-se nítidas coisas que o jovem adulto não notava. A falta de empatia de seus colegas de trabalho, a falta de atenção e cuidados por sua família, principalmente sua mãe. As pequenas crueldades de todos que o consideravam diferente e inferior. Tudo ao redor de Charlie parecia não fazer mais sentido agora que tinha outra visão da realidade. Era uma vida nova que não pertencia a ele e com prazo de validade.
Pensamentos que antes não o afetavam agora se tornaram martirizantes. Ele não sabia o que fazer ou como lidar com essa nova experiência. Sua angústia tinha ainda outro agravante, pois após ter sido profundamente tocado com a capacidade de refletir, ele sabia que, infelizmente, isso não seria duradouro. Charlie seria condenado a ser ele mesmo novamente.
A obra de Keyes nos provoca um misto de sensações, mas nos mostra a importância de acolher, aceitar e respeitar as diferenças. Nossa maior vontade é intervir na história e mostrar a Charlie que há muito, muito a ver ainda e a humanidade também pode mostrar seu lado mais amoroso e compassivo, mas não é possível. Precisamos viver com a dor de Charlie e a absorvermos para nosso interior.
Como dito no início dessa resenha, impossível não sair transformado desta leitura. Só nos resta dizer: foi um prazer, Keyes!