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03/02/2020 às 10h17min - Atualizada em 03/02/2020 às 10h17min

O perigoso limite entre a influência da mídia e o ato suicida

"Uma vez eu tentei suicídio, e durante o processo, eu cheguei à minha psicóloga e falei assim: 'às vezes, eu me sinto como uma pipa. E eu sinto que você é a linha'"

Letícia Franck
Não é novidade que o mundo atual respira sob ajuda de aparelhos. A saúde mental nunca esteve tão presente em assuntos de rotina. O perigoso e inescrutável limite entre os dados suicidas que aumentam de forma rápida e severa alerta para o debate preciso e ao mesmo tempo cauteloso sobre temas - ainda que parcialmente - tabus na sociedade.

A forte presença da mídia na vida dos indivíduos aponta para o fato do grande poder persuasivo proporcionado pela tecnologia. Observar a tênue linha entre ficção e realidade é uma tarefa que vai ao encontro do processo criativo dos meios de comunicação, ao mesmo tempo em que atuam direta ou indiretamente na vida dos telespectadores.

Adolescentes são um dos maiores consumidores de produtos massivos e consequentemente um dos principais alvos das produções cinematográficas atuais. O ato de acompanhamento por vezes preocupante com que esse público consome os produtos gera incentivo à mídia, ao mesmo tempo em que acaba acarretando transtornos pelo mesmo motivo.

A Netflix, atualmente uma das principais plataformas online de produções cinematográficas, lançou, em março de 2017, a série 13 Reasons Why, baseada no livro de Jay Asher (2007) e dirigida por Brian Yorkey. A série conta atualmente com três temporadas, a segunda lançada em maio de 2018 e a terceira no ano de 2019. As especulações para os próximos episódios da trama começaram logo no final de agosto, mês em que a série encerrou a temporada três.  

A repercussão tomou conta das redes sociais e adolescentes passaram a acompanhar de forma alarmante a produção, que conta com um jovem elenco e retrata a história de Hannah Baker, uma adolescente que comete suicídio e deixa sete fitas explicando as 13 razões pelas quais colocou fim a sua própria vida. 

No que se refere ao imediatismo com que se dá a produção, estar atento ao novo e reconhecer-se parte do mundo ficcional é, antes de tudo, curioso. O debate se encaminha por construir uma visão todo-poderosa dos meios de comunicação de massa e corre o risco de banalizar as relações e incentivar o isolamento.

Pensar o suicídio como clichê torna-se conflituoso tanto para quem o idealiza quanto para quem o planeja. A briga interna entre dar um fim à sensação de vazio e não pertencimento ao mundo atual é somada ao torturante pensamento de que o ato seja egoísta e culpabilizado pelos que ficaram. Ao mesmo tempo, ansiedade e depressão lideram o ranking atual de mortes no Brasil.

É sabido que a 4ª principal causa de mortes em adolescentes no nosso país é dada por suicídio. No mundo, mais de 800 mil pessoas são acometidas, segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), de 2018. Ocupamos o oitavo lugar na classificação de países com maior número de casos.

Desta forma, perceber a relação suicídio e 13 Reasons Why abrange não só a majoritária prioridade que recorre sobre o assunto, bem como atenta para o limite entre ficção e realidade, podendo impulsionar atos até então não pensados ou mascarados por uma falta de aproximação e conhecimento a respeito de si mesmo.

Os problemas retratados na série alertam para um efeito-borboleta que deriva do acúmulo de vezes em que não são tratados assuntos que vão ao encontro de pessoas que procuram por uma direção na qual se apoiar, ainda que o apoio nem sempre seja de forma branda. Nesse caso, tendências e idolatrias pesam em ambos os lados: ter o problema e saber-se representado pela tela.

Em um mundo no qual adolescentes têm rápido acesso às informações, 13 Reasons Why torna-se uma janela aberta para o debate de temas necessários como forma de chamar a atenção do público para assuntos que merecem atenção e cuidado.

A linha de encontro entre mídia e vida real é muito tênue. Estudos comprovam que o brasileiro consome muita informação, ao mesmo tempo em que é influenciado por ela. Essa preocupação se reflete na forma de - enquanto adultos - avaliarmos de que forma essa abrangência atinge o lado pessoal do telespectador, muitas vezes adolescentes próximos ao nosso convívio e torna-se crucial para mantermos a raiz do questionamento fortalecida.

Não basta apontar falhas se não existir disposição de corrigir erros.

Técnicas de persuasão são criadas exatamente para focar em pontos não percebidos ou trabalhados de forma que compreendam que a mensagem que sai da tela se torna humana sempre quando no outro lado há um indivíduo.

Assim, podemos proporcionar um olhar crítico e que livre o ser humano do pensamento de que ele é apenas um a mais e torná-lo único. Uma visão documentalmente precisa e necessária. Se a mídia, através de suas produções, tem o poder de ditar um comportamento, então que tenhamos o poder duplo de comandá-lo e redirecioná-lo, de maneira que sejam assuntos discutidos e provoquem mudanças reaus na sociedade.

Assim, as ocorrências suicidogêneas presentes na sociedade apresentam-se como tendências que poderiam ser controladas por instituições integradas, como influência moderadora. Ainda que existam diferentes opiniões sobre o assunto, a problemática, na verdade, está na apropriação e espetacularização do suicídio pela imprensa. Essa visão está em alta devido ao fato de que o ato de por fim a própria vida vem sendo exibido nos meios massivos como algo teatral.

Existe muito romance por trás da ação de induzir à morte. Não exatamente no que tange a cenas do suicídio em si, mas as situações que o envolvem. Assim, o autoextermínio não só passa a ser publicidade, quanto se qualifica como exposição do desespero.

Retratar cenas de estupro, abuso, solidão, bullying, homofobia e suicídio não só produz um estado de choque em quem assiste, quanto em quem se reconhece nos personagens. Desta maneira, o espectador é induzido a concretizar o ato, caso tenha tendências suicidas, ou a procurar ajuda, caso seja portador de algum trauma retratado nas cenas.

Qual será o destino final da produção, não sabemos. O que podemos dizer, e isto sim é uma afirmação, é que a série, apesar de alguns apesares já explicados aqui, trouxe a pauta novamente às doenças mentais e assuntos sérios, explorados com baixa frequência, ainda que necessários. 13 Reasons Why tornou-se mais que uma produção cinematográfica, mas um aviso. Um pedido de socorro. Uma forma de chamar a atenção das pessoas para os problemas que cada vez mais estão presentes na vida dos adolescentes e não são percebidos. Muitas vezes, nem por eles.

A inserção de profissionais da área da saúde mental é crucial nessa fase da vida, principalmente quando na família não há o diálogo e nem a aproximação necessária entre os membros. Suicídio não é sobre fraquejar. Não se resume a um drama adolescente e muito menos a algo sem importância, considerado por muitos como falta de ocupação. O ato suicida não quer projetar traumas em quem o assiste nos filmes, seriados ou demais produções midiáticas, ele quer fisgar os olhares para problemas reais, para sentimentos humanitários e para dores que -ainda tenham algum tempo- para serem curadas.

Que 13 Reasons Why seja um alerta, uma visão para dentro de nós mesmos, uma forma de decifrarmos que podemos escolher ser ajuda, e muitas vezes escolhemos ser um porquê.

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