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06/02/2020 às 13h15min - Atualizada em 06/02/2020 às 13h15min

Dialogando com desconhecidos: o estrangeiro na literatura

“A peste vive e se reproduz na imundície e, ao chegar em Chinatown, encontrou seu habitat”

Letícia Franck - Editado por Rafael Campos
A frase que você leu agora foi escrita em um documento de época e faz referência a Quarentena na Chinatown de Honolulu, em 1899. O que parece muito distante é ao mesmo tempo presente na atual situação em que o mundo se encontra, mediante o surgimento e rápido alcance do novo tipo de coronavírus.

A gravidade é tanta, que em 30 de janeiro deste ano, a Organização Mundial da Saúde (OMS), declarou emergência internacional por conta do surto. Até o momento, são 34.375  casos confirmados e 564 mortes, a grande maioria na China, epicentro da epidemia. Fora isso, os chineses intercambistas estão sendo vítimas de discriminação desde o surgimento do coronavírus, eles relatam sofrer diversos tipos de preconceitos -até mesmo dentro do próprio país-, por estrangeiros.

Conforme apontou em entrevista à BBC News Brasil o historiador Sören Urbansky, "Na situação de agora, algumas representações na mídia e falas de políticos ou pessoas comuns certamente têm paralelos no passado". O site ainda faz referência ao cartum publicado em um jornal dinamarquês onde uma bandeira chinesa é formada por partículas representado o coronavírus.

O que pode parecer absurdo, infelizmente, é algo rotineiro. A xenofobia desta vez não é somente pelas comidas “incomuns”, como acontece em alguns países. Enquanto aqui degustamos com prazer - ao não ser que você seja vegetariano ou derivados - uma carne bovina, na Índia ela é sagrada, já que a ideia do que é exótico ou não é muito pautada pelo que é tradicional em uma cultura, mas isso não quer dizer que sejamos obrigados a saborear espetinhos de gafanhotos na Malásia, ratos na Tailândia, cérebro de macaco na Ásia ou tarântulas em Camboja.

Você pode estar se perguntando aonde quero chegar com esse assunto, então lá vai: livros. Literatura, na sua mais perfeita forma de se manifestar, como agente transformador não só de conhecimento, mas de pensamento. A 6ª arte cumpre uma tarefa fundamental que deveria ser seguida nessa sociedade tão cheia de transformações. Quando me refiro à xenofobia e literatura, penso não somente na forma alarmante que vem sendo tratado o estrangeiro “em seu próprio país”.
 
Essa relação de comunicação entre o livro e seu autor reflete diretamente a cultura e a forma de ser e viver em determinado país/Estado, orientando o leitor pela obra a ser desbravada e fazendo sempre algum tipo de apelo nas entrelinhas.

Neste momento em que se evidenciam atitudes xenófobas e intolerância por todo o mundo, buscamos salientar a importância de uma leitura crítica -ainda que por vezes ficcional-, de forma a entendê-la como uma constituição de outras vozes que não são estranhas e nem estrangeiras. Circular por esses livros é também uma forma de abrir-se para o outro, entender suas origens e respeitar o seu espaço.
 
Para se aventurar

Selecionei algumas obras que tratam sobre deslocamento humano e conflitos de adaptação, ao mesmo tempo em que procuram expor as dificuldades e preconceitos vividos por refugiados, imigrantes e por que não, estrangeiros. Boa viagem!
 
O Caminho de Abraão - Jamil Chade.
Publicado em 2018 pela editora Planeta o livro do jornalista que já conheceu 70 países, percorreu trilhas, cruzou fronteiras com imigrantes e refugiados, visitou acampamentos da ONU na Europa, na África e no Oriente Médio e entrevistou membros de governos acusados de crimes de guerra, lança o fruto de 10 anos de trabalho e pesquisa, obra que tem como pano de fundo a vida dos migrantes e dos seus descendentes na Europa e a Guerra da Síria, abordando temas atuais como refúgio, identidade, xenofobia e populismo. 304 páginas de uma narrativa envolvente.

Pequena Abelha - Chris Cleave.
Finalista do Prêmio Costa (2008) na categoria de Melhor Obra de Ficção e indicado ao Prêmio Commonwealth Writers' como Melhor Livro de 2009, a segunda obra de Cleave conta a história de uma refugiada nigeriana após passar dois anos em um centro de detenção de imigrantes na Inglaterra. A menina de 16 anos se vê sozinha em um país estrangeiro. Trata-se de um romance poderoso e surpreendente, que explora temas complexos de maneira acessível. O livro chegou a ocupar a primeira posição do ranking de mais vendidos do New York Times. Publicado em 2012 pela Intrínseca, você tem acesso a 260 páginas de uma história primorosa.

O Xará - Jhumpa Lahiri.
Gógol Ganguli tem nome russo, sobrenome indiano e um espírito dividido entre diferentes modos de vida. Uma das mais importantes vozes da literatura em língua inglesa, autora convidada da Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP) em 2014, nos apresenta um protagonista que sente-se perdido entre duas culturas: a dos Estados Unidos, onde nasceu e vive, e a que veio da Índia e nos corações de seus pais, imigrantes em busca de oportunidades em território americano. Além do sobrenome indiano, Gógol tem de aprender a lidar com o nome de batismo que homenageia o grande escritor russo. O romance acompanha a família Ganguli em suas constantes viagens entre tradições e costumes, entre a Índia e os Estados Unidos, entre o passado e o presente. São as tentativas de lidar, da infância à maturidade, com o choque das culturas e suas consequências na vida de uma pessoa comum que dão o tom em O Xará. A Biblioteca Azul lançou a obra em junho de 2014, mas particularmente li pela edição primorosa da TAG Experiências Literárias. 344 páginas de uma leitura magistral.  
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