A passagem relâmpago e conflituosa de Carlos Alberto Decotelli pelo Ministério da Educação (MEC) levantou discussões sobre diversos assuntos, um deles foi o racismo no campo científico. Isto porque, segundo ele, um dos principais fatores que contribuiu para que não permanecesse no governo foi à discriminação racial. Para Decotelli, o racismo ocorreu já que outros membros da gestão Bolsonaro (Damares Alves, Ricardo Salles e seu antecessor, Abraham Weintraub, todos brancos, também apresentaram declarações improváveis – como títulos e cursos - em seus currículos e, ainda assim, continuaram em seus postos). A percepção é compartilhada com pesquisadores da questão étnico-racial, Silvio Almeida, um dos principais intelectuais que discutem o racismo no Brasil, disse em entrevista à Folha de São Paulo que “ele [Decotelli] não é o primeiro ministro que mente no currículo, mas foi tratado de maneira diferente”.
A filósofa Djamila Ribeiro seguiu a mesma perspectiva “é sempre importante frisar que estamos em lados opostos. É claro que a gente não apoia esse governo e tudo o que ele representa, porém não tem como a gente não observar que existem ministros que fraudaram também seus currículos e continuam ocupando seus cargos. Tem outro peso quando são homens brancos que fraudam e não há a mesma cobrança” declarou ao portal UOL.
Também o professor do Departamento de Economia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Ivan Salomão, em artigo intitulado “De títulos e raças”, publicado em 02 de julho de 2020 no Jornal Le Monde Diplomatique Brasil, argumentou que não desconsiderando as inconsistências identificadas em seu currículo, Decotelli foi submetido a linchamentos nas redes sociais. Na compreensão do docente, para entendermos as reações direcionadas ao (último) ex-ministro da Educação é preciso considerar que ele é negro, recorrendo as suas palavras “se Decotelli não foi humilhado, sobretudo, pelo fato de ser negro, eu teria dificuldades de imaginar outro motivo para a difamação desproporcional de que foi vítima” (JORNAL LE MONDE DIPLOMATIQUE BRASIL, 2020).
Buscando contribuir para esta discussão, ouvimos Tamara Vieira, negra, graduada em História e Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), possui mestrado em Ciências Sociais também pela UEL e, atualmente, é professora da educação básica no estado do Paraná. Para a profissional, existe racismo no campo científico e podemos identificá-lo, inicialmente, pela ausência de pesquisadores e docentes negros.
“A quantidade de pesquisadores negros não representa nossa extensão na sociedade, o que nos leva ao entendimento do Ensino Superior enquanto privilégio e dificulta o debate sobre o racismo dentro deste espaço, pois a reflexão e o combate ao racismo significam lutar contra a naturalização de relações étnico-raciais que nos alheiam dos espaços, de direitos, em especial a garantia à vida, e ainda, nos leva a reprodução de papéis sociais, onde compete aos negros trabalhos braçais, ou, cultura e esporte, onde nossos corpos ainda constituem o instrumento de trabalho”, ela avalia.
“A anulação da revogação do sistema de cotas na pós-graduação indica que não será tão simples restringir o acesso do negro à pós-graduação, mas ainda há muito a ser feito, em especial na pós-graduação, sei que a Universidade Federal do Paraná (UFPR) tem cotas, no estado não conheço mais nenhuma, a Universidade Estadual de Maringá (UEM) aprovou o sistema de cotas para a graduação no ano passado, a UEL adotou o sistema para a graduação no vestibular de 2005, mas ainda não inseriu na pós-graduação, por quê?”