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20/07/2020 às 09h36min - Atualizada em 20/07/2020 às 09h11min

Pornografia: O que aparenta ser um prazer pode se tornar um pesadelo

Vício em pornografia pode acarretar diversos danos à saúde, inclusive disfunção erétil.

Matheus Victor da Costa Valadares - Revisado por Barbara Honorato
foto: Matheus Victor
“Eu descobri que estava viciado em pornografia, quando pela primeira vez eu machuquei meu órgão genital, após diversas horas me masturbando (...) a partir daquele momento eu percebi que tinha perdido o controle”.

Esse é o relato de Claudio*, 20 anos, morador de São Paulo, que viu sua vida ser prejudicada por conta do uso compulsório de vídeo pornô.

Cláudio conta também que a principal fonte que ele usava para consumir era a internet, através de seu computador. Esse fácil acesso através da internet tem preocupado, ainda mais em tempos de isolamento social, a prova disso é o aumento de acessos e assinaturas que diversos sites desse segmento têm registrado desde março, onde se iniciou o processo de distanciamento social e fechamento gradual de alguns estabelecimentos. O site e canal adulto de TV por assinatura, Sexy Hot registrou um aumento de 31% entre os dias 14 a 19 de março, comparados ao período de 7 a 12 do mesmo mês, como aponta essa reportagem produzida pelo G1.

Conforme a sexóloga Enylda Motta, a pandemia está fazendo com que as pessoas fiquem com elas mesmas e, por isso, o uso da pornografia aumentou muito. "Para algumas pessoas é somente um passatempo, uma distração. Ficar muito tempo buscando imagens, vídeos faz muito mal, o ideal é colocar limite, até mesmo quantidade de horas, sendo o indicado 1h por dia, tudo que é abusivo faz mal. Deixa de ser descoberta e prazeroso", alerta.

Ricardo* sentiu isso na pele e diz que o vício chegou ao ápice com a quarentena. Isso acarretou em baixa produtividade. "Não conseguia concentrar em nenhuma atividade, sempre ficava na mente o momento que eu ia entrar no quarto e assistir pornografia, me atrapalhou nas aulas online e deixei de fazer muitas atividades por conta disso”, relata.

O PornHub, maior site de conteúdos eróticos do mundo, contabiliza mais de 100 milhões visitas diárias e chega á um total de 36 bilhões de visitas por ano, sendo a 35,3 a idade média de seus usuários, com 60% sendo abaixo dos 35 anos.

O próprio site de conteúdo erótico disponibilizou os números de acesso ocorido por usuários em território braisleiro

Diante dos números retratados no link, podemos ver uma progressão de acesso ao site pornográfico, chegando a atingir um aumento de mais de 30%, em território brasileiro nos meses de maio e junho.  
                                                 
Esse fácil e rápido acesso via internet por meio de computadores, tablets e smartphones tem permitido que crianças e adolescentes também consumam pornografia, como conta Cláudio, ao dizer que o primeiro acesso á pornografia foi com dez anos. Ricardo, que também se encontra em processo de recuperação do vício, conta que o primeiro contato dele com esse material foi de forma bem precipitada, “meu primeiro acesso a pornografia foi bem cedo, com oito anos comecei a ir na lan house pesquisar fotos de mulheres peladas e foi quando eu cheguei nesses sites.” Ele ainda completa que ficou alguns anos afastado dos sites, quando aos onze anos voltou a consumir de vez os vídeos de sexo explícito. 

“Desbravei por esse mundo sozinho” diz Ricardo, ao relatar que nunca teve uma conversa com adultos para o auxiliar no uso da pornografia e no descobrimento de seu corpo. Segundo Enylda Motta, essa conversa é muito importante e ela ressalta que se deve iniciar em casa “abordar a educação sexual dentro de casa é o início, (...) a partir do momento que isso acontece, já é um grande avanço sobre os vícios, malefícios e benefícios. Após a casa, o outro local é a escola.”

Essa falta de diálogo não é exclusividade de Ricardo, Claudio conta que também não teve orientações claras sobre o uso de pornografia, e quando escutava falar sobre, era encorajado ao ouvir que era bom.

Claudio enfrentou problemas em seu relacionamento por conta do vício e um dos motivos dele ter parado com o consumo de material erótico, foi porque decidiu salvar seu namoro, ele ainda fala que passou a ver diferente as mulheres. "Eu passei a enxergar todas mulheres de forma diferente, estava vendo malícia em tudo. Eu namoro há quatro anos, depois da ‘primeira vez’, eu percebi que meu relacionamento estava condicionado ao sexo e que tudo se resumia ao sexo”. declara.

Um desses motivos, é porque o pornô é feito majoritariamente para o público masculino e para satisfazê-los, como indica as pesquisas. Para Enylda, isso influencia no surgimento de atitudes misóginas e egoístas, ela elenca seis desses possíveis comportamentos:
  1. A pessoa fica preocupada somente com o próprio prazer, esquece do prazer com a outra pessoa e o quanto é importante ter esse olhar para a outra pessoa;
  2. Trata a mulher como objeto, submissas e maltratadas por homens que buscam somente o próprio prazer, ou seja, relação de poder;
  3. A educação masculina é distinta da feminina;
  4. O foco é genital masculino;
  5. As preliminares tem o foco no corpo e não no sentimento;
  6. O importante é se satisfazer.
 
 

Claudio alerta que esse consumo pode impctar em seu psicológico. "Teia que irá te prender e destruir sua cabeça, você jamais enxergará o mundo e as pessoas da mesma forma”, ele ainda diz acreditar que isso pode ser combatido através de informação e completa dizendo “ não acredite que será apenas um vídeo, porque se hoje você procura sexo hétero, amanha estará consumindo pornografia infantil, estupros e etc", diz.
Ricardo também faz ressalvas quanto a isso, ele diz que chegou ao fundo do poço e que passou a consumir pornografia que ele abomina.

Essa mudança de ‘estilo de vídeo’, retratado por Claudio anteriormente, se dá por conta do cérebro ficar acostumado á aquele pornô consumido diariamente, e da necessidade de novos estímulos para que ele possa produzir uma quantidade mais elevada de dopamina, estimulando assim, mais prazer no organismo, diante daquela atividade, como nos explica o psicólogo clínico Wellington Silva.

“Existe um neurotransmissor chamado dopamina, ela é responsável por regular uma das partes mais primitivas do nosso cérebro ligado ao circuito de recompensa, através desse circuito e da própria dopamina é que nós experimentamos prazer em qualquer coisa, só que quando o prazer deixa de ser novidade, a descarga de dopamina vai diminuindo e você perde o interesse. A  pornografia antiga com aquelas imagens estáticas de revista, tinha uma descarga grande de dopamina e depois essa descarga diminuía, com o advento da internet, quando a pessoa vai perdendo o interesse, ela acessa uma outra imagem e isso causa um distúrbio neurológico, ou seja, o estímulo é constante e pode ser renovado o tempo todo, é como se tivesse uma parceira nova a cada acesso, o que seria incomum em qualquer contexto, se torna comum virtualmente. Se a pessoa ficar mudando de cena e imagem, ela tem um novo estímulo a cada cinco minutos, isso faz com que o cérebro dispare um número ilimitado de estímulos e é na tentativa do cérebro em se adaptar a essa nova situação que ocorre o vício.”

Para efeitos de comparação, é como se uma pessoa consumisse uma quantidade “x” de álcool, que seria suficiente para liberar a dopamina e produzir prazer naquela atividade e após um determinado período, a pessoa precisa aumentar a dose de álcool ingerida para produzir mais dopamina e continuar com a mesma sensação de prazer, é esse processo que torna o indivíduo no caso, um alcoólatra.
Ainda segundo Wellington, “em pouco tempo a pessoa se torna um viciado em pornografia, porque o cérebro vai entender que nada é mais importante que ela, só que o corpo dele não reage da mesma forma, (...) para o cérebro esse estímulo é muito necessário, porém o corpo se sente “anestesiado”, esse estímulo com essa “anestesia”, faz com que o indivíduo busque cada vez mais (pornografia), para atender à necessidade.”

Os dramas sofridos por pessoas acometidas por esse vício são diversos, e isso ocorre física e mentalmente falando, como retrata Claudio “minha saúde emocional estava destruída, passei por momento de depressão, falta de estabilidade emocional, constantes alterações de humor e um sentimento horrível por dentro”.

Conforme o Wellington, as reações de Claudio se enquadram no quadro de sintomas, que podem ser “perda de interesse no parceiro, perda de interesse por relações reais, ejaculação precoce em alguns momentos, ansiedade social, ou seja, uma pessoa que gosta de se isolar, que não gosta de sair, procrastinação, desmotivação”.
 
 
Como identificar o vício
Segundo o psicólogo , há algumas mudanças comportamentais que podem indicar se a pessoa se encontra viciado em consumo de pornografia, esses sinais podem ser ereções espontâneas mais afastadas, quando a pessoa só consegue ter ereção com a própria pornografia, diminuição da sensibilidade do órgão genital, isso muitas das vezes é até uma indicação que o organismo começou a ficar anestesiado ao prazer, mas a principal é a disfunção erétil.
 
Os filmes pornôs podem ser prejudiciais à saúde?
Segundo a sexóloga Enylda, os viciados em pornô podem ter a vida sexual afetada de diversas formas, entre elas:
  1. deixando que a pessoa vivencie a realidade, ou seja, o relacionamento real;
  2. Desenvolvem a compulsão (mesmo já viciado);
  3. Quanto mais assistir, menos estimulante fica;
  4. O descontrole pode levar a disfunção erétil;
  5. Pode ter dificuldade ou incapacidade de ter orgasmo durante o ato sexual;
  6. Pode trazer ansiedade, depressão, isolamento/interações sociais, estresse;
  7. Idealiza o sexo.
 
Ricardo alerta para as pessoas tomarem cuidado para não chegarem ao ponto de se viciarem, ele orienta a conversar com pessoas próximas sobre esse problema, por mais que possa ser constrangedor, ele também faz uma ressalva ao quanto esse conteúdo pode ser nocivo para quem está dentro dele.

 
 
*Foi usado nomes fictícios, para preserva a identidade das fontes.

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