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19/02/2021 às 15h48min - Atualizada em 19/02/2021 às 15h48min

A Redoma de Vidro da atualidade

Hoje, em uma sociedade diferente da retratada no livro, milhões de pessoas estão na condição de uma redoma de vidro contemporânea

Karina Almeida - Editado por Roanna Nunes
Sylvia Plath (1932-1963)- Reprodução | The New York Times
Sylvia Plath e Esther Greenwood têm mais em comum do que aparentam à primeira vista. Embora separadas pela ficção e pelo real, ambas eram moças sonhadoras e promissoras em uma sociedade exigente e repleta de padrões. Ademais, as duas mulheres sofreram os infortúnios da depressão em suas vidas. Hoje, a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS/OMS) estima que mais de 300 milhões de pessoas, de todas as idades, sofram por esse mesmo transtorno.  

A Redoma de Vidro, livro de Sylvia Plath, a protagonista Esther Greenwood vive o sonho das garotas da época depois que ganha uma bolsa de estudos para a universidade e um estágio em uma revista feminina de Nova York. Porém, sua vida toma um rumo diferente quando as diferentes experiências sociais passam a lhe causar um incômodo imenso e assim iniciaram as crises emocionais e transtornos que a levaram para o tratamento em uma clínica psiquiátrica. Esse foi o único romance da autora e poeta, mas é significativo por ser semi-autobiográfico.

Sylvia teve a primeira crise depressiva ainda na universidade e depois do tratamento graduou-se em 1955. Em seguida recebeu uma bolsa de estudos para a Universidade de Cambridge, na Inglaterra. Lá conheceu o poeta inglês Ted Hughes, seu futuro marido e com quem teve dois filhos. A carreira na literatura começou com a publicação de coletâneas poéticas. Mas, em 1962, os ventos mudaram, logo veio a separação e mudança para Londres com os filhos.
Em 1963, sob o pseudônimo de Victoria Lucas, publicou The Bell Jar (A Redoma de Vidro). Aos 30 anos, no dia 11 de fevereiro de 1963, Sylvia Plath cometeu suicídio. Foi somente dois anos depois de sua morte, depois da publicação de  Ariel, que a autora ganhou maior reconhecimento.

Apesar de abordar temas sobre o feminismo, tem como assunto mais frequente as doenças mentais. Lara Luiza Oliveira Amaral, Doutoranda em Teoria e História Literária na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) observa “uma representação riquíssima de como é a vida de alguém com problemas psicológicos”. Permitindo assim uma discussão sobre assuntos-tabus para a época, que permanecem até hoje, como o suicídio.
As semelhanças entre vida e ficção são consideráveis. Lara Oliveira entende que “a representação da sociedade, em Plath, está completamente interligada com a forma como se sentia”. Desse modo, a autora escrevia utilizando suas próprias lentes e experiências. Esther, assim como Sylvia nos anos 60, é acometida pela depressão em uma sociedade de inúmeras exigências. O que seria, então, a redoma que dá nome ao livro?

A doutoranda analisa a personagem como um reflexo da autora e, assim, as duas estariam sendo sufocadas por essa redoma limitante. “A redoma é aquilo que limita sua realidade enquanto desenha o mundo em que está inserida”, explica. Em sua dissertação de mestrado, intitulada Da redoma à figueira: Sylvia Plath e o abismo do eu (2019), ela analisa a metáfora da redoma em diálogo com a metáfora da figueira, outra imagem importante do romance.
No diálogo proposto, a figueira carregada frutos sobre o futuro e a não opção de Esther fazem da escolha “o retrato da angústia” e a redoma seria tudo aquilo que lhe falta por estar sempre presa, sozinha e, como consequência, vazia. “A redoma de vidro é aquilo que perseguirá Esther independentemente de onde esteja e apesar das conquistas alcançadas. É também aquilo de que possivelmente nunca conseguiu se livrar Sylvia Plath”, completa a acadêmica.

 

Lara Oliveira acredita que o livro de 1963 e a autora servem até hoje como uma representação da literatura de autoria feminina do século XX, da angústia e da existência. Diante dos dilemas e características da vida moderna, ela entende que a redoma atual pode ser uma representação que envolva a rotina, a angústia e a existência. “Estar vivo é correr o risco de, vez ou outra, como diz Esther, estar sujeito a sufocar-se com as paredes de vidro”, diz.
A expectativa e padrões da sociedade sobre os sujeitos são pontos consideráveis na atualidade. Carolina Silva Naves, Psicóloga e Pós-Graduanda em Avaliação Psicológica analisa: “A ideia de querer curar o mundo é outro ponto a ser discutido dentro das demandas que o ser humano perpassa na sua vida”. A psicóloga relembra que situações desagradáveis e agradáveis existem e explica: “Não precisamos curar o mundo e sim a nós mesmos”. Dessa forma, cita a autorresponsabilidade como uma forma de auxiliar na compreensão e ressalta que: “O autor da sua vida e o único capaz de promover as mudanças da vida”.

O desenvolvimento pessoal é particular e isso é definido pela psicóloga como singularidade. Ainda assim, um aspecto a ser debatido é a comparação entre os indivíduos gerando diferentes inseguranças. O adoecimento, para ela, refere-se também a aceitação dos padrões e na tentativa de estar em determinados grupos. “Você aceita o padrão ou se aceita?”, questiona.
Remetendo à obra, a psicóloga Letícia Weber Pimentel define a redoma como o que a personagem atrelou às questões subjetivas dela e em como ela se sentia com a depressão. Ressalta que a psicologia não trabalha com verdades absolutas e não se pode generalizar os comportamentos e transtornos individuais. As interações entre as pessoas com o ambiente que as envolve podem ou não trazer impactos à saúde mental.

A depressão é um quadro comum, porém sério, resultante da interação de fatores sociais, psicológicos, biológicos e genéticos. Se diferencia das mudanças comuns de humor do cotidiano e, na pior das hipóteses, pode levar ao suicídio, assim como no caso da autora. A Organização Pan-Americana da Saúde estima que cerca de 800 mil pessoas morrem por suicídio todos os anos. Ainda segundo esta, 79% dos suicídios no mundo ocorrem em países de baixa e média renda. Apesar dos diferentes agravantes presentes na vida moderna, Letícia Weber analisa a desigualdade social como uma das maiores fontes de adoecimentos. “Como falar de depressão ou ansiedade com alguém que não tem o que comer no dia a dia, pessoas que sofrem agressões físicas, psicológicas, morais e sexuais?”, argumenta e cita ainda os diferentes preconceitos e violências existentes. São diferentes fatores que impactam diretamente os sujeitos e, além de transtornos, a psicóloga enfatiza que podem também gerar traumas, medos e inseguranças.

Um relatório publicado em 2020 pelo Centro Nacional de Estatística em Saúde dos Estados Unidos (tradução livre) indicou que a taxa de suicídio na faixa etária entre 10 e 24 anos no país foi estável de 2000 a 2007, porém sofreu um aumento de cerca de 57% nos últimos anos. Os dados são preocupantes. No mundo todo, vemos índices crescentes de adolescentes com diferentes transtornos.

Assim, o que pode ser considerado como a redoma de vidro atual? Como um exemplo, a psicóloga considera que as redes sociais, em um contexto coletivo, por vezes causam esse efeito. Nestas, os usuários exibem somente partes mínimas de suas vidas, aparentando serem sempre felizes. Apesar das conexões e da grande oferta de informação, a desconexão com as pessoas é real e a constante busca pela perfeição também pode ser um fator agravante.

Para Letícia Weber, “o sujeito que se coloca nessa posição, infelizmente deixa de ser quem é, para ser quem os outros desejam e nunca será ‘perfeito’ o suficiente”. É importante distinguir o ser do fazer social e ter autoconhecimento, e isso é considerado uma prática de autocuidado. Na sociedade atual, se conhecer é uma forma de poder escolher baseando-se em seus próprios princípios dentro dessa redoma de vidro da atualidade. É importante ter atenção com a saúde mental e ainda, conforme alerta a psicóloga: “Lembrar que é humano e não uma máquina”.

Busque informações, procure ajuda: CVV | Centro de Valorização da Vida

Referências:
Depressão - OPAS/OMS | Organização Pan-Americana da Saúde (paho.org)
Suicídio - OPAS/OMS | Organização Pan-Americana da Saúde (paho.org)
Nos Estados Unidos, a taxa de suicídio teve um aumento entre adolescentes e adultos jovens - PEBMED

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