12/03/2021 às 00h14min - Atualizada em 12/03/2021 às 00h05min
Fotobiografia de João Cabral de Melo Neto revela outra versão do poeta
Obra mostra materiais inéditos e apresenta imersão à vida do grande poeta pernambucano que evitava escrever e falar sobre a vida pessoal
Bianca Nascimento - Editado por Gustavo Henrique Araújo
Foto/Reprodução: Google O cenário de festejo e de muita biodiversidade na cidade de Recife na década de 1920 popularizava o território de Pernambuco. Marcado pelos bondes e carroças que circulavam a região e pelos grandes desfiles nas ruas, momento esse que as mulheres exibiam suas roupas luxuosas com chapéus e acessórios, causando admiração masculina e os homens se vestiam de maneira elegante e formal, com terno, gravata e chapéu, foi considerado um lugar de prestígio da época.
Foi nessa ocasião que a cidade recebeu João Cabral de Melo Neto, homem simples e de família humilde, que diferente das características da localidade e dos cidadãos, foi um homem ríspido, severo e objetivo, que mais tarde se tornou um dos principais poetas que influenciou a nova poesia brasileira.
Ainda quando criança, enquanto caminhava pelas terras de engenho de açúcar do seu pai, no munícipio de São Lourenço da Mata, João se familiarizava com a literatura ao recitar os cordéis para os funcionários, influenciando posteriormente as suas produções literárias.
O poeta-engenheiro – como era popularmente conhecido – na composição de suas poesias, que demoravam longos anos de dedicação e pesquisa para serem concluídas, teve como principal objetivo causar uma profunda reflexão no leitor por meio de seu estilo robusto e pétreo.
“Se fosse possível definir minha poesia, eu diria que a minha preocupação é definir as coisas e dar a ver as coisas, ser o menos subjetivo possível”, argumenta João em entrevista ao jornalista Araken Távora.
Aos seus 19 anos, quando o seu amigo Willy Lewin empresta o exemplar de “Brejo das almas”, obra de Carlos Drummond de Andrade, João descobre um autor que seria sua referência linguística pela dicção áspera e os versos livres dos textos.
As obras com características do sertão nordestino marcam nos versos uma identidade nacional jamais explorada.
O seu livro mais popular foi publicado em 1955. "Morte e vida severina", reúne a narrativa dramática de Severino, personagem que deixa o sertão nordestino em direção ao litoral para ter uma melhor condição de vida.
“...E se somos Severinos
iguais em tudo na vida,
morremos de morte igual,
mesma morte severina:
que é a morte de que se morre
de velhice antes dos trinta,
de emboscada antes dos vinte,
de fome um pouco por dia
(de fraqueza e de doença
é que a morte Severina
ataca em qualquer idade,
e até gente não nascida).
Somos muitos Severinos
iguais em tudo e na sina:
a de abrandar estas pedras
suando-se muito em cima,
a de tentar despertar
terra sempre mais extinta,
a de querer arrancar
algum roçado da cinza...”
(Morte e vida severina, 1955)
Principais obras:
Pedra do sono (1942);
Psicologia da composição (1947);
O cão sem plumas (1950);
A educação pela pedra (1966)
Retratos que falam
Por intermédio do olhar da sua primeira esposa, Stella Maria, que registrava expressões e movimentos de João pelos lugares em que viajavam, foram eternizados muitos arquivos do escritor, importantes para humanizar a figura do poeta e revelar um novo ponto de vista do autor severino.
As diferentes imagens foram reunidas na vasta pesquisa iconográfica organizada por Eucanaã Ferraz, poeta que teve um trabalho árduo para coligir o acervo de Cabral e procurar algo que fosse além da superficialidade pessoal apresentada em vida e trouxesse uma revelação que transcende a escrita do autor.
Os momentos capturados de uma figura de um pai amoroso e sorridente apreciando a praia com a família na Espanha - lugar que viveu por um período - atribui uma distinção ao autor de abordagens rudes. Registros inéditos que compõem poemas, fotografias familiares, imagens de acervos brasileiros e entrevistas revelam uma nova faceta do poeta pernambucano.
“A ideia que eu faço de mim mesmo é que talvez as pessoas somando tudo o que eu digo de coisas e situações tenham uma ideia de mim”, diz o poeta no programa “Os mágicos” exibido pela TVE-RJ em 1977.