Segundo o Relatório Global de Expressão 2019/2020, da organização não governamental Artigo 19, a liberdade de expressão no Brasil teve a maior queda em relação aos outros países na última década. Durante o governo de Jair Bolsonaro (sem partido) esta decaída acelerou com ações para suprimir liberdades, diminuir transparência e retaliar críticos.
Nos primeiros meses de 2021, fatos deram mais força às discussões sobre liberdade de expressão, como a investigação contra o sociólogo Thiago Rodrigues por patrocinar outdoors contra a gestão Bolsonaro, a prisão do deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) e as punições a professores que criticaram o presidente.
Para a professora e pesquisadora do programa de pesquisa, extensão e graduação em Direito da UNOESC (Universidade do Oeste de Santa Catarina) Riva Sobrado de Freitas, o objetivo da liberdade de expressão é assegurar o exercício da democracia promovendo a circulação de ideias. Porém, “no Brasil tem sido interpretada em muitas oportunidades, de forma equivocada, de forma perversa, entendendo essa perversão (pelo verso) como uma interpretação contrária aos seus propósitos”.
É o caso do deputado Daniel Silveira, que foi preso após publicar um vídeo com discurso de ódio ameaçando ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Sua defesa argumentou que a prisão era um ataque à liberdade de expressão. Para Freitas, esse tipo de discurso é “capaz de promover a polarização da sociedade, conduzir a população à violência e inviabilizar a democracia”.
A situação do deputado coloca no foco da discussão os limites da liberdade de expressão, que é garantida pela Constituição Federal de 1988. Freitas diz que toda liberdade, independente de qual seja, tem suas restrições. “Em qualquer Estado de Direito (Estado submetido a um ordenamento jurídico), a liberdade não pode ser absoluta, senão haveria a liberdade de alguns em detrimento da liberdade dos demais, de acordo com a força bruta de cada um”.
Governo Bolsonaro e a imprensa
Entre os fatores para o declínio da liberdade de expressão está a forma como a imprensa é atacada por autoridades públicas ou com a ajuda delas. O relatório cita as campanhas de difamação direcionadas para mulheres jornalistas, pois “foram os principais alvos desses ataques, com casos graves, como o de Bianca Santana, Patrícia Campos Mello e várias outras profissionais da mídia”. Patrícia processou Jair Bolsonaro por ataque machista e na última sexta-feira (26), ele foi condenado a indenizá-la.
“Críticas à atuação da imprensa são necessárias, sempre foram. Isso é uma coisa. Outra é instigar setores fanáticos da extrema-direita contra a mídia, contra repórteres, o que tem resultado em um aumento absurdo de agressões a jornalistas que desempenham seu papel nas ruas, papel fundamental, principalmente neste último ano em que o Brasil foi golpeado pela pandemia”, afirma Rogério Marques, integrante do Conselho Deliberativo e também da Comissão de Liberdade de Imprensa e Defesa dos Direitos Humanos da Associação Brasileira de Imprensa (ABI).
Além das campanhas de difamação, outra estratégia para prejudicar o trabalho de jornalistas é o assédio judicial, que utiliza o poder judiciário para intimidar e perseguir. Por exemplo, ações judiciais em comarcas de regiões diversas pelo país prejudicam o direito de defesa.
Aprovada na Ditadura Militar, a Lei de Segurança Nacional vem sendo bastante utilizada durante o governo de Jair Bolsonaro para criminalizar seus críticos. Na primeira metade de seu mandato, foram abertos 77 inquéritos com base nessa lei, o dobro em relação ao período de 2015 a 2018, segundo a Folha de São Paulo.
No ano passado, esta lei foi utilizada para solicitar uma investigação contra o jornalista Ricardo Noblat por conta de uma publicação em rede social. Recentemente, outro alvo foi o comunicador Felipe Neto, após chamar Jair Bolsonaro de ‘genocida’. O inquérito foi suspenso, mas causou uma grande mobilização e Felipe criou o grupo Cala Boca Já Morreu, cujo objetivo é auxiliar na defesa de pessoas que tenham sofrido perseguição por criticarem autoridades públicas.