Lab Dicas Jornalismo Publicidade 728x90
29/03/2021 às 17h50min - Atualizada em 29/03/2021 às 17h50min

Como a Vogue Portugal saiu das sombras e se tornou referência para o mercado editorial de moda

Após uma reformulação em outubro de 2017, a Vogue Portugal tem ganhado apreço de diferentes áreas da indústria

Daniel Magalhães
Reprodução/Vogue Portugal
Ameaçadas pelo digital e a pressão de manter seus títulos nas mais diversas redes sociais, as revistas de moda estão cada vez perdendo mais espaço. Mantidas quase que exclusivamente por anúncios de grandes grifes em detrimento do número cada vez menor de assinantes, as publicações de moda estão tendo que se reinventar para conquistar a clientela de aficionados por moda. O passo inicial em direção a reconquista do público parece ter sido dado por uma das edições da Vogue que até poucos anos atrás era desconhecida e até irrelevante no mundo da moda, a Vogue Portugal. 

Até 2017, a Vogue portuguesa seguia a mesma estratégia desgastada de suas irmãs de outros países: capas com celebridades nacionais ou hollywoodianas e texto com fontes chamativas. O conteúdo dentro da revista era repetitivo e seguia a mesma fórmula inalterada de editoriais publicitários, composições de looks com as últimas tendências das semanas de moda e as usuais dicas de maquiagem, restaurantes e turismo. Esses conteúdos ainda estão nas revistas, mas são apenas acompanhamentos, não o prato principal. 

A mudança na estética e nas matérias da edição da Vogue portuguesa foi causada pela atual editora-chefe Sofia Lucas, que assumiu o comando da revista após esta ser adquirida pela editora Lighthouse, que foi criada pela própria Sofia e o amigo José Santana em 2017. Formada em design gráfico, Sofia teve seu primeiro contato com a Vogue em 2002, no ano em que a revista chegou nas terras lusófonas, quando foi convidada para ser diretora de arte. Treze anos depois, foi convidada para ser editora da GQ Portugal, que fora relançada em um novo formato em 2015. Sua posição na época facilitou contatos com a Condé Nast International, grupo responsável pelos títulos Vogue e GQ, e seu trabalho bem-sucedido na reformulação da revista masculina garantiu sua vaga como editora-chefe da revista considerada a 'bíblia da moda'.

A estratégia de capas minimalistas com imagens sensíveis, porém impactantes, além das páginas com matérias que fogem do tradicional das revistas de moda, conquistou - ou melhor, reconquistou - leitores, críticos e fãs da indústria da moda, que esperam avidamente o início do próximo mês para saber como será a capa e o recheio da próxima edição. 

Em entrevista a Declan Eytan, ex-Forbes, Sofia Lucas declarou que "o rumo da Vogue Portugal aponta um caminho mais minimalista, mas não menos arrojado e profundo na linguagem impressa. As capas são agora muito mais clean, e temos apenas uma linha que expressa a mensagem principal da revista". Dessa forma, Sofia e sua equipe criam edições com um tema central e assuntos ramificados em torno desta temática, criando uma edição linear que cria nos leitores a expectativa para qual assunto será abordado no próximo mês.

A expectativa criada pelos leitores e admiradores é atingida, algumas vezes até superada, com a revista sempre trazendo assuntos pertinentes e discutidos no contexto social em que é publicada. Um exemplo disso é a controversa edição de Abril de 2020, que mostrou na capa a imagem de uma mulher e um homem se beijando enquanto vestiam máscaras cirúrgicas em alusão a pandemia de Covid-19. Embora controversa, a edição mostrou que uma revista de moda não deve necessariamente viver apenas de editoriais e reviews dos desfiles da última temporada, mas trazer luz ao contexto sócio-histórico. 

O que tem chamado mais a atenção dos leitores, no entanto, é a forma em que o conteúdo lhes é apresentado. O time da Vogue Portugal, nesse sentido, trabalha quase como uma equipe de curadores de arte que trazem capas artísticas e minimalistas, em que a mensagem principal é a imagem de moda que elas apresentam. Todos julgam um livro pela capa, e a equipe da Vogue Portugal faz todo o trabalho para que todo mês a capa de suas revistas sejam as mais chamativas das 25 edições espalhadas pelo mundo. Alguns ousam dizer que a Vogue portuguesa tomou o lugar da Vogue Itália, que é conhecida no mundo da moda por trazer as capas e os editoriais mais memoráveis da revista - pelo menos até a época em que era comandada por Franca Sozzani.

Declan Eytan declarou em 2018 que a Vogue portuguesa parecia ter seguido uma direção visual que priorizava a liberdade artística em detrimento das vendas. Hoje, pode-se dizer o contrário. A reformulação da revista, assim como a abordagem de pautas mais sérias e atuais, como a deste mês sobre o racismo contra asiáticos ou a reportagem sobre o problema de sustentabilidade das embalagens de cosméticos, tem chamado a atenção dos leitores, que, segundo mostra o site da própria revista, já esgotaram várias edições da publicação, incluindo a edição especial da 'reestreia da revista' de outubro de 2017, que custa 150 euros.

Uma abordagem criativa e sensível, no entanto, não é uma armadura contra eventuais erros que a equipe pode cometer. O mais memorável deles foi a da edição de julho/agosto de 2020, cujo tema foi saúde mental. A capa traz uma mulher nua com as costas curvadas e abraçando a si mesma enquanto duas enfermeiras lhe dão banho. 

A "The Madness Issue (Edição da Loucura) foi duramente criticada por fãs da revista, psicólogos, psiquiatras e também por jornais respeitados em todo mundo pela abordagem insensível e estereotipada das doenças mentais e dos hospitais psiquiátricos. Ao invés de uma retratação, a equipe justificou com um comunicado dizendo que, naquela capa específica, não eram duas enfermeiras cuidando da paciente, mas a mãe e a avó dela. Continuou o comunicado dizendo que nas páginas continham entrevistas importantes com psicólogos, psiquiatras e sociólogos sobre saúde mental com intuito de trazer luz ao debate sobre o problema que teria sido agravado nos períodos de confinamento ocasionados pela pandemia.

Porém, como dito pela própria editora-chefe, "editar uma revista é, antes de mais, um ato de amor e de força de vontade". Editar uma publicação de renome mundial também significa estar pronta para as adversidades que uma ideia pode enfrentar por não cair bem no gosto do público, na maneira como imaginamos. No entanto, a equipe da Vogue Portugal, apesar de fazer todo o possível para não admitir o erro da insensível capa da 'edição da loucura', tem toda a força de vontade de mudar o paradigma do mercado editorial de moda. As revistas de moda devem sim assumir um novo caminho para a relevância, e a Vogue Portugal conseguiu se colocar como comandante desta caravana.
Link
Notícias Relacionadas »
Comentários »