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21/05/2021 às 11h13min - Atualizada em 21/05/2021 às 11h01min

Mais uma vez… morte

Mães sem filhos, filhos sem pai e avós sem netos

Aila Beatriz da Silva Inete - Editado por Andrieli Torres
Foto: Reprodução/Freepik

Ela acordou com o sacolejo apressado da mãe. 

 

━ Vamo menina, que a gente vai se atrasar ━  Eram 4h30 da manhã. Todo dia aquilo, ela estava cansada. Havia chegado em casa depois das 21h, os patrões da mãe fizeram uma “festinha” de aniversário do filho e ficou trabalhando até tarde - e ela também. 

 

Sonolenta, foi para o banheiro inacabado e tomou um banho de vasilha rápido - a comunidade vivia com a falta de água. Com as aulas presenciais suspensas e online, ela ia com a genitora para o trabalho, lá, ficava quietinha na lavanderia e conseguia usar o wi-fi da casa e fazia as suas atividades escolares, enquanto a mãe trabalhava - sem parar.  

 

Quando saiu do banheiro, a mãe já estava pronta, fazendo café e preparando três beiju. O irmão ainda estava dormindo, ele também havia chegado tarde, quase de madrugada, ser entregador não é fácil. 

 

Ela seguiu para o quarto e foi trocar de roupa. Sem demorar, porque a mãe estava apressando, elas tinham que sair às 5h para conseguir pegar os ônibus antes das seis. 

 

━ Menina, vem logo tomar um gole de café. A gente vai atrasar ━ Chamou a matriarca. 

 

Ela sentou na cadeira e começou a tomar o café com o beiju, mas não terminou porque a mãe a chamou para saírem. 

 

━ Fica com Deus, filho. Não esqueça de consertar a pia. ━  elas pegaram suas bolsas e abriram a porta e… 

 

Tiro, tiro, tiro e mais tiro. 

 

Um corpo caiu na frente delas. A menina  paralisou, ficou em choque. A mãe havia, por impulso, corrido para dentro de casa, mas ela ficou lá, paralisada, ouvindo e vendo os tiros. Até que o irmão a puxou para dentro de casa, trancou a porta e a carregou para o quarto - onde a genitora estava. 

 

Os três ficaram lá, agachados e abraçados. Chorando com os tiros. 

 

Depois de o que pareceu 30 minutos, após os tiros cessaram, o irmão se levantou e respirou fundo. Seguindo ele, a mãe fez a mesma coisa e a menina, ainda abalada e em choque, continuou agachada, tremendo. A mãe se abaixou e acariciou a filha.

 

━ Tá tudo bem, minha filha. Vamos ficar bem ━  disse a mãe sem acreditar nas próprias palavras. 

 

O irmão, mesmo assustado e com o coração acelerado, seguiu para a porta. E ao abri-la, se deparou com a cena: Sangue espalhado no chão como se fosse água, dois corpos estirados no chão; pessoas chorando e gritando. 

 

Sem perceber, a mãe e a irmã estavam do lado dele. A mãe quase desmaiou com a cena, um dos mortos a sua frente era filho de uma amiga. Ela segurou na mão do filho e agradeceu a Deus por ele estar ali e se desatou a chorar. 

 

A menina ficou olhando aquilo sem esboçar reação aparente. Não era a primeira vez que ela via uma pessoa assassinada daquele jeito. Na comunidade, quando as operações começavam, era mais uma vez… morte. 

 

O dia foi um misto de sensações, no trabalho - não teve dispensa, os patrões não tinham nada a ver -, a mãe ficou com o coração apertado por ter deixado o filho em casa só. A filha, na lavanderia como de costume, estava "segura''. 

 

No outro dia, a comunidade “recomeçava”. Foram 28 mortes, mães sem filhos, filhos sem pai e avós sem netos. Mas o tráfico continuava e dali mais algum tempo… mais uma vez... morte. 


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