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23/05/2021 às 00h55min - Atualizada em 23/05/2021 às 00h14min

Comunidade LGBT segue com pouca representatividade na política institucional brasileira

Por conta da homofobia enraizada na sociedade, o grupo também enfrenta dificuldades para exercer os mandatos

Meire Santos - Editado por Ynara Mattos
Reprodução/Google
A representatividade na política institucional é um elemento essencial para a manutenção da democracia e a garantia de igualdade entre todos os grupos. No Brasil, no entanto, a ocupação de cargos políticos ainda é muito desigual, gerando uma sub-representatividade das minorias. A comunidade LGBT é constituída por cerca de 10% da população brasileira, mas possui pouquíssima representação nesse campo.

Para o presidente da Aliança Nacional LGBTI+ e diretor do Grupo Dignidade, Toni Reis, a representatividade é fundamental para solucionar os problemas existentes na sociedade:

 

“Todos precisam ter representatividade institucional, porque é muito importante a voz das pessoas. Quando uma pessoa que sente na pele os seus problemas (assume um cargo político), ela tem capacidade de oferecer respostas e soluções para esses problemas. Nesse sentido, é fundamental a representatividade”, explica.

A luta da comunidade LGBT por um espaço na política começou há anos. Em 1986, o Brasil teve o primeiro candidato assumidamente gay disputando uma eleição, o ex-guerrilheiro contra ditadura Herbert Daniel concorreu como deputado estadual. Em 1992, o país elegeu a primeira transexual para um cargo político, Kátia Tapety foi eleita vereadora do município de Colônia do Piauí. Desde então, houve um aumento progressivo no número de candidaturas nas eleições posteriores.
 

“O grande avanço institucional ocorre a partir dos anos 2000, com a criação de Conselhos e as Conferências de Políticas Públicas de Direitos Humanos LGBT. A partir desse momento, a organização social passa a se consolidar, a entrada nos partidos, desses grupos agora organizados de forma institucional, também se tornou mais presente, tanto que o aumento de candidaturas vem ocorrendo desde esse período de forma contínua, mas uma dificuldade clara ainda, mesmo com o crescimento da presença nos partidos, está no acesso de recursos de campanha para suas candidaturas, que provem das direções partidárias”, pontua o cientista político João Lucas Pires.


Nas duas últimas eleições, houve um crescimento significativo no número de candidaturas e eleitos LGBTs, esse número, no entanto, quando comparados a outros grupos, segue sendo baixo. Em 2018, dos 27 mil candidatos aptos a disputarem as eleições, 160 eram assumidamente LGBTsoito foram eleitos. Nas eleições municipais de 2020, de acordo com um levantamento feito pelo Gay Blog BR para o Jornal o Globo, das quase 600 mil candidaturas, 590 eram de LGBTs, 112 foram eleitos.

Toni Reis conta que a busca tardia dos LGBTs pela participação na política e o número baixo de candidaturas está relacionado ao passado histórico do grupo. A homossexualidade, por muito tempo, foi vista como algo ruim, chegando, por vezes, a ser associada ao pecado e à doença. Esses fatores ainda contribuem para que as pessoas não se assumam e não se exponham na participação política. “Nesse rescaldo cultural de pecado, crime e doença, as pessoas acabam não assumindo a sua verdadeira orientação sexual e acabam ficando dentro de uma expressão que nós criamos, sendo o 'armário', elas ficam encubadas”, comenta.


Para dar mais visibilidade às candidaturas de LGBTs e simpatizantes da causa, a Aliança Nacional LGBTI+ criou o programa Voto com Orgulho, que faz a divulgação dessas candidaturas. Reis conta que “a Aliança tem como objetivo proporcionar e ajudar psicologicamente, juridicamente e também formalmente para que as pessoas saiam (do 'armário') e se candidatem. Se ele for eleito, maravilha, mas o debate é muito importante, é mostrar que nós existimos e queremos respeito”.

João Lucas Pires acredita que a criação de programas que visam dar mais visibilidade a essas pessoas e o surgimento de mandatos coletivos, que “buscam abarcar candidaturas múltiplas com diversas ideias para conseguir abranger um número maior de cidadãos”, abrem espaço para que mais LGBTs se candidatem nas próximas eleições.

PERÍODO ELEITORAL E MANDATOS

Os períodos eleitorais e mandatos de LGBTs tendem a ser mais conturbados do que os das demais pessoas, isso por conta dos diversos ataques que sofrem. Essas agressões são despertadas tanto pelas causas defendidas pelo grupo, que, muitas vezes, não são aceitas por conservadores mais extremistas, quanto pela orientação sexual do político em si, por conta da homofobia que está enraizada na sociedade brasileira.

 

“Pelo histórico patriarcal da sociedade política brasileira, problemas de preconceitos aparecem. (Opositores) tendem a dizer principalmente que sua agenda política não é universal, é específica, e que diversos assuntos são de foro íntimo, e não coletivo, tentando assim desqualificar e gerar descrédito quando, em suma, muitas pautas tratam do que está contemplado na Constituição, sendo o direito de existir com dignidade”, explica João Lucas Pires.


À medida que mais LGBTs conquistam cargos políticos, esses ataques tonam-se mais evidentes. Na última semana, a primeira vereadora transexual eleita em Niterói, Benny Briolly (PSOL), precisou deixar o país por conta das constantes ameaças que vinha sofrendo desde o resultado das eleições de 2020. O caso de Briolly não é isolado, em 2019, o deputado federal Jean Wyllys (PSOL) renunciou ao mandato e deixou o Brasil por conta das crescentes ameaças de morte. Em janeiro deste ano, a vereadora Erika Hilton (PSOL), primeira mulher transexual a ser eleita para o cargo em São Paulo, registrou um boletim de ocorrência por conta das ameaças que vinha sofrendo.

Atitudes homofóbicas também podem surgir entre os próprios parlamentares. Em entrevista ao Marco Zero, o deputado Fábio Félix (PSOL) expôs uma tradição recorrente entre os deputados da Assembleia do Distrito Federal, onde era feito um sorteio na escolha dos gabinetes, pois nenhum deputado homem queria pegar o de número 24, que sempre foi visto em tom de piada. Para Pires, ataques como esse podem contribuir para o aumento da violência contra LGBTs

 

“Hoje, um número crescente de congressistas brasileiros que ataca grupos LGBTs tem feito barulho, principalmente porque tivemos avanços e consolidação no que diz respeito ao respeito e combate a preconceitos históricos, esse grupo pode vir a atrapalhar futuras iniciativas e ao utilizar sua imunidade parlamentar para promover ataques, poder vir a incentivar a violência”, explica. Apesar disso, o cientista político conclui dizendo que esses atos entre congressistas não interferem nas regulamentações já existentes, mas reforçam a necessidade da continuidade de uma busca por maior representatividade da comunidade LGBT


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