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27/05/2021 às 10h51min - Atualizada em 27/05/2021 às 09h06min

Resenha Crítica: Matadouro-Cinco - Kurt Vonnegut

Livro publicado em 1969 apresenta uma percepção diferenciada da guerra

Daniela Palmeira - Editado por Talyta Brito
Foto: Arquivo pessoal/ Daniela Palmeira
 
        “No final da guerra, observou-se que os combatentes voltavam mudos do campo de batalha não mais ricos em experiência comunicável. (...) Uma geração que ainda fora à escola num bonde puxado por cavalos se encontrou ao ar livre numa paisagem em que nada permanecera inalterado, exceto as nuvens, e debaixo delas, num campo de forças de torrentes e explosões, o frágil e minúsculo corpo humano.” Esse trecho se refere a um ensaio de Walter Benjamin, em que o filósofo alemão conta como a narrativa vem se perdendo ao longo do tempo, e nesse caso em especial, como a guerra afetou diretamente essas narrativas, principalmente para as pessoas que se viam obrigadas a vivenciar essa realidade nos campos de batalha, onde a vida toma uma proporção diferente, em meio ao caos dessa experiência tão cruel.
            Em Matadouro-Cinco, Kurt Vonnegut narrativiza essa experiência.  Vonnegut foi um combatente da Segunda Guerra Mundial e em 1944, juntamente com outros soldados norte-americanos, foi capturado pelo exército alemão e acabou indo parar em Desden, cidade alemã localizada no estado da Saxônia, onde ficou até o final da guerra, em 1945, preso em um matadouro. Durante esse tempo como prisioneiro de guerra, Vonnegut viveu um dos piores momentos da sua vida o bombardeio de Dresden, em que a cidade foi destruída e cerca de 130mil pessoas morreram na ofensiva, uma tragédia comparada as bombas nucleares lançadas em Hiroshima e Nagasaki.
            Matadouro-Cinco ou a cruzada das crianças, uma dança compulsória com a morte, nasce da necessidade de Vonnegut em relatar aquilo que aconteceu em Dresden. Através de uma escrita satírica a história reflete as opiniões e críticas do autor sobre a futilidade da guerra, a inutilidade desses massacres e traumas que acompanham essas tragédias. O livro foi escrito durante a guerra do Vietnã, o que reviveu seus sentimentos e tornou ainda mais pungente sua crítica anti-guerra, além disso, a narrativa carrega elementos de ficção científica, estabelecendo-se como um clássico do gênero. O próprio autor confidencia no primeiro capítulo do livro a dificuldade de reunir as memórias e transformá-las nessa narrativa. Ele cita que “O livro é tão curto, tão confuso, tão desarmônico, Sam, porque nada de inteligente pode ser dito sobre um massacre. Todos devem estar mortos, sem nunca mais dizer ou querer nada.” e assim se inicia a história.
            Acompanhamos ao longo do livro a jornada de Billy Pilgrim, um nova-iorquino que vive solto no tempo. Billy viaja no tempo através de um piscar de olhos, já viajou para fora da terra, viveu em um zoológico e conheceu extraterrestres. Billy já cruzou o mundo, casou, ficou rico e teve filhos. Billy poderia ter tido uma vida comum, a não ser pelo fato de ter sido um soldado americano que presenciou o massacre de Desdren, um dos sobreviventes da guerra.  A construção de Billy como personagem principal é uma escolha muito interessante, pois Vonnegut não se propõe a construir heróis de guerra, grandes guerreiros que vencem a gloriosa batalha e depois dela tudo fica bem. Billy é um homem solitário e desinteressado com o que acontece ao seu redor. Ir para guerra no auge de sua juventude não foi uma escolha, o medo sempre falou mais alto, Billy era humano e não via na guerra uma forma de provar coragem.
            Vonnegut demonstra ao longo da história como a guerra é desumana e mesmo tendo chegado ao fim, seus fantasmas se mantém vivos e assolam as memórias de quem se viu preso a essa realidade. Ele busca ainda frisar como no final de todos esses conflitos não há vencedores, não há o que comemorar quando ao chegar no fim a destruição fala mais alto do que qualquer outra coisa.  A trama não segue um fluxo de narrativa linear, o leitor fica pairando no tempo junto a Billy, esperando qual o próximo lugar que suas memórias o levarão. Apesar de no começo ser um pouco confuso, essa quebra de linearidade  permite  ao público conhecer melhor o personagem, que no final das contas não é só um personagem, mas um pedaço do próprio autor materializado nessa história.


   
                                          (Foto: Arquivo pessoal/ Daniela Palmeira)

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