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04/06/2021 às 15h23min - Atualizada em 04/06/2021 às 08h15min

Resenha: Engenheiros do Caos - Giuliano da Empoli

Livro aborda como as fake news, as teorias da conspiração e os algoritmos estão sendo utilizados para disseminar ódio, medo e influenciar eleições

Daniela Palmeira - Editado por Talyta Brito
Reprodução: Amazon
 Giuliano da Empoli é um escritor e jornalista italiano que presenciou a ascensão do Movimento 5 Estrelas na Itália. A forma como esse movimento cresceu e agregou cada vez mais pessoas, influenciou inúmeros acontecimentos no cenário da política atual, que agora dispunha da internet e de suas várias ferramentas para disseminar ideias a todo momento. Esse é o ponto de partida do autor no livro. A partir da popularização do Movimento 5 Estrelas, e como seus membros conseguiram ocupar cargos de poder na Itália, ele mostra como outros movimentos populistas de direita e extrema direita, ao redor do mundo, conseguiram, através da internet – e dos diversos recursos que ela oferece – propagar suas ideias.
É da fortificação cada vez maior desses movimentos que nascem os engenheiros do caos, esses, segundo o autor, são os estrategistas de marketing, programadores e políticos que estruturam, constroem e instauram o caos a partir do uso das tecnologias. Para Da Empoli, os engenheiros do caos trabalham a fim de despertar nas pessoas suas paixões, não da forma convencional em que todos se unem por um denominador comum, mas seguindo o caminho contrário. Selecionam por conta gotas grupos específicos, para no final convergirem entre si. 
“Para conquistar uma maioria, eles não vão convergir para o centro, e sim unir-se aos extremos” (p. 13), explica o autor.
 Nesse sentido, utilizam como uma característica marcante em sua forma de se comunicar um estilo transgressor, no qual seu objetivo é quebrar os códigos da esquerda e o pensamento do politicamente correto. Buscam com isso despertar a cólera e o ódio em seus grupos pré-determinados, dirigindo para cada pessoa a mensagem de ódio que ela precisa ouvir, pois através dessa injeção de rancor, a pessoas se inflamam mais rápido, e se tornam proativas a espalhar e protestar contra absurdos. Diante desse cenário calculadamente construído, entram as fake news e os algoritmos como os protagonistas.
 Trazendo essa realidade para o Brasil, podemos perceber em inúmeros momentos essa ideologia dos engenheiros do caos presente na nossa política. Um desses momentos, o qual o próprio autor cita no livro, é o crescimento do Movimento Brasil Livre (MBL), que começou a se manifestar através das redes sociais, com ideologias que defendiam o liberalismo econômico, o estado mínimo e o livre mercado. O MBL também realizou diversos protestos a favor do impeachment da presidente Dilma Rouseff, bem como, apoiou o candidato Jair Bolsonaro em sua candidatura a presidente.
  Bolsonaro assim como o Movimento 5 Estrelas e Donald Trump, fez sua campanha e garantiu sua vitória por meio da engenharia do caos. A todo momento em sua campanha,  fake news eram lançadas, principalmente em redes sociais como Facebook e WhatsApp. Em pouco tempo essas ‘notícias’ já somavam centenas de compartilhamentos, juntamente com centenas de pessoas indignadas com o que viam ali descrito. Um estudo destacado por Da Empoli mostra que, uma informação falsa tem, em média 70% a mais de probabilidade de ser compartilhada na internet, pois ela é, geralmente, mais original que a notícia verdadeira. Essa foi com certeza uma das estratégias de Bolsonaro e de seus engenheiros que mais trouxeram retorno para sua campanha.
 O autor discorre no terceiro capítulo do livro – e faz um paralelo de forma muito interessante com um episódio da série Black Mirror – como esses políticos, provenientes da engenharia do caos, utilizam de uma comunicação violenta. Muitas vezes utilizando de uma linguagem vulgar e insultos, para se mostrarem como alguém que não tem “papas na língua”, ou que fala a língua do povo e em muitos casos se classificam até como antipolíticos, fugindo da imagem tradicional de políticos engessados e que não falam com o povo, muito menos o representam. É possível ver esses discursos presentes de forma predominante nas redes sociais. 
“Uma máquina temível que se nutre de raiva e tem como único princípio o engajamento de seus partidários. O importante é alimentá-la permanentemente com conteúdos ‘quentes’, que suscitam emoções” (p. 50).
Mais uma vez podemos ver essa realidade refletida no Brasil. O governo Bolsonaro em seu twitter, já fez diversos comentários ofensivos e desrespeitosos. Constantemente em lives ou pronunciamentos agride verbalmente jornalistas ou destrata de questões importantes nacionalmente. Como é o caso da exaltação do presidente a ditadura, ou mesmo no atual contexto de pandemia, em que o próprio presidente incentiva a automedicação, desfaz das medidas de proteção e das mortes provocadas pelo vírus da Covid-19. Esses discursos não se baseiam somente em ignorância, são calculados com o objetivo de despertar nas pessoas o máximo possível de sentimentos, e do resto o algoritmo cuida.
 Afinal, como destaca Da Empoli “Graças à internet e às redes sociais, nossos hábitos, nossas preferências, opiniões e mesmo emoções passaram a ser mensuráveis. Hoje, cada um de nós se desloca voluntariamente com sua própria ‘gaiola de bolso’, um instrumento que nos torna rastreáveis e mobilizáveis a todo momento” (p. 84). Assim, querendo ou não, estamos suscetíveis a ser alvo dos engenheiros do caos.
 Giuliano da Empoli traça ótimos paralelos e explica muito bem como os movimentos populistas de direita e extrema direita estão conseguindo cada vez mais chegar ao poder. Sua mensagem é direta e abre nossos olhos para o que está acontecendo ao redor do mundo e as proporções grandiosas que estão tomando. Esse cenário e a forma que ele ganha a cada dia é desanimador e uma ameaça à democracia. No entanto, sempre há formas de lutar pela democracia, como o autor finaliza citando o discurso de John Maynard Keynes; “Quando toda a sabedoria de nossos homens de Estado foi erigida sobre pressupostos que eram verdadeiros numa época, ou parcialmente verdadeiros, e que o são a cada dia, menos. Nós devemos inventar uma nova sabedoria para uma nova época” (p. 102).

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