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09/06/2021 às 23h36min - Atualizada em 09/06/2021 às 18h24min

Âmago Revolucionário: o nascimento de uma nova sétima arte

Como o cinema francês influenciou o modelo de produção Hollywoodiano?

Ana Luiza Portella
(Foto: Pinterest)

Com 125 anos na conta, o cinema possui uma grande história para relatar. Com os mais variados gêneros, ressignificou de diversas maneiras o modo de fazer arte, deixando uma rica herança para aqueles que sonham em revolucionar igualmente às suas grandes inspirações. Afinal, o que é a arte senão se inspirar genuinamente? Esse era o questionamento da Nouvelle Vague, movimento cinematográfico francês que teve apogeu no final da década de 1950. 

A French New Wave, termo que em tradução literal significa ‘’nova onda francesa’’, não surgiu de mansões de renomados cineastas, e sim das ruas francesas por um grupo de críticos cinematográficos da Cahiers du Cinéma, famosa revista em que esses jovens vieram a seguir para aprender as bases teóricas escritas pelo fundador André Bazin. Os integrantes do grupo contavam com Jean-Luc Godard, Eric Rohmer, Claude Chabrol, Jacques Rivette e François Truffaut; nomes que posteriormente se tornariam famosos no movimento Nouvelle Vague.

Foi, de fato, uma era marcada pela juventude francesa da Guerra Fria que fugia para os cinemas na tentativa de se desvencilhar do moralismo que os cercavam e que acharam-se no movimento, onde finalmente viam as complexidades emocionais peculiares serem representadas nos filmes.
Reagindo contra às grandes produções Hollywoodianas de estúdios famosos, tinham como proposta principal a criação de filmes que abordassem questões pessoais e a vida cotidiana parisiense, tudo em uma narrativa não linear e com técnicas inovadoras de movimentação de câmera e montagem. Financiadas pelos próprios diretores, as produções eram simples e de baixo orçamento, na qual ousavam quebrar paradigmas conservadores da época e exibir temas sociais em suas obras. As cenas eram gravadas em locações reais, improvisando até mesmo nos equipamentos  o que, curiosamente, faziam uso de carrinhos de mercado para movimentos de travelling.

Diretores pioneiros

Teóricos afirmam que o movimento francês iniciou-se em 1954 com o lançamento do primeiro longa-metragem da cineasta belga Agnès Varda, La Pointe Court, apesar de ser reconhecido apenas em 1959 juntamente com Os Incompreendidos, de François Truffaut. Varda se destacou por produzir filmes de um realismo documental carregado de críticas e por ser a única diretora mulher no meio cinematográfico, discutindo em suas obras sobre política, feminismo e representando também grupos marginalizados. 

Com seu brilho eterno, iluminou sabiamente grandes cineastas atuais, como Lynne Ramsey, criadora de Precisamos Falar Sobre o Kevin (2011) e O Lixo e o Sonho (1999). Fica claro como Ramsey se inspira bastante em Os Renegados (1985), filme de Varda, por adotar um tom sóbrio e representar os personagens como pessoas reais, quase como um próprio documentário. Varda deu vida à mulher cineasta independente e fez o uso da voz potente feminina no mundo da arte.  

Jean-Luc Godard também não fica de fora, sendo bem ilustrado nas mais diferentes homenagens. Com Band à Part, um dos grandes sucessos do diretor francês, inspirou Quentin Tarantino a dar nome à sua produtora com o título do mesmo filme e também a famosa cena de três jovens correndo pelo Louvre em Os Sonhadores (2003), de Bernardo Betolucci, semelhante à obra de 1964 de Godard. 

Para além da Europa

O objetivo do movimento era claro: contrariar o sistema padronizado estadunidense e criar um próprio estilo de fazer a sétima arte. Cafeterias rodeadas por parisienses angustiados, trajados em cetim e cigarros baratos conquistaram seu espaço nas telas, onde diálogos filosóficos repousavam sobre mesas de botecos e pés-sujos durante uma noite estrelada na cidade da luz. 

A representação de inquietações contemporâneas dos personagens presos em suas tramas, rompendo com toda uma narrativa linear tradicional, não só chamou a atenção do público europeu, como também ao redor do mundo. E, ironicamente, inspirou logo o cinema que sempre quis ser diferente do mesmo; o de Hollywood. Os mais conhecidos filmes norte-americanos possuem singelos detalhes e toques precisos dessa paixão repentina e duradoura, podendo ser facilmente analisados. 

O inesquecível La La Land: Cantando Estações (2016), de Damien Chazelle, se enquadra perfeitamente como exemplo, já que a obra se assemelha gentilmente com os musicais de Jacques Demy, Os Guarda-Chuvas do Amor (1964) e Duas Garotas Românticas (1967); filmes preferidos de Chazelle. As cores vibrantes, danças acompanhadas por belíssimas cantorias e gestos dos personagens transcendem de uma originalidade, simbolizando também que a arte compartilha de suas mais preciosas inspirações. O curioso é que em La La Land, a personagem que Mia interpreta em sua peça se chama Geneviève, nome da protagonista de Os Guarda-Chuvas do Amor. 

Explorando Agnès Varda, temos em Os Renegados (1985) uma andarilha solitária que acabou por abdicar de uma vida que não a satisfazia, aderindo a jornada de caminhar livremente por todos os lugares que surgiam em sua frente e cruzando o caminho de várias pessoas durante a narrativa, impactando suas vidas de alguma forma, mesmo que apenas de passagem. Soa familiar, talvez. Vemos o mesmo conto aparecendo em Into the Wild - Na Natureza Selvagem (2008), filme baseado no livro homônimo de Jon Krakauer. 

Agnès representa no longa a recusa de viver em uma realidade de submissão e a libertação do medo, dando as mãos para uma dualidade entre a solidão e ser de fato solitária.


E o famoso casal criminoso Bonnie e Clyde, em Uma Rajada de Bala (1967)? É o irmão de O Demônio das Onze Horas, de Jean-Luc Godard, que balança de uma forma cômica na narrativa de amantes que iniciam uma onda de crimes em cada lugar que visitam. O mais curioso disso tudo, é que o cineasta francês quase foi diretor do filme norte-americano.

O longa de Godard é marcado fortemente por cores saturadas, já que o estilo artístico Pop-Art explodia nos anos 60. Cores azul e vermelho se casam harmoniosamente em torno do filme, dando à luz elementos visuais que, até então, passariam despercebidos.

Há também o clássico Antes do Amanhecer (1995), de Richard Linklater, que se aproxima bastante do longa franco-japonês de Alain Resnais, Hiroshima Mon Amour (1959). Ambos retratam uma paixão entre desconhecidos que possuem horas contadas para o desencontro, aproveitando do momento para se conhecerem e compartilhando reminiscências entre si com diálogos poéticos, questionando os limites da memória inerente ao ser humano. 

Os personagens de ambas as obras contam sutilmente, de formas diferentes, sobre os feitos da efemeridade na vida humana, notando-se que, no fim, ambos estavam falando inconscientemente deles mesmos.

As estrelas da Nouvelle Vague

O movimento francês não só moldou o conceito de produzir filmes, como também revolucionou o mundo da moda. O estilo vintage que até foi recuperado pelos jovens do século XXI ficou em alta rapidamente em meados dos anos 60 pelos célebres rostos da French New Wave; em que minissaias, franjas e delineados por lápis de olho eram glamourizados graças às figuras de Anna Karina (musa de Godard em seus filmes), Brigitte Bardot, Catherine Deneuve, Jeanne Moreau, Jane Birkin, entre outros rostos impecáveis que tanto ovacionavam.

Em um modo geral, é inegável a influência do movimento sobre o mundo cinematográfico. Mesmo finalizando-se nos últimos suspiros dos anos 60, seu reflexo se faz presente na memória daqueles que o apreciam e também em grandes filmes herdeiros. A Nouvelle Vague conseguiu cumprir, facilmente, o que tanto almejava no fim; abusar de uma liberdade estética e da representação impecável das emoções humanas nos mais simples formatos.

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