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18/06/2021 às 10h08min - Atualizada em 18/06/2021 às 09h39min

Crônica: o que quero x o que preciso

Aparentemente significam a mesma coisa, certo? Errado

Hellen Almeida - Editado por Andrieli Torres
Ilustração: Reprodução/Freepik
O que quero e o que eu preciso: aparentemente não há distinção entre eles, certo? Mas essa semana aprendi de forma dolorosa que sim, são coisas bem diferentes.

Para os que ainda não me conhecem: prazer, me chamo Clara Fernandes e já compartilhei algumas vivências pessoais por aqui caso queira ler, ficarei grata! Clique aqui e também nessa matéria.


Desde que me lembro por gente, ouço em minha casa o seguinte discurso:Clara, se você deseja algo deve lutar com todas as suas forças, se você batalhar muito, com certeza irá conseguir!” e eu pregava ele fortemente, até duas semanas atrás.

O plano perfeito

Com ele em mente eu já entrei na faculdade com um plano infalível para conseguir um estágio remunerado no meu segundo ano: me esforcei para ter trabalhos publicados e até mesmo fiz cursos durante o verão.

Agarrava toda a oportunidade onde fosse possível eu me destacar, mas teve um preço, não percebi o quanto isso estava me adoecendo: “é só mais um curso, tenho tudo sob controle eu preciso conseguir isso!”, hoje vejo que não, eu não precisava, eu queria.

Entretanto, até a ficha cair eu podia recusar uma videochamada de boa noite com meu namorado, as dores nas costas? Nada de mais, um remédio resolve! Noites em claro e privação do sono? Terei tempo o bastante para dormir quando for uma profissional renomada!

Pois é, não percebia estar castigando meu corpo, minha mente e minha saúde mental, justamente em um ano em que prometi a mim mesma que pegaria mais leve e tentaria aproveitar mais a vida (na medida do que uma pandemia permite). Mas, por qual razão eu queria tanto isso?!

Queria para ter uma renda pessoal, ajudar nas despesas de casa e claro, já garantir um estágio para o restante da graduação. Fiz currículo, portfólio e perdi a conta de quantos e-mails enviei para tantas empresas.

Até que aconteceu: eu consegui um estágio! Estava tão feliz, pulando na cama e lembrando do discurso ouvido desde minha infância, agradecendo-lhe por eu chegar até aqui. Mal sabia eu, que este seria meu maior pesadelo.

O maior sonho se tornou desespero

Na mesma noite em que fui aprovada, criei um cronograma de horário simples, apenas para saber quantas horas vagas eu teria considerando a faculdade, o estágio e demais atividades e bastou isso para o pânico se instalar em mim: com sorte, eu teria apenas uma hora livre!

Então, a crise de ansiedade veio, em meio a respiração descontrolada, lágrimas de desespero e coração tão apertado que parecia que ia falhar, pensei: “isso é muito pesado! Será que consigo dar conta? Preciso mesmo disso?”

Mas logo tomei um banho quente para relaxar minha musculatura que tinha se contraído por inteiro em meio ao pânico, enxuguei as lágrimas e pensei: “Sim, eu preciso disso e vou fazer dar certo!” E fui dormir, mas ao deitar a cabeça no travesseiro a pergunta não cessava: “Vale a pena pagar esse preço? Eu preciso disso?!”.

Na manhã seguinte, era o meu primeiro dia e eu estava mais preocupada do que animada: minhas mãos soavam na entrevista com o chefe e aquela maldita pergunta não saia da minha cabeça, mas fiz tudo mesmo assim.

30 textos em 6 horas?! Fiquei intimidada, mas pensei: "eu consigo!" Porém, eu não consegui, estendi uma hora além do permitido e não fiz nada além de digitar e digitar... digitei tanto que minhas mãos doíam ao ponto de já não sentir

E alimentação? Não tive tempo para comer, ao fim, eu estava tão exausta, mas tinha aula então não podia descansar, entrei em choque: “Essa será a minha rotina de segunda a sexta?! Não terei tempo para mim, minha família, amigos e até mesmo meu namorado? Eu preciso disso? O sacrifício vale a pena?”

A importância em saber dizer "não"

No meu segundo dia eu já estava exausta de todas as formas que alguém poderia estar, minhas mãos doíam tanto que tive que usar munhequeiras com gel anestésico: “FRACOTE!”, pensei.

Mas a resposta para aquela pergunta estava praticamente formada em minha cabeça e eu não gostava dela, eu lutara tanto para isso! Me sentia como uma criança que pede um brinquedo até cansar e quando ganha, já não deseja mais: me senti ingrata, confusa e fraca.

Eis então que meu chefe me informa que meu trabalho estava “inutilizável” e que eu teria uma última oportunidade de me redimir, tendo que refazer todos aqueles textos. Fiquei em choque, aquele esforço todo não serviu de nada?! E agora posso ser demitida no meu segundo dia?

Não suportei, desabei a chorar tanto que meu corpo balançava, minha cabeça doía tanto quanto minhas mãos e minha vista estava falhando de tanto estar fixa na tela. Mais um dia em que não comi, não tirei meu pijama, apenas levantei e fui direto para o computador.

Refiz o trabalho, dessa vez até pouco antes do expediente, mas para isso tive que desmarcar minha consulta na terapia, e esse foi o ponto final. "Não, eu não preciso disso, eu quero! Mas não mais". Mesmo naquela noite eu estava torcendo para não ser aprovada, e caso fosse, me demitiria.

O veredito

E foi o que aconteceu: não gostaram e me dispensaram, eu não poderia estar mais aliviada! Com os dias a dor, nas minhas mãos se foi, tive tempo para mim, chorei na sessão de terapia por estar confusa, não saber o que fazer e nem qual o meu próximo plano.

A questão é: por hora eu não quero ter um plano, só quero cuidar de mim, coisa que não fiz lutando tanto por algo que agora com pesar compreendo que não cabe em minha realidade atual.

Eu quero viver! Assistir séries com minhas amigas remotamente, saber como foi o dia do meu namorado e poder tirar um tempo para mim. Um dia eu terei sim um estágio, mas não quero que seja agora.

Hoje pela primeira vez, o que eu quero é o que preciso: quero e preciso cuidar de mim, por minha cabeça no lugar... Às vezes a oportunidade perfeita aparece na hora errada e foi o que ocorreu, hoje tenho outras prioridades em minha vida e acredito que por hora, sobreviver a pandemia basta como necessidade.

E você: sabe diferenciar o que precisa do que quer?

 
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