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25/06/2021 às 00h00min - Atualizada em 25/06/2021 às 00h01min

POR QUE JORNALISTAS ESTÃO SENDO PUNIDOS POR EXERCEREM SEUS TRABALHOS?

DENÚNCIAS FEITAS PELA IMPRENSA ESTÃO SENDO DEIXADAS DE LADO EM TROCA DE INVESTIGAÇÕES ENVOLVENDO JORNALISTAS

Emanuele Almeida - Editado por Júlio Sousa

 

No dia 12 de junho, o jornalista e editor executivo do site The Intercept Brasil, Leandro Demori, foi intimado pela Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática do Rio de Janeiro (DRCI) pelo crime de calúnia e, junto com o editor executivo, mais dois profissionais da comunicação e figuras públicas serão investigados. 

 

A averiguação tem como base o trecho de uma newsletter de autoria do jornalista publicada em suas redes sociais e no site da organização denunciando a chamada “facção da CORE (Coordenadoria de Recursos Especiais) dentro do atentado ocorrido na comunidade do Jacarezinho - que matou 28 pessoas - se tornando a ação mais letal da polícia no estado do Rio de Janeiro. 

 

Além disso, Demori relata em seu texto que a facção também está associada à morte do menino João Pedro de 14 anos, com a chacina do Salgueiro e com o caso do helicóptero da Maré - as duas últimas contendo mais de 7 mortos cada. 

 
 

REAÇÃO DA IMPRENSA

 

Em resposta à investigação, mais de 100 jornalistas e profissionais da comunicação assinaram um manifesto contra a intimação do editor executivo do The Intercept Brasil.

 

O documento é idealizado pelo jornalista e professor da Unisinos, Daniel Bittencourt. 

Segue trecho do texto: 

 

"Os profissionais abaixo-assinados repudiam mais essa tentativa de coerção ao trabalho de um profissional da comunicação, solidarizam-se com o jornalista Leandro Demori e reafirmam seu compromisso com a liberdade de imprensa, o legítimo direito de sigilo da fonte --assegurado pela Constituição-- e o pleno exercício do jornalismo, fundamental para fiscalizar e denunciar desvios e desmandos do poder público e garantir a manutenção das instituições democráticas deste país", diz a carta.

 
 

LEANDRO DEMORI NÃO É O PRIMEIRO E NEM SERÁ O ÚLTIMO

 

Anteriormente à intimação do jornalista, os apresentadores do Jornal Nacional, William Bonner e Renata Vasconcellos, também foram intimados pela DRCI com o argumento de desobediência a uma decisão judicial relacionada a publicações acerca da investigação das “rachadinhas” no então gabinete de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa.

 

Neste caso, a emissora Globo foi impedida em setembro de 2020 de publicar reportagens que mostrassem documentos sigilosos sobre Flávio Bolsonaro diante da decisão da Justiça do Rio de Janeiro feita a pedido do próprio senador e de seus advogados. 

 

Frente à intimação, os jornalistas foram notificados que, se não comparecessem à delegacia, estariam sujeitos à responderem pelo “crime de desobediência, previsto no artigo 330 do Código Penal” - sujeito a detenção de 15 dias a 6 meses e multa.

 

Porém, em fevereiro de 2021 a Justiça do Rio de Janeiro deu por encerrado o inquérito. Na decisão, a juíza Maria Tereza Donatti afirmou que a finalização da investigação é necessária para ‘restaurar a normalidade e resguardar o livre exercício da imprensa’. 

 

Além disso, a magistrada também apontou uma série de irregularidades na atuação do delegado que conduziu o inquérito, Pablo Dacosta Sartori. Uma delas seria a não atribuição da DRCI no caso, pois possíveis infrações que ocorram na televisão não cabem à delegacia de crimes de informática investigar. 

 
 

E POR FALAR NO SARTORI

 

Além do envolvimento no caso dos apresentadores do Jornal Nacional, Sartori - como delegado titular da DRCI - também está envolvido no caso de Leandro Demori.

Delegado Pablo Sartori (Foto: Paulo Vitor/divulgação)

 

Todavia, no caso do jornalista do The Intercept, Sartori atua como testemunha comunicante de eventual crime de calúnia.

Entretanto, o delegado também está envolvido em outros casos de intimações, como do youtuber Felipe Neto, também investigado pelo crime de calúnia, com base na Lei de Segurança Nacional, por ter chamado, em suas redes sociais, Jair Bolsonaro de genocida baseado na sua gestão frente à pandemia de covid-19. 

 
 

CÓDIGO PENAL E LEI DE SEGURANÇA NACIONAL 

 

A polícia civil utilizou de duas formas de penalidades para as figuras citadas: a Lei de Segurança Nacional e o Art.138 do Código Penal. A diferença mais marcante entre os dois é a forma de aplicação.

 

Enquanto o Art.138 trata do crime de calúnia tendo como base acusações falsas sobre alguém, contendo pena de 6 meses a 2 anos com multa. A Lei de Segurança Nacional é um dispositivo penal criado na época da ditadura, o qual configura pena de 1 a 4 anos de prisão para aquele que difamar o presidente.

 

Com base nestes fatos e nas acusações citadas, é possível ver que ações de investigação por parte da polícia civil são arbitrárias. Desse modo, para o advogado especialista em direito constitucional e fundamental, Henrique Toscano, as atitudes aplicadas por esses órgãos se encaixam em abuso de poder:

 

“Quando você não tem base legal para abrir um inquérito, e é motivado por razões ideológicas para abri-lo, nós estamos na frente de um abuso de poder”, afirma Toscano. 

 

Além disso, Henrique também explica que a aplicação de penalidades envolvendo a Lei de Segurança Nacional pode ser considerado algo forte demais ao envolver a imprensa;

 

A Lei de Segurança Nacional se aplica na situação em que as instituições nacionais se encontram em perigo. Uma figura pública ou jornalista fazer uma denúncia ou constatação baseada em fatos que podem ser comprovados não constitui crime algum”, relata o advogado. 

 
 

A LIBERDADE DE IMPRENSA CORRE RISCOS

 

Ainda dentro do contexto das denúncias de jornalistas, é possível notar o quanto essas ações são nocivas ao trabalho da imprensa e, consequentemente, à democracia.

 

Para Henrique, apesar de acreditar que as investigações que estão correndo na justiça não vão se prolongar, ele afirma que muitas dessas intimações vão continuar acontecendo por serem cortinas de fumaça para grandes ações do governo, como a privatização da Eletrobrás. 

Sendo assim, por trás das averiguações de profissionais da comunicação estão presentes ideologias que vão contra a liberdade de impresa. Além disso, é possível notar que essas ações também têm como objetivo utilizar os meios de comunicação como massa de manobra para apaziguar possíveis reações à movimentações políticas. 

 

Dessa forma, é possível entender a razão por trás da queda do Brasil no ranking de liberdade de imprensa em 2021. Segundo os dados da ONG Repórteres sem Fronteiras, o país caiu da 107ª posição para a 111ª, entrando na zona vermelha do ranking. 

 

De acordo com a pesquisa, o Brasil já vinha caindo no ranking desde 2018 devido à falta de pluralidade dos meios de comunicação. Porém, desde a entrada de Bolsonaro na presidência a situação se tornou mais caótica, pois a partir do momento em que assumiu a liderança do executivo, o presidente e aliados lutam para diminuir a credibilidade da imprensa no país:

 

“Insultos, estigmatização e orquestração de humilhações públicas de jornalistas se tornaram a marca registrada do presidente, sua família e sua entourage”, afirma o texto. 

  

COMO OS PROFISSIONAIS DA IMPRENSA CONSEGUEM SE BLINDAR?

 

Frente às ameaças e intimidações é necessário que o jornalista saiba que pode contar com apoio legal para poder se defender desse tipo de investigação. Apesar das intimações não poderem ser levadas adiante de acordo com a lei, o não comparecimento a depoimentos é passível de penalidades. 

 

Dessa forma, segundo Henrique Toscano, existem associações jurídicas, como a Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) que auxiliam na proteção e amparo legal de ações contra os profissionais da imprensa, realizando defesas de forma gratuita. Além disso, as corporações que empregam esses profissionais têm o dever de também angariar fundos que resguardem seus profissionais.

 

Confira a entrevista na íntegra: 


https://youtu.be/QF-pBE14RJE 

 

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