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08/07/2021 às 19h56min - Atualizada em 08/07/2021 às 19h37min

Crônica: Mitomania - A mentira como forma de vida

Karina Santos - Edição por Brenda Freire
Reprodução: Internet
Hoje o despertador tocou um pouco mais cedo. Acordei, tomei café e enquanto assistia minha série favorita, pensei em sair e fazer amigos. Que bobagem! - Pensei - Desde que comecei a desenvolver isso, a vida não tem sido mais a mesma. Ninguém quer nem ao menos conversar comigo, imagine ser meu amigo!
O dia estava ensolarado, seria realmente um belo momento para cumprimentar o padeiro, o carteiro e quem mais estivesse na rua. Mas, assim que me perguntam se eu estou bem, prefiro esconder a verdade. Dizer “estou bem e você?”, dói muito menos do que me abrir para quem não vai me entender. Contudo, hoje uma tia, a Léia, vem me visitar. Minha psicóloga diz que pode ser algo muito bom, aos poucos minha família está começando a entender, mas ainda sim eu sou um problema. Aliás, acho que sempre fui.

A campainha toca

Resolvo abrir e me dou de cara com a minha tia. Ela veio mais cedo, o que é bem estranho. Faz tempo que não vejo ela, talvez alguns meses e...nossa! Como está diferente! Ela emagreceu bastante e parece bem feliz de me ver. Espero que pelo menos essa vez eu tenha suprido alguma expectativa deles a respeito de mim.

- Meu sobrinho querido! Como você 'tá'? Quanto tempo !
- Entra tia, vamos tomar um café.

Enquanto eu preparava o café na cozinha, dava para ouvi-la da sala me perguntando algumas coisas. É algo normal de tia, mas nunca gostei. Desde a infância sempre fui muito pressionado a conquistar as coisas que a minha família queria e caso eu fosse mal em algo, viravam a cara pra mim e as vezes até me ignoravam. Então toda vez que me perguntam o que estou fazendo da vida, sinto um peso, uma angústia e um medo enorme. Inclusive me lembro de um momento onde eles queriam que eu fizesse aulas de futebol e eu não quis, eu gostava de dança. Isso foi o bastante para que por um mês me ignorassem e apenas me alimentassem. Eu tinha 10 anos.

- E então, me conta, começou aquela faculdade que você queria fazer? Como 'tá' sendo? – perguntou minha tia
- Sim, comecei sim. Está sendo uma loucura! Não paro de fazer trabalhos e atividades, estou estudando quase o tempo todo. Mas é muito bom o final saber que vou ser algo da vida né?! Gosto da ideia de me tornar um economista. – Respondi.
- Que bom! Nós temos muito orgulho de você. Mas posso olhar algumas coisas da faculdade?
- Claro, vamos até meu quarto!

Ao entrar no quarto, livros e mais livros, provas, atividades. Quem entrasse ali realmente pensaria que sou um estudante, até porque eu sou e futuramente serei um economista. Dava pra ver no rosto que ela estava realmente orgulhosa de mim, e eu também estou. Estou feliz com o que está acontecendo e feliz de orgulhar a todos. Na infância, eu amava português e queria ser professor, mas agora o mundo se abriu e eu posso ser até mesmo professor de economia!
Passamos a tarde conversando e contando sobre como a faculdade é difícil, as possibilidades da minha carreira e o que mais envolvesse esse assunto. Confirmou o que minha psicóloga disse, foi ótimo. Fazia muito tempo que alguém não conversava comigo por horas e horas. No final todos se afastaram e não confiam mais. Tudo bem, no lugar deles eu faria o mesmo.
Titia foi embora, ficou um vazio também porque não sei quando alguém virá me ver novamente. A vida é uma grande dureza e muitas vezes você pode ser o que quiser, mas não significa que a realidade seja essa. As vezes a maldade das pessoas vem disfarçada de bondade e ninguém se importa com os efeitos que isso pode ter no futuro. Eu nem ao menos cheguei a fazer à matricula da faculdade, mas isso não me impede de ser um economista e o prazer de ver minha família feliz comigo não tem preço! Eu sou um economista e ponto final.
 
Em algum momento da vida você com certeza já mentiu! Seja uma mentirinha de aniversário surpresa ou algo que se arrependeu depois. O grande fato que diferencia o mitomaníaco do mentiroso comum, é que a mitomania é um transtorno mental onde a pessoa mente compulsivamente, necessita de tratamento psicológico e muitas vezes está associado à resposta de traumas, então a mentira dele surge como uma intenção de se salvar ao invés de querer prejudicar o próximo. A grande maioria sofre de depressão, ansiedade ou bipolaridade. Afinal, alguns amigos se afastam e às vezes até mesmo a família não oferece apoio, o que na grande maioria das vezes se torna o maior dos problemas e com isso, surgem distúrbios mentais associados aquele sentimento de exclusão da sociedade. Um mitomaníaco não sente remorso, afinal, ele vive a realidade que dá prazer na mente dele, mas sente uma profunda tristeza quando vê todo o ciclo social e familiar se esvaindo - o que poderia gerar em nós a discussão de como nossa expectativa sobre alguém afeta o próximo.

 
 
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