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20/08/2021 às 11h02min - Atualizada em 20/08/2021 às 09h12min

Alienação parental: um dano irreparável

Duda foi uma filha impedida de conviver com o pai e Vinícius um pai afastado de seu filho por um tempo

Ianna Oliveira Ardisson - Editado por Andrieli Torres
Fonte/Reprodução: Google
Não ter a chance de estar ao lado do pai porque a mãe, que se separou dele, assim decidiu. Não sentir o abraço dele, não conviver com ele, não compartilhar seus sonhos e temores ao longo do seu desenvolvimento porque uma pessoa decidiu impedir esse contato. Foi assim que Duda cresceu: “Cresci achando que meu pai tinha me abandonado! Eu tinha dois aninhos quando meu pai partiu. Na escola, era uma vergonha e tristeza pra mim, dizer que não tinha pai.”
 
Duda se perguntava como um pai podia abandonar assim seus três filhos, ela era a mais nova daquela família. Começou a se indagar dessa maneira e cresceu a mágoa que sentia quando se tornou mãe. “Quando perguntava à pessoa que me pariu ela dizia que ele foi deixando aos poucos de nos visitar, mas eu não sabia em quais circunstâncias tudo isso ocorria”, ela pondera.  Duda  queria explicações e quem lhe respondia a respeito de suas angústias era a pessoa responsável por afastá-la de seu pai.
 
Essa situação em que um filho fica prejudicado, em relação ao estabelecimento ou manutenção de vínculos com um dos genitores, trata-se do ato de alienação parental. A advogada Fernanda Oliveira Laudares Aguilar explica o conceito: “Alienação parental é o ato de desqualificar alguém em relação a uma criança ou adolescente, interferindo diretamente na formação psicológica deste. O alienador, de maneira geral, inicia um processo de desqualificação e desmoralização, afastando o filho daquele que é alvo desta “campanha”. Na alienação parental pode ocorrer, inclusive, a implantação de falsas memórias. Há, nesse caso, comprometimento da imagem do outro com relação ao alienado, que passa a acreditar nas imagens inventadas.”
 
Algumas decisões, isoladas ou cumulativas, que podem ser tomadas pelo juiz quando é caracterizado o ato de alienação parental vão desde advertência até suspender a autoridade do genitor alienador. Dentre outras medidas pode o juiz também determinar inversão da guarda, multa ao alienador. A decisão mais ‘grave’ seria suspender a autoridade do genitor alienador, “a suspensão da autoridade parental traz monopólio do exercício do pátrio poder para um dos pais e é a menos recomendada. A criança passará a não ter um duplo referencial. O genitor que perde a autoridade parental já não pode mais opinar sobre as decisões relevantes na vida de seu filho. Se a perda se der em caráter de extinção, o genitor perde todos os direitos que detém em relação ao filho”, explica Fernanda.
 
A vida de Duda seguiu sem ter contato com o pai e 40 anos depois ela teve uma surpresa. No Facebook uma mulher a chamou e perguntou se ela era filha do “Fulano” e, descobriu assim, suas irmãs por parte de pai. Aquele momento foi um divisor de águas na vida dela. “A partir desse dia, comecei a questionar tudo sobre meu pai e descobri que cometeram alienação parental com ele, como? Proibindo-o de conviver com seus filhos, autorizando-o a apenas vê-los nas tardes de domingo, numa pracinha de uma cidade do Rio Grande do Sul. Após esse mínimo contato, a genitora decide mudar de estado, a 800 Km do meu pai. Por dificuldades financeiras e proibições por parte da genitora, ele não conseguiu mais ter convivência conosco e acabou formando outra família”. Nesse contato feito pelas irmãs teve a triste notícia que não poderia se encontrar com seu pai, infelizmente ele já tinha falecido. “Eu jamais saberia como seria o abraço dele, jamais ouviria da boca dele o quanto me amava e o quanto lutou por nós”, lamenta Duda. Através das irmãs, ela pôde descobrir um pouco sobre o pai: “eu soube que levava nossa foto na carteira e o quão bom pai foi para minhas irmãs.”
 
Assim como aconteceu na história de Duda, a advogada Fernanda Aguilar constata que, quando alguém decide abrir um processo de alienação parental, dentre as causas mais recorrentes estão  a mudança de domicílio. Além disso aponta também a dificuldade de realização de visitas do outro genitor e desqualificação deste. Fernanda destaca ainda uma situação não descrita na lei como alienação parental, mas que pode ser identificada como e é muito comum: “quando a mãe, sabedora de quem é e onde reside o pai, omite quaisquer dados dele ao filho ou diz que já é falecido, impedindo o relacionamento”.
 
Duda sente a necessidade de ajudar quem passa pela situação que ela viveu e busca alertar a todos quanto pode sobre quão séria e preocupante é a questão da alienação parental. Ela entrou em grupos de trata do asusnto e descobriu que muitas mães no país cometem esse crime e tomou uma decisão: “tenho sugerido aos pais que escrevam para seus filhos(as) com tudo o que possuem de momentos bons com eles e registro do quanto tentaram e foram proibidos. Tenho feito apelo aos juízes desse país que honrem o direito de crianças conviverem com ambos os genitores por igual. Que sejam mais rigorosos com parideiras que maltratam seus filhos. Há também pais (homens) que alienam, mas o número é infinitamente menor.” Duda faz um apelo: “A luta é grande! Eu sou a voz dessas crianças que sofrem porque têm o azar de ter alienadoras, vestidas de mães teatrais. Na época que eu sofri a ausência do meu pai, eu não podia me defender, assim como essas crianças e nenhum juiz me ajudou. Deixem as crianças viverem com seus pais. Deixem os pais amorosos que querem ser pai, serem pais. Essa é a minha luta! Esse é meu desejo! Ajudar crianças que ainda podem receber ajuda, já que eu não tive um final feliz com o meu pai!”
 
Por ironia do destino, ano passado Duda começou a namorar com um homem, já separado, que tem uma filhinha da mesma idade que ela tinha quando foi afastada de seu pai. Ela conta que o namorado vem de uma “separação turbulenta” e que a genitora “se apropriou da filha a ponto de decidir sozinha tudo com relação ao contato do pai com a filha”. Assim como a mãe de Duda ela também foi morar em uma cidade distante da do pai por situações pessoais. Para ver a filha ele precisa fazer uma viagem de cinco horas. A situação piorou quando descobriu que ele estava namorando e “quando ele pedia/implorava para pegar a pequena no sábado e entregar no domingo", a resposta era e é até hoje sempre negativa e com áudios aos berros. Entrou com ação judicial, mentindo que pai e filha não tinham afinidade e que ele nunca foi presente, sendo que ele tem mais de 500 vídeos com a filha, desde o nascimento, sendo pai, brincando e os dois se divertindo”, ela conta. Duda tem revivido de certa forma sua história ao ter contato tão próximo com a situação do namorado, “com tanta maldade e semelhança com a minha história, eu passei a ajudá-lo”, desabafa. Duda também é mãe e diz: “Eu sou mãe, de verdade. Me separei quando meu filho tinha dois anos e nunca fui baixa, cruel e covarde para promover a separação dele com seu pai. Mãe age assim”.
 
Outra história de alienação parental em que vemos o sofrimento dos envolvidos é a de Vinícius com seu filho JP. Vinícius Lima, hoje com 36 anos, teve um filho aos 19 anos. “Apesar da pouca idade e do susto inicial, encontrei apoio em minha família e me responsabilizei desde sempre. Busquei emprego, fui nas consultas e exames, comprei roupinhas e demais itens, pintei o quarto do bebê, fui para o hospital com ela quando a bolsa estourou... e assim seguiu depois da chegada dele”, conta. Passou muitos dias na casa da mãe da criança para cuidar do bebê, entretanto havia uma pressão pelo casamento que ele não desejava, com isso houve desgaste do relacionamento e antes do pequeno completar um ano, terminaram o relacionamento.
 
Alguns problemas começaram a aparecer na vida de Vinícius quando, depois de um tempo, ele iniciou um namoro com outra mulher. Ele não deixou de dar atenção ao filho, “sempre me fiz presente, sempre pegava meu filho para passar dias comigo, muitas vezes passava para dar um beijo, brincar um pouco, levar na pracinha, bem como sempre custeei diretamente fraldas, medicamentos e alimentação”, relata. Apesar de todo seu esforço e presença recebeu dois processos: o de pensão dizendo que o menino estava subnutrido e em condições sub-humanas; e o de guarda e visitas, querendo limitar a participação do pai a fins de semanas quinzenais.
 
Vinícius ainda conseguiu ter contato com o filho por um tempo, por intermédio do avô materno, o qual mantinha um bom relacionamento com ele. Só que, quando o menino tinha seis anos, a mãe casou-se e mudou de cidade, e assim, ficaram distantes. “E aí começou nosso calvário de verdade. Primeiro que eu não tinha autorizado que a criança mudasse de cidade, segundo que era longe e nosso convívio cotidiano ficou impossível, a viagem não era barata e tomava tempo. A mãe costumava não repassar telefonemas, criava muitos obstáculos ao nosso convívio, chegou a me cobrar para trazê-lo quando vinha ao Rio”, conta Vinícius. Foram três anos de muitos problemas, a ajuda que teve foi da equipe da escola para ter informações pedagógicas do filho e participar de eventos e reuniões escolares, aos quais “comparecia na medida do possível”.
 
A advogada Fernanda explica como a pessoa pode proceder caso perceba que está em uma situação de alienação parental: “O início do processo pode ser autônomo ou incidental (quando há em tramitação outro processo envolvendo as mesmas partes com matéria similar). Neste caso, o genitor deve ter certeza de que há alienação, não pode haver dúvidas, pois o processo judicial submeterá às partes aos estudos psicossociais e também às perícias. Sendo assim, o primeiro passo é ter certeza de que se trata de um caso de alienação, o que deve ser avaliado por um advogado especializado.”
 
Depois de três anos a mãe do filho de Vinícius e o marido retornaram para o Rio e passaram a viver, então, em uma comunidade em um bairro ao lado do que ele residia. “Fiquei feliz, coloquei o JP no curso de inglês e as aulas de violão que ele queria”, relata. Vinícius conversou com a mãe da criança sobre a guarda compartilhada umas três vezes e ela negou, então ele entrou com uma ação. A situação ficou complicada, principalmente diante do que o menino teve que presenciar, ele apresenta um caso difícil com o qual a criança precisou lidar: “Assim que ela soube (sobre a ação na justiça), veio em minha casa com a polícia, dizendo que eu não queria entregar nosso filho para ela. Ele quando viu a polícia na nossa porta ficou muito assustado, chorava, se tremia...tive que acalmá-lo para depois ir com a mãe, e em momento algum foi negado anteriormente.”
 
Algumas pessoas contestam a implementação da Lei de Alienação Parental (LAP) e o que estaria por trás dela. Argumentam que é uma forma de acentuar a disputa de poder entre os adultos. Fernanda comenta a respeito: “A Lei 12.318/10 assumiu grande importância quando conceituou alienação parental, levando a conhecimento dos operadores do direito e até mesmo da sociedade esse tipo de prática e o necessário repúdio. A considero importante. Não acredito que a LAP acentua a disputa de poder, pois há muito isso já acontece. O desejo de vingança do ex-cônjuge que resvala nos filhos com a depreciação do outro é prática muito antiga, não se acentuou, no meu ponto de vista, com a legislação. Essa atitude hostil e, por vezes, fruto da separação, não tem relação com o direito posto, com a norma, mas com uma sociedade e seus costumes e, ainda, com um sentimento intenso, uma ferida narcisista que o alienador possui.”
 
Depois do ocorrido com a presença da polícia foram dois anos de muito sofrimento para Vinícius. Ele conta que a mãe proibiu o menino de frequentar o curso de inglês, as aulas de música e até de atender os telefonemas do pai, diz que a criança “vivia como um prisioneiro”. Ele fazia de tudo para se aproximar do filho, relata que: “Eu fazia “visitas clandestinas” na entrada/saída da escola, algumas vezes aparecendo de surpresa e chamando ele na porta de casa... foi um período horrível, mas eu queria que ele soubesse que estava querendo me fazer presente”. Vinícius explica que teve que viver dessa “forma esquisita” para ver o filho, “como se fosse um bandido”. Ressalta também que o filho sofria muito, já que, “a essa altura já entendia um pouco o que estava acontecendo”, analisa. Foram mais de dois anos de processo judicial até obter a guarda compartilhada e, no caso dele, o menino passou a ficar metade da semana com ele e metade com a mãe. Sobre as consequências psicológicas da alienação parental na vida do filho Vinícius diz: “ele passou a apresentar quadros de ansiedade, irritabilidade, choro, problemas com autoestima e faz acompanhamento com uma psicóloga desde então, mostrando bastante progresso.”
 
Vinícius analisa o que viveu: “desde que conseguimos o compartilhamento, ele foi se tornando mais livre, mais leve, menos comedido, capaz de ousar, experimentar e exercer sua curiosidade. Hoje ele mora comigo, algo que foi acontecendo aos poucos, tem uma relação com a mãe da qual eu pouco participo, mas que é livre.”
 
A advogada relata um caso de alienação parental no qual trabalhou: “Houve um caso no qual o pai já havia divorciado da mãe há sete anos. Ele é pai exímio, cuidadoso e zeloso, com vínculo muito estreito com os dois filhos. Mas a mãe decidiu se mudar para outro estado, oportunidade em que simplesmente comunicou o fato para o pai. Desde então o pai começou a perceber significativa mudança nos filhos, que ficaram mais tristes, arredios, mudaram completamente de comportamento. Tudo isso devido à campanha da genitora para mudar de cidade, apresentando para as crianças um ideal favorável na nova moradia, piscina e sauna na nova casa, condomínio de luxo etc. O pai ficou em frangalhos, pois sempre foi excelente pai e amigo para a ex-mulher, pagava a escola dos filhos, uma boa pensão e ainda um imóvel para os filhos usarem futuramente. Infelizmente neste caso a mãe conseguiu se mudar com os filhos e não restou comprovada a alienação, que inclusive é de difícil apuração.”
 
Apesar de muitas pessoas afirmarem que alienação parental é um crime ela se configura como um tipo de violência. “A Lei 13.431 de 2018 conceitua a alienação parental e dispõe que ela é um tipo de violência. Todavia, não há tipificação penal específica para o ato de alienação parental, mas sim mecanismos de proteção e repressão”, explica a advogada Fernanda.
 
Para perceber de forma sensível as consequências da alienação parental vale a pena assistir ao documentário brasileiro “A morte inventada”, de 2009, dirigido por Alan Minas. Os depoimentos presentes representam a pluralidade de indivíduos que podem ser afetados nessa situação. São falas afetuosas que partem da figura filho, pai, mãe e também avô, todos eles retratam a angústia envolvida na delicada circunstância vivida. São famílias despedaçadas pela atitude de um dos genitores. É preciso perceber e separar os papéis “conjugais” do de pai e mãe, a pessoa não está fadada a desempenhar um papel insatisfatório como genitor porque não teve um relacionamento amoroso bem-sucedido. Ninguém pode impedir o outro de exercer seu direito de ser mãe ou de ser pai, o documentário desperta essa sensata reflexão.

Nota: O nome “Duda” é fictício, foi trocado para preservar a identidade da entrevistada.
 

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