Um avião de uma asa só, que almejava voar e vivia triste por não conseguir, foi interpretado por uma menina de 13 anos, na cadeira de rodas. O elenco que fez parte da encenação foi composto por pessoas com deficiência. Com o incentivo dos amigos, o avião consegue voar. Essa narrativa, que traz uma mensagem de inclusão, teve destaque na cerimônia de abertura dos Jogos Paralímpicos em Tokyo, na última terça-feira (24).
Os paratletas têm superado recordes e, sobretudo, preconceitos. Nos quatro primeiros dias dos Jogos Paralímpicos, os atletas brasileiros conquistaram 17 medalhas (seis de ouro, quatro de prata e sete de bronze). Os caminhos trilhados pelos atletas com deficiência foram árduos, porque, nos séculos passados, seus corpos eram vistos como frágeis e debilitados.
“Inicialmente, o corpo da pessoa com deficiência só foi aceito no esporte na vertente de reabilitação”, comenta a pesquisadora Tatiane Hilgemberg. “A pessoa com deficiência colocada na arena esportiva é inesperada, uma vez que o esporte se apresenta como local onde a eficiência e habilidade são valorizadas”.
Na medicina, a deficiência é vista como um problema que precisa ser tratado e, a partir disso, criou-se um modelo para que pessoas com deficiência sejam funcionais e integradas à sociedade, de acordo com Tatiane Hilgemberg.
Os primeiros jogos disputados entre pessoas com deficiência
Em 1944, o governo britânico criou o Centro de Lesionados Medulares, na cidade de Stoke Mandeville, para atender os soldados que tinham adquirido alguma deficiência durante a Segunda Guerra Mundial.
Ludwing Guttmann, diretor do centro, deu início a práticas esportivas como parte da reabilitação dos pacientes. Em 1948, os jogos deixaram de ser apenas para recreação e reabilitação e passaram a ser disputados.
Os primeiros jogos disputados entre pessoas com deficiência aconteceram nos jardins do Hospital de Stoke Mandeville. Guttmann reuniu 16 atletas (14 homens e duas mulheres) com lesão medular e o esporte disputado foi tiro com arco.
Os Jogos de Stoke Mandeville passaram a ter edições anuais, mas ainda eram restritos aos britânicos. Guttmann decidiu que os jogos , então, deveriam acontecer entre atletas de outros países e tivessem a mesma fama dos Jogos Olímpicos.
Devido ao sucesso do evento esportivo e desempenho dos atletas, em 1960 as disputas foram realizadas em Roma, com 400 atletas cadeirantes de 23 países. Quatro anos depois, a sede dos Jogos Olímpicos, Tóquio, promoveu competições esportivas entre pessoas com deficiência e o nível competitivo passou a ser maior, o evento foi nomeado como Jogos Paralímpicos.
Em 1988 foi decidido que os Jogos Paralímpicos fossem realizados na mesma cidade-sede dos Olímpicos. Isto representa um marco porque, a partir daí, os atletas teriam a mesma estrutura dos olímpicos e cobertura midiática maior.
A importância da visibilidade dos Jogos Paralímpicos
A partir do momento que os Comitês Olímpicos e Paralímpicos uniram-se, entre 2000 e 2006, houve maiores investimentos e apoios financeiros. Outro fator importante foi a integração dos dois eventos com um único Comitê Organizador Local.
Esses fatores colaboraram para que os Jogos Paralímpicos se tornassem o segundo maior evento esportivo do mundo em número de atletas e países participantes.
Os meios de comunicação, sobretudo os veículos noticiosos, têm fundamental importância na difusão dos Jogos Paralímpicos e permitem com que preconceitos, estereótipos e visões capacitistas sejam postos de lado.
A pesquisadora Tatiane Hilgemberg comenta que os meios de comunicação influenciam nas normas e atitudes da sociedade. “Percebemos a importância de os jornalistas efetivamente buscarem informações sobre o atleta e o esporte paralímpico em vez de reproduzir ideias estereotipadas, uma vez que os meios de comunicação têm, inclusive, o poder de mudar tais ideias”.
Investimentos no esporte para PCD
Os Comitês Olímpicos e Paralímpicos recebem recursos da Lei Agnelo/Piva, sancionada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso. A Lei, quando ratificada, garantiu que 2% da arrecadação bruta de todas as loterias federais fosse destinada aos Comitês.
Em 2015, a Lei Agnelo/Piva foi alterada com a Lei da Inclusão (13.146/2015) e 2,7% da arrecadação passou a ser destinada ao esporte. Atualmente, o Comitê Paralímpico Brasileiro recebe 37,04% do valor bruto arrecadado de todas as loterias federais e o Comitê Olímpico, 62, 96%, de acordo com o CBP.
Apesar do valor bruto arrecadado, os investimentos no esporte para pessoas com deficiência não alcançam todos os estados do Brasil. O universitário Victor lamenta a falta de investimentos no esporte, na cidade de Imperatriz, no Maranhão, “não tem investimentos, não tem lugar especializado. Eu já tentei entrar em judô, mas não consegui. É complicado. Se tivesse investimentos, nós poderíamos até estar participando de competições”
Victor é deficiente visual, já participou de karatê e natação. Desistiu do karatê por não poder competir com os karatecas. Na natação, disputou um torneio entre pessoas com deficiência e ganhou medalha. Hoje, o universitário não pratica nenhum esporte, devido às dificuldades e, sobretudo, à falta de clubes esportivos especializados.
“O esporte é uma maneira de diminuir o preconceito. É uma forma do indivíduo ser visto e mostrar o seu talento. Porque tem pessoas que acreditam que quem é cego não pode fazer nada. Então, o esporte sempre vai quebrar esse preconceito, essa visão que as pessoas têm em relação a gente”
Nota: O nome “Victor” é fictício. Foi usado para preservar a identidade do entrevistado.