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26/09/2021 às 13h20min - Atualizada em 25/09/2021 às 21h51min

Conto atemporal | a história de Cinderela não se limita a perda de um sapato de cristal

Iludidas e enganadas ao longo dos anos, jovens dos quatros cantos do globo cresceram imaginando que um rapaz em um corcel branco viria a resgatá-las da sua aborrida e triste vida. Mas afinal o conto acabou?

Ivan Fercós - Editado por Ana Terra
O velho conto popularizado pelo mundo afora pelo selo Disney em meados de 1950, foi criado em 1697 por Charles Perrault. Uma típica história de submissão feminina cujo o único herói era um homem branco e rico, um príncipe sem defeitos por quem ela deveria se apaixona perdidamente à primeira vista. Em 1812 os irmãos Grimm deram um ar mais sombrio e até quando os estúdios Disney (1950) a transformaram em uma animação o enredo ainda pendurava. Ao longo dos anos várias tentativas de modernizar o conto foram realizadas nos mais diversos cantos do globo, mas será que Cinderela se tornou obsoleta e enfadonha?!
Cinderella / Reprodução: Disney

Cinderella / Reprodução: Disney


Narrativas como essa para o século XXI não fazem mais sentido. Além de carregarem um discurso misógino quando em tese trata-se um conto infantil. A lista de promessas é grande. Quantas meninas cresceram iludidas com a velha história do príncipe encantado, que ao amadurecer iria encontrar o amor da sua vida e que viveriam juntos felizes para sempre com centenas de filhos em uma casa grande. Com a liberdade de comparação, atualmente, se juntamos todas os singles da norte americana Taylor Swift, teremos micro contos mais contemporâneos do que a de Cinderela, não pela época de sua criação e divulgação, mas sim por sua capacidade de ultrapassar as gerações e as histórias ainda fazerem sentido.
 
O mundo não precisa de mais uma sonhadora
 
No musical de Cinderela, vemos Ella, uma jovem ambiciosa que sonha em montar a seu próprio ateliê, desenhando seus croquis e fazendo vestidos sob medida. Porém, a mocinha se depara com três grandes desafios. A primeira de ser uma jovem pobre e para sua época muitos não dariam crédito, julgando que os seus vestidos teriam sido roubados da casa de algum patrão. Em segundo, pelo simples fato de ser mulher. Jamais uma mulher poderia chefiar e gerenciar negócios, tendo até uma proibição real para que isso nunca fosse contestado pelos plebeus. Já o terceiro era fruto de uma vida com poucos recursos, ela mal tinha dinheiro para comprar matéria prima para produzir seus novos vestidos.   

Outra tentativa de suavizar a narrativa foi percebida no nível de maldade da madrasta e suas filhas. Ninguém é 100% maligno, cada lado da história tem sua versão. E como mulheres elas acabaram sendo forçadas a seguir o sistema opressor se desejasse viver o seu conto de fadas pessoal. Uma princesa de ideias bem progressistas que duelava com o primogênito para assumir o trono e fazer melhorias no reino. Um príncipe que deseja viajar o mundo e conhecer o verdadeiro amor, sem rótulos e merciê. Antes de assumir os seus direitos reais. Enquanto a magia foi concebida pela Fab G, uma fada madrinha drag com tanto brilho que, certamente, ofuscou o recalque de quem não gostou muito dessa modificação leve.

Cinderella / Reprodução: Amazom Prime Video

Cinderella / Reprodução: Amazom Prime Video


Apesar das gravações terem sido durante o período pandêmico do Covid-19, o musical conseguiu entregar no mínimo bons cortes em meio a tanta cantoria, nada de planos focados e abertos em excesso. No entanto, o seu compasso rendeu apenas 40% de aprovação da crítica especializada de acordo com o site Rotten tomatoes.
 
Acreditar no amor é tão retrô? Mas, o que você diria da história de uma jovem órfã maltratada, que busca no amor a sua redenção nos dias atuais. Um ultraje não?! Apesar do passar dos anos, vira e volta o complexo de gata borralheira ganha uma nova versão, enredo e cenário. A mais recente adaptação da lista é o longa estrelado pela cantora e compositora cubana Camila Cabello. Um musical leve com críticas contemporâneas que anda dividindo opiniões (críticos x fãs). “Embora a visão criativa da diretora Kay Cannon e a utilização de músicas conhecidas na trilha sonora apontem para uma readaptação elegante de elementos conhecidos, a execução traz alguns ‘rasgos no vestido’”, diz a crítica publicada na revista Variety.

Abaixo selecionei as melhores adaptações, que ao meu juízo de gosto foram além da simples reprodução, levantando temáticas sociais e representatividade, mesmo quando essa era a menor das preocupações na hora de produzir longas. Parafraseando o príncipe, “Só quero fazer a minha parte para corrigir um sistema falho”. A propósito, listei apenas os filmes mais conhecidos internacionalmente, pois a lista de produções é imensa:
  • A Cinderella Stroy: If the shoe fits (2016): Estrelado por Sofia Carson, o filme teve 57% de aprovação. O longa conta a história de Tessa, uma jovem sonhadora que vive uma vida infeliz ao lado de sua madrasta e sua meio-irmãs. A típica enteada subserviente. Quando a madrasta a obriga a ser sua assistente em um concurso de talentos, ela descobre uma grande oportunidade: seguir seu coração e se inscrever as audições para mostrar o seu talento. Com a ajuda de seus amigos e descobrindo um novo amor, Tessa vai viver uma história digna do clássico Cinderela enquanto pratica de uma competição musical e serve de empregada para a família de sua madrasta.
 
  • A Cinderella Story: Once upon a song (2011): Uma talentosa cantora adolescente (Lucy Hale) deve lutar contra sua madrasta perversa. A talentosa Katie, de 17 anos, oprimida e humilhada pela família que a cria, é obrigada a desistir de ser cantora para que Bev, sua irmã de criação sem qualquer talento, tenha a chance de assinar contrato com uma gravadora. O clássico que eternizou singles como ‘make believe me’, apenas rendeu 62% da aprovação do público. Muito pouco para uma produção que as músicas são lembradas até hoje.
 
  • Another Cinderella Story (2008): A jovem Mary perdeu os pais durante a infância e é adotada por uma cantora pop, que está com a carreira musical em decadência. Quando conhece o astro adolescente Joey Parker, Mary acredita que pode mudar o seu futuro. Joey faz um concurso de dança para encontrar uma nova bailarina e a jovem encanta o rapaz, mas ela foge antes de ter a chance de se apresentar, deixando como única pista de sua identidade um aparelho de música. O jovem (Drew Seeley) deseja se reunir com uma bela dançarina (Selena Gomez). 74% do público aprovou a história dançante.
 
  • A Cinderella Story (2004): Sam (Hilary Duff), uma adolescente na Califórnia, é obrigada a trabalhar como zeladora e lavadora de pratos na lanchonete de sua madrasta (Jennifer Coolidge). Depois de uma confusão com o telefone celular, Sam começa um relacionamento anônimo de mensagem de texto e e-mail com um garoto. Eles concordam em se encontrar em um baile da escola, mas quando Sam descobre que seu amigo secreto não é outro senão Austin Ames (Chad Michael Murray), o garoto mais fofo da escola, ela entra em pânico e procura uma maneira de se tornar mais legal. Apesar de ser mais lembrada pelos fãs do gênero, o longa obteve nota 12 da crítica contrariando os 53% de aprovação do público.
 
  • Rodgers e Hammersteín’s Cinderella (1997): Baseado em musical da Broadway, o filme conta a história de uma família miscigenada. A adaptação teve a aprovação de 86% da crítica e com 74% da audiência. Sinopse: Cinderela (Brandy) se irrita com a crueldade de sua madrasta malvada (Bernadette Peters) e de suas meio-irmãs, Calliope (Veanne Cox) e Minerva (Natalie Desselle), até que sua fada madrinha (Whitney Houston) intervém para mudar sua vida por uma inesquecível noite. No baile, ela se apaixona pelo belo Príncipe Christopher (Paolo Montalban), cujos pais, o Rei Maximillian (Victor Garber) e a Rainha Constantina (Whoopi Goldberg), estão ansiosos para que ele encontre uma amante adequada.
 
  • Cinderfella (1960): com 74% de aprovação da audiência e 60% da crítica conta a primeira história protagonizada por um homem. Com a morte de seu pai, Fella é deixado à mercê de sua madrasta e seus filhos, Rupert e Maximilian. Na tentativa de restaurar sua fortuna, a madrasta de Fella planeja um baile em homenagem à princesa Charmein, com quem ela quer que Rupert se case. O padrinho fada de Cinderfella (Jerry Lewis) (Ed Wynn) o ajuda a escapar de sua madrasta malvada (Judith Anderson) e de seus irmãos adotivos.
 
O musical de cinderela protagonizado por Cabello não teve nenhuma pretensão de revisitar os estereótipos de sua versão original. Com um humor satírico, ele faz piadas de si mesmo e de como o enredo é conduzido em algumas cenas.
 
A crítica bem humorado, por sua vez, transcorre por diversos núcleos da história enfiando o dedo na ferida de assuntos delicados para determinados grupos sociais até nos dias de hoje, como por exemplo, sem capacidade analítica e “pulso”, a mulher não pode gerenciar negócios, pessoas pobres não possuem capacidade intelectual para reescrever o seu contexto social, o amor é apenas um tratado burocrático firmado entre duas pessoas e casamento trata-se da forca para sonhos e desejos, de que fazer o bem não é somente característica feminina e sim do ser humano, homens e mulheres deve ter o mesmo valor e direitos diante da sociedade, foi-se o tempo que casar e procriar satisfaziam as mulheres.
 
Isso tudo, enquanto temos a nossa primeira mulher latina desempenhando um papel de destaque em história de contos de fada. E, sem esquecer a moral do filme, a de que padrões são feitos para serem quebrados, pois não há limites para os sonhos. Lute por aquilo que deseja e resultados positivos tendem a surgir. Não como em passo de mágica, pois com o próprio padrinho de Ella disse, “até a mágica tem limites”.


REFERÊNCIAS:
FALA TACI. As Melhores Adaptações de CINDERELA. Fala Taci, 19 de set de 2020. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=qPn0HGNfqKA>. Acesso em: 21 de set de 2021.
GUGLIELMELLI, Alexandre. Cinderela: Fãs e críticos se dividem com filme de Camila Cabello. Observatório do Cinema, 3 de set de 2021. Disponível em: . Acesso em: 21 de set de 2021.
OTTO, Isabella. I choose myself: a Cinderella de Camila Cabello (e da Amazon) é icônica. Capricho, 10 de set de 2021. Disponível em: . Acesso em: 21 de set de 2021.
PRATINI, Vitória. Chega de Cinderela! Seria o clássico conto obsoleto para os dias atuais? (Opinião). Adoro Cinema, 3 de mar de 2019. Disponível em: . Acesso em: 21 de set de 2021.
PRATINI, Vitória. Chega de Cinderela! Seria o clássico conto obsoleto para os dias atuais? (Opinião). Adoro Cinema, 3 de mar de 2019. Disponível em: <https://www.adorocinema.com/noticias/filmes/noticia-146608/>. Acesso em: 21 de set de 2021.
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