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08/10/2021 às 10h37min - Atualizada em 08/10/2021 às 10h14min

Violência obstétrica: o que é? Como denunciar

Apesar da dor física, dar à luz não é sinônimo de sofrimento, mas pode ser para algumas mulheres que sofrem violência obstétrica na hora do parto

Isabelle Gesualdo - Editado por Talyta Brito
Foto/Reprodução: Pexels

Na tarde do dia 17 de julho, a diarista Patrícia Souza, 44 anos, foi à maternidade com dores de parto. A ansiedade era tamanha para ver o rosto da filha, a expectativa era que ela chegasse no local e desse à luz de maneira tranquila, como foi nos partos anteriores. No entanto, o momento acabou se tornando a experiência mais traumática da sua vida. 

 

Patrícia foi sucumbida pelos diversos tipos de violência obstétrica. Foram três dias de sofrimento. O desejo dela era fazer cesárea, pois já sabia que a gravidez era de risco e queria laqueadura, mas a voz e os desejos de Patrícia não tinham valor algum. Enquanto as outras mulheres pariam e eram liberadas com seus bebês, ela continuava ali, sem comer, na esperança de fazer uma cesárea, a aflição parecia não ter fim.

 

Já passando do momento da sua filha nascer, ela foi dopada com remédios para sentir dor. Quando as dores chegaram, ela sentia que havia algo de errado com a criança. As enfermeiras desdenharam do que a gestante estava sentindo. “Elas me diziam ‘ela não sabe que parir é desse jeito? vai ter que aguentar’. Mas eu sabia que alguma coisa anormal estava acontecendo. Eu pensei que ia morrer, me deixaram à mercê. Elas {as enfermeiras} ficavam sorrindo alto e andando pelos corredores do hospital enquanto eu pedia ajuda”, conta Patrícia. 
 

Fraca, debilitada e vulnerável, Patrícia viu a filha nascer com o cordão umbilical enrolado no pescoço. Ela afirma que, se fosse ouvida pela equipe médica, não teria passado por tanto sofrimento.

 

A Constituição Federal de 1988 assegura o direito ao acesso à saúde para todos os  cidadãos. No entanto, apesar de usufruírem dos serviços do sistema de saúde,  uma em cada quatro mulheres sofre algum tipo de violência durante o parto, de acordo com a pesquisa “Mulheres brasileiras e gênero nos espaços público e privado”, feita pela Fundação Perseu Abramo em parceria com o Sesc, em 2010.
 

O termo violência obstétrica se refere aos diversos tipos de agressão que a mulher sofre no pré-natal, durante o parto e/ou no puerpério. Essa forma de violência contra a mulher pode desencadear problemas físicos e psicológicos, o mais frequente é a depressão pós-parto.  

 

Apesar de o termo ser muito utilizado, há algumas polêmicas, sobretudo no campo da medicina. Os obstetras consideram a terminologia reducionista e equivocada, pois, ao usar o termo “violência obstétrica”, imagina-se que a agressão é praticada pelo médico obstetra, mas a violência pode partir de qualquer profissional da saúde que esteja atendendo a gestante. 

 

Diante da falta de consenso, o Ministério da Saúde divulgou, em 2019, uma nota banindo o termo violência obstétrica em documentos legais e em políticas públicas. No entanto, retirar o termo ajuda a jogar o problema para debaixo do tapete e impede que políticas sejam criadas. Após ativistas reivindicarem a decisão, o Ministério da Saúde reconheceu o direito das mulheres usarem o termo como forma de representar as diversas formas de violência que acontecem antes e durante o parto. 

 

A pesquisadora em Direitos Humanos, Artenira Silva, comenta que a maioria dos casos de violência obstétrica que estão na justiça são considerados erros médicos. “Se é um erro, a gente está lidando com um tipo de ilicitude, mas se é uma violência, estamos lidando com crime, temos uma responsabilidade penal. Então, a violência obstétrica precisa ser preservada enquanto termo, mas ela ainda é confundida, na jurisprudência, como erro”, diz Artenira em entrevista à TV Saúde. 

 

Tipos de violência obstétrica

 

A Organização Mundial da Saúde (OMS) identificou sete tipos de violência obstétrica, com base em um levantamento feito em 34 países: 

 

Violência física

Todas as práticas e intervenções desnecessárias feitas sem o consentimento da gestante. Os procedimentos mais recorrentes que caracterizam esse tipo de violência são a episiotomia (corte feito entre a região da vagina e do ânus para facilitar a passagem do bebê), “ponto do marido” (sutura além do que é necessário para que a vagina fique mais estreita e aumente o prazer sexual do homem), ocitocina sintética (droga usada quando não há evolução na dilatação, se aplicada sem necessidade, é considerada violência).

 

Violência sexual

Além da episiotomia e do “ponto do marido”, outros tipos de violência obstétrica são caracterizados como abuso sexual: raspagem dos pelos pubianos, dar ordem para que a parturiente fique em uma posição a qual ela não se sente confortável, movimentos indelicados na região íntima.

 

Abuso verbal

Todos os tipos de xingamentos e comentários desagradáveis e desrespeitosos contra a gestante. 

 

Discriminação

Preconceito relacionados à etnia, idade, classe social e condições médicas.

 

Negligência

Negar atendimento ou deixar a gestante esperando por um longo período de tempo.

 

Falta de comunicação entre a gestante e a equipe

O mau relacionamento entre a parturiente e a equipe médica pode ocasionar procedimentos realizados sem consentimento. Para evitar, é recomendado que a mulher gestante crie um plano de parto durante o pré-natal, relatando a maneira como ela gostaria que acontecesse o parto. 

 

Falta de recursos

As más condições no sistema de saúde, sobretudo na rede pública, pode designar situações desagradáveis durante o parto. 

 

Sofri ou conheço alguém que sofreu violência obstétrica, o que fazer?

 

Muitas mulheres não se dão conta que sofreram algum tipo de violência durante o parto, por diversos motivos, o principal deles é acreditar que os partos têm de ser desumanizados e agressivos. Os casos desse tipo de violência contra a mulher são tão recorrentes que acabam sendo normalizados. 

 

Outras gestantes não se reconhecem como vítimas dessas práticas ilegais por estarem anestesiadas e fragilizadas. Nesse sentido, existem, no Brasil, algumas políticas de prevenção contra esse tipo de agressão: o Programa Nacional de Humanização do Parto e Nascimento, garante que a mulher seja protagonista, as decisões e escolhas da grávida devem ser ouvidas e respeitadas durante o pré-natal e parto. A Lei do Acompanhante, sancionada em 2005, determina que toda gestante pode estar acompanhada de alguém da sua escolha durante o trabalho de parto e também no pós-parto. 

 

Em caso de violência obstétrica, a gestante ou o acompanhante pode - e deve - realizar a denúncia. Para isso, alguns passos precisam ser tomados:

 
  • Fazer a denúncia na Ouvidoria do próprio hospital que a atendeu, levando os documentos e o relato

  • Procurar a Defensoria Pública (gratuitamente) ou advogados

  • Acionar a Secretária Estadual ou Municipal de Saúde 

  • Também é indicado realizar a denúncia à Central de Atendimento à Mulher, ligando no 180


 

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