“Ela somente vive, inspirando e expirando, inspirando e expirando. Na verdade, para que mais que isso? O seu viver é ralo”. Resgatado do livro A hora da Estrela, de Clarice Lispector, esse fragmento oferece um vislumbre do que é ser marginalizado no Brasil da fome. Macabea, protagonista da obra, reflete milhares de brasileiros que lutam dia após dia em busca do próximo suspiro.
Ao mesmo tempo que a mercadoria segue acelerada, enchendo o bolso dos seus comandantes, brasileiros em situação de vulnerabilidade esperam horas em filas por doações de ossos. Como Macabea, uma moça pobre e nordestina, a sociedade da fome é um fato que tentam encobrir, mas há anos é escancarado.
Nem mesmo a Declaração Universal dos Direitos Humanos conseguiu assegurar o básico da existência. Afinal, é preciso reconhecer a vida, a saúde e a integridade física para além da teoria. É preciso reconhecer que o viver concreto das vítimas da subnutrição é embaçado e consumido pela fome.
Quem culpar por tanta omissão? Clarice não nos diz diretamente em seu livro, mas deixa claro: “não sei a quem acusar mas deve haver um réu”. Isso porque a fome é fruto de um processo crescente, amedrontador e multifacetado. Atualmente, alimenta-se da vida de 19 milhões de brasileiros que sentem diariamente o peso do vazio no estômago.
O final da sociedade de Macabeas não apresenta grandes reviravoltas, tampouco alegria e esperança. Ele costuma ser como o da protagonista nordestina: repentino, solitário e ansioso. Além disso, para quem luta contra a escassez de alimentos, o amanhã é sempre mais incerto, revelando que a vida é como lemos em A hora da Estrela: “um soco no estômogo”.