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15/10/2021 às 11h53min - Atualizada em 15/10/2021 às 11h48min

Em busca de um sonho

A luta invisível do jovem que sai do interior para cursar graduação em grandes centros urbanos

Heloisa Helena de Paula Nogueira - Editado por Larissa Bispo
Reprodução: Internet
 
Um dia, alguém disse que o sonho dá sentido à vida. Esse alguém estava correto; o sonho é o combustível que faz a humanidade caminhar da “representação utópica da realidade”, de Nietzsche, até o “sonho realizado”, de Drummond. E esse mesmo Drummond já alertou sobre as pedras que se encontram no meio do caminho. Pedras estas que perpassam por gerações e impõem um ou mais desafios diferentes para cada uma delas. Se tratando da atual geração, as pedras no meio do caminho são inúmeras, e uma dessas pedras que se apresenta com veemência, como uma barreira quase intransponível, é a dificuldade que o estudante interiorano enfrenta para realizar o sonho de cursar o ensino superior.

O Censo da Educação Superior de 2018 aponta que 34% dos jovens brasileiros mudam de estado para cursar ensino superior. Mas fica evidente que não precisa ir tão longe para apontar as dificuldades dos estudantes que deixam seus locais de origem. Minas Gerais, por exemplo, é o estado que contém o maior número de municípios no Brasil; eles são 853 (fora os distritos e povoados), além disso, apresenta muita diversidade e, claro, pessoas que buscam realizar o sonho de cursar o superior. Muitas delas saem das suas pequenas cidades para fazer a graduação na capital ou em outros centros urbanos dentro do próprio estado. No entanto, trata-se de uma luta tão invisibilizada que não se tem nem estatísticas sobre ela.

Que o acesso à informação é essencial na vida de qualquer pessoa, todo mundo sabe. Caso alguém pergunte a um profissional do jornalismo quais são as características essenciais da profissão, certamente, a proximidade estará na lista. Enquanto ele fala, os satélites se esforçam para captar as informações capturadas no eixo Rio-São Paulo e disparar para as antenas parabólicas nada tímidas, distribuídas pelos pontos remotos das Minas Gerais.

“Por se tratar de uma cidade pequena, no interior, e eu ainda por ser da zona rural dessa cidade, praticamente, não tinha acesso a nenhuma informação da cidade de Belo Horizonte, vivíamos praticamente no escuro nessa época [em que ela passou a infância e adolescência]. É claro que isso afeta muito a vida do estudante, você chega à capital e se depara com um mundo novo”, relatou Suely Pereira, Bacharel em direito pela Faculdade Pitágoras e natural de Coluna, cidade que fica a 363 km de Belo Horizonte.
 
Na mesma Itabira de Drummond, nasceu Paulo Henrique Dias, mais um estudante que deveria ser incluído na estatística dos “forasteiros” dentro do seu próprio estado, caso ela existisse. Paulo poderia ter sonhado em ser um Drummondzinho, poderia querer apenas concluir o ensino médio e continuar em Itabira cuidando de gados, ou, quem sabe, trabalhar na Vale, mas ele foi atrás do seu sonho.
 
“Eu tinha um sonho [na verdade, um propósito], ajudar as pessoas que são denominadas invisíveis da nossa sociedade ‘socialista’. Acompanhando o trabalho do Cabrini, Marcelo Rezende, Fábio Pannunzio, Domingos Meirelles e outros nomes de peso do jornalismo, decidi que [seria jornalista] sairia por este Brasil afora, mostrando e denunciando as mazelas que sempre estão embaixo do tapete”, declarou Paulo Henrique Dias, bacharel em Jornalismo pelo Centro Universitário de Belo Horizonte.
 
Ideologias interioranas
 
Não basta afirmar que quer fazer uma faculdade, é preciso lutar contra ideologias e crenças limitantes impostas dentro das pequenas cidades e com a falta de políticas públicas de incentivo ao estudo nesses municípios que ofertam apenas o ensino básico. Maria Luiza Próton, natural de São Vicente, distrito da pequena Baldim, afirma que seus professores incentivavam os alunos a estudar, sair da cidade e ter um bom emprego. Ela disse também que, antes de cursar a universidade, fez um curso de inglês e um técnico, ambos ofertados em Sete Lagoas, mas seus pais se viram obrigados a arcar com os custos.
 
Enquanto Maria Luiza recebia incentivo dos seus professores para avançar com os estudos, Suely pontuou que, em Coluna, a situação é diferente: “Como a cidade é muito pequena e sem recursos, a educação é colocada de lado e, assim que conclui o ensino médio, o jovem se vê obrigado a procurar um emprego”. Ela mesma, Suely, mudou-se para Belo Horizonte para trabalhar como doméstica.
 
Um novo lar - a “cidade grande”
 
A chegada na cidade abre um mar de possibilidades e descobertas e, concomitantemente, de dúvidas e desafios.
 
“O meu processo de mudança foi dolorido, mas encarei. Meus pais estavam se separando, eu estava deixando a minha avó para trás, a rotina foi desconstruída. Foi tudo novo para mim, vim morar com os meus tios, era outra cultura, outra vivência, outro mundo, outra cidade. Comecei do zero novamente”, contou Paulo Henrique.
 
Maria Luiza foi aprovada no curso de farmácia da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), “fiquei extremamente feliz e orgulhosa de mim mesma, fui a primeira da família a passar em uma universidade [federal]”. Ela conta que conseguiu, por meio de pesquisa, uma república em que fosse capaz de se adaptar e conseguiu, “a república 171 feminina é a minha família!”
 
A dupla jornada
 
Longe de casa, longe da família, esses jovens “recém saídos da adolescência” se vêem obrigados a deixarem o lúdico de lado de forma mais abrupta e tornam- se, paralelamente, estudantes e trabalhadores – precisam se sustentar.

Suely se dividia entre a faculdade, as faxinas e o estágio. Paulo Henrique começava seu dia às 4h30 da manhã. Durante o dia trabalhava na Central de Abastecimento de Minas Gerais (CEASA/MG) e à noite ia para a faculdade, só chegando em casa às 00h10.

O custo de vida na capital é alto e, muitas vezes, esses estudantes se viam no dilema entre pagar a passagem e comprar um lanche.
 
A faculdade
 
A faculdade é um sonho que se sonha junto: com os pais, os irmãos, os avós, os amigos, os conterrâneos e, como tudo que é sonhado junto, gera projeções e expectativas, mais um fardo lançado sobre o jovem: cumprir com as próprias expectativas e com as dos outros. Como bem disse o Paulo, passar em uma faculdade é uma salada pronta de incertezas internas e muita alegria.
 
Cursar uma graduação é um período de grandes descobertas, alguns dizem que não poderiam ter escolhido um curso melhor. Maria Luiza escolheu farmácia quando ajudava a cuidar de sua avó e, quando chegou à universidade, ficou imersa naquele universo de pesquisas e extensões que a fez querer seguir na profissão.

A faculdade poderia também ser comparada a um jogo de azar, já que nem todos têm a sorte de escolher corretamente um curso. Ou, melhor, não é sorte; é que não se tem aparatos para isso.
 
“A partir do segundo período da faculdade, alguma coisa me dizia que eu comprei ingresso para o show errado”, Paulo Henrique, aquele garoto que sonhava em ser como Cabrini, se viu frustrado ao perceber que “a faculdade não prepara o aluno para o mercado e acaba por inflar as ilusões dos graduandos sobre o mesmo”.
 
Quanto à questão da faculdade privada não preparar o aluno para o mercado, a Suely trouxe uma sugestão: “deveria haver mais parcerias entre as faculdades, o setor privado e o setor público, para que os alunos tenham mais oportunidades de vivenciar as teorias na prática”.
 
Desistir não está no vocabulário do Paulo, que é amplo e permeia em entre metáforas e os ditados populares no interior das Minas: “[Apesar de não ter escolhido bem o curso] hoje, estou bem localizado no espaço do meu universo”, a perseverança e a persistência são primordiais, tudo envolve desafios e renúncias, mas “é na subida que a canela engrossa”.
 
Pandemia - estudos, desigualdade e desemprego
 
De acordo com o IBGE, a taxa de desemprego entre jovens de 18 a 24 anos era de 31% no ano de 2020, a maior já registrada no país. E, segundo o Centro de Integração Escola Emprego (CIEE), nos primeiros meses da pandemia, a contratação de estagiários caiu em 83% no país.  E não apenas as contratações foram impactadas negativamente, os estudos também.
 
“Fiquei um ano sem aulas, os professores e a universidade precisaram se adaptar à modalidade de ensino à distância (EAD)”, afirmou Maria Luiza.
 
Ainda de acordo com o IBGE, 4.1 milhões de estudantes da rede pública não têm acesso à internet.
 
Nos primeiros meses de pandemia, Suely ainda era estudante da rede privada de ensino superior, mas também sofreu com a falta de acesso à rede. Para ela, o ensino presencial fez total diferença, já que ela não poderia contar com os laboratórios da faculdade para fazer trabalhos e pesquisas e precisaria aumentar a velocidade da internet para assistir aulas totalmente remotas, o que pesou o orçamento que já se mostrava apertado.
 
Como se não bastassem todas as dificuldades, as universidades públicas passaram a ser rotuladas pelo poder público como “balbúrdia”. Maria Luiza, estudante de farmácia, rebate: “Nós alunos tentamos contribuir com nosso conhecimento e sempre temos professores dispostos a nos estimular. Nesta pandemia foi possível ver o quanto nossa balbúrdia é importante para a ciência e pesquisa, apesar desse (des)governo querer provar o contrário”.
 
Diante de todas as dúvidas, há uma certeza: a pandemia veio para rasgar as cortinas que insistiam em tentar esconder o abismo da desigualdade social brasileira.

 

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