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22/01/2022 às 14h34min - Atualizada em 22/01/2022 às 14h34min

Cazaquistão, Líbano, Sudão e Europa: as primeiras manifestações que mobilizaram massas ainda na primeira quinzena do ano

Lucas Nobres Durães Pires Veiga das Neves - Editado por Ynara Mattos
Pessoas passam por carros queimados após os confrontos em uma rua de Almaty, no Cazaquistão, na sexta-feira (7). — Foto: Vasily Krestyaninov/AP

O ano de 2022 começou, mas antigas reivindicações, paixões e convicções não ficaram em 2021. A História é escrita a todo momento sendo como uma ferida que nunca fecha. Passam-se séculos, milênios e anos e em certos momentos as cicatrizes se abrem. A primeira quinzena de janeiro mostrou isso de maneira pungente. Pessoas convencidas de forma tola que as restrições anti-covid e as vacinas não funcionam tomaram a Europa. No Líbano foi instaurado o “Dia da Raiva” como forma de protestar frente a grande crise que o país enfrenta ganhando mais notoriedade após a “Revolução de Outubro” em 2019. Ainda na Ásia, o Cazaquistão viu mais de 160 pessoas morrerem em uma semana durante manifestações anti-governo. No Sudão, os protestos anti-golpe seguem tomando as ruas. São nações espalhadas pela África, Ásia e o ocidente e podem desenhar o cenário político no mundo e em seus respectivos continentes em 2022 e influenciar os ares políticos nos anos subsequentes também. 

A História é permanente e os países mudam conforme a geografia e cultura, mas ainda há muitas coisas em comum e que apesar do passado, não há como escorrer pelas mãos do futuro e do presente. Populações se mobilizaram e foram para as ruas. Gritaram suas pautas, desde as mais insanas até as mais sensatas e algumas mobilizadas de um mesmo modo: através da internet. 

O cientista político João Pires conversou com o Lab Dicas diretamente de Portugal e fez uma análise de cada protesto e a conclusão geral.
 

“Protestos tem surgidos em diversos locais do mundo, com pautas múltiplas o ponto comum entre esses vários protestos passa pela capacidade de mobilização provinda da internet.”, declarou o cientista.

Os depoimentos serão postos na íntegra de acordo com cada região.

 

ANTIGO-NOVO REGIME...

02-01-2022 Após observar o gabinete civil sendo destituído pelos militares e ser preso em outubro de 2021, o premiê Abdallah Hamdok fez um acordo com seu maior inimigo há pouco tempo: os próprios militares. Às seis semanas seguintes foram suficientes para a população do Sudão, país na África Ocidental, se mobilizar em prol de um regime democrático. 

Na frente das câmeras de TV, Hamdok assumiu seu fracasso como alguém que perdera uma guerra militar, entregando o país a própria sorte. No anúncio, alegou que a sobrevivência da nação está “ameaçada”. Ainda em depoimento público, disse que as diferentes forças que interromperam o gole no ano de 2019 estão “fragmentadas”.

O cientista político João Pires disse, “O Sudão era um país antes do golpe de estado que aconteceu recentemente, que está a 30 anos com o mesmo governante Omar al-Bashir, existia um pequeno movimento por parte do governo de democratização da política, porém com o aumente de preços de diversos produtos que levaram a população as ruas, o governante respondeu com medidas duras e dissolveu o gabinete de governo e  tinha decretado estado de emergência, acabou deposto por um golpe de estado, militares forjada um governo provisório em um acordo com o então primeiro ministro Abdalla Hamdok, mas renunciou ao não conseguir avançar com acordos para a transição. Assim a situação no Sudão é extremamente sensível e incerta no momento janeiro de 2022”.


 

HOLANDA: MEIOS AVANÇADOS, IDEIAS RETRÓGRADAS

02-01-2022 O movimento anti-vacina, anti-restrições para conter o avanço da pandemia e suas teorias da conspiração cresce tanto quanto o número de novos casos da variante Ômicron ao redor do mundo. Somente nesta primeira quinzena do ano, contando com a Holanda, pelo menos 5 países da Europa se mobilizaram em prol da extinção das ideias de um passaporte vacinal, a “liberdade” de não se vacinar e contra as ideias de restrições e medidas para conter o avanço da pandemia. A polícia soltou cachorros no meio da confusão e as imagens viralizaram no Twitter. As delegacias holandesas contabilizaram 30 presos.

No dia 02 de Janeiro, antes mesmo do ano completar uma semana, manifestantes foram até a Praça Museumplein, em Amsterdam, capital holandesa, para gritar pelas pautas citadas no parágrafo acima. A mobilização feita através da internet, com direito a transmissão ao vivo e chamadas para adesão. O cientista político João Pires frisou a influência dos novos meios para recrutar os manifestantes e a influência deles. 

Com a ascensão das redes sociais e dos avanços tecnológicos, as novas formas de comunicação alteram o eixo de verticalidade tradicional da informação e permitem que o ato que está acontecendo e está sendo transmitido posso ser alterado conforme seu próprio acontecimento, os protestos recentes na Holanda retrata bem isso, a mobilização era feita pelas redes sociais, a transmissão deles também, assim como pela televisão, porém ao transmitir pelas redes sociais a interação com o que estava acontecendo, diferente da transmissão televisiva ou jornalista, permitiu a mudança da narrativa dos atos que a princípio eram protestos e começam a ter teor de violência e enfrentamento com forças policiais, essa mudança de trajetória no ato ocorre em meio a interação das transmissões e sua capacidade de mobilizar mais pessoas e de que quanto maior a radicalização que foi acontecendo maior o engajamento que ocorre”, declarou João Pires


 

ONDA DE ÔMICRON... E NEGACIONISMO

09-01-2022 Pouco mais de uma semana após os protestos na Holanda, assim como um vírus, as manifestações anti-vacina e restrições tomaram conta de outros países europeus e até mesmo o Oriente Médio, como o Líbano. No dia 09 do primeiro mês de 2022, a Bélgica e a República Tcheca se tornaram palco do negacionismo. Manifestantes saíram às ruas para protestar contra as restrições adotadas pela União Europeia para conter o avanço da variante Ômicron do Novo Coronavírus. No dia 08, a Alemanha e a Áustria foram as protagonistas. Infectologistas demonstram preocupação com os não vacinados, pois estes podem contribuir com um colapso do sistema de saúde europeu.

Na Bélgica, 5 mil pessoas se concentraram em Bruxelas e carregavam cartazes com os dizeres: “Ditadura da Vacina”, em menção ao passaporte vacinal. Pelo menos 11 manifestantes foram presos por porte de fogos de artifício. Não é o primeiro protesto violento na Europa, como citado anteriormente, na Holanda, 30 foram presos. No país, entre 30 de dezembro e 5 de janeiro, a Bélgica registrou um aumento de 96% dos casos de Covid-19.

Em Praga, na República Tcheca, as pessoas pediam “liberdade”, mais uma vez em menção ao passaporte vacinal, adotado em vários países. O governo tcheco estuda tornar a vacina obrigatória para maiores de 60 anos, médicos, estudantes de medicina, policiais e bombeiros. A medida fora decretada em dezembro pelo então primeiro-ministro, Andrej Babis. Seu governo foi substituído por uma coalizão de 5 partidos, liderada por Petr Fiala. Este considera suspender a obrigatoriedade para os sexagenários, mas não descartou manter para os outros grupos citados.

A cidade de Viena viu 40 mil pessoas se reunirem para protestar mais uma vez contra restrições anti pandemia do governo austríaco no dia anterior às mobilizações na República Tcheca e Bélgica. O chanceler federal austríaco, Karl Nehammer, que apresentou teste positivo na sexta-feira, afirmou que pretende manter a regras a partir de 1º de fevereiro. Assim como numerosos outros países europeus, a Áustria vê a onda de casos de Covid-19 crescer em decorrência da Ômicron.

O protagonismo na Alemanha teve um nome no dia 08: Querdenken 711. O grupo foi criado no início da pandemia para se opor às restrições propostas pelo país e a União Europeia. A reivindicação foi acabar com a lei recém-aprovada que obriga a vacinação em hospitais e lares de cuidados especiais; em contrapartida, foram registrados contraprotestos, onde foi feita uma corrente humana em solidariedade a um político atacado por um grupo antivacina. Em Frauenkirche, pessoas fizeram um ato silencioso ao acenderem velas em frente a uma igreja em memória às vítimas da Covid-19.

Holanda e Alemanha são exemplos dessa nova capacidade de mobilização e condensação de grupos de extrema-direita. Nesses dois países específicos 2021 foi ano eleitoral o que naturalmente já traria embates políticos foi aumentado com a pandemia do covid que exigiu medidas de atuação direta do estado exemplo disso é a vacina e o passaporte de vacina adotado por esses países, o debate evocado principalmente por grupos radicais é de que tal decisão do estado atinge as liberdades pessoais”, João Pires comentou.

A ascensão das redes sociais criou meios mais eficazes e orgânicos para convocar os manifestantes e difundir os ideais. Além da Covid, outro vírus que se espalhou com facilidade desde o início da pandemia foi o vírus da Fake News, fazendo diversas vítimas ao redor do mundo também.


 

“DIA DE RAIVA”: NOVO ANO, VELHOS PROBLEMAS

14-01-2022 Bessan Tlais, chefe do Sindicato dos Transportes Terrestres do Líbano, teve uma ideia, aproveitar a geografia do pequeno país e a sua influência entre os rodoviários e propor um super bloqueio em toda a nação. Desde Beirute à Bekaa, de Trípoli à Saída... E o resultado não poderia ter sido outro: deu certo. O Líbano não tem sistema ferroviário ou metroviário, então muitas pessoas não conseguiram cumprir com suas tarefas pela incapacidade de chegar até eles por terra. 

Tlais pediu para que as pessoas “não acreditem nas promessas do governo”. O protesto teve o objetivo de denunciar a alta dos combustíveis e a deterioração da vida e dignidade de viver no Líbano. 

A Human Rights Watch, em seu Relatório Mundial 2022, chamou as autoridades libanesas de "corruptas e incompetentes”, e as culpou pelo gato do Líbano, hoje, ter pelo menos 80% da população abaixo da linha da pobreza e 36% em pobreza extrema. 

A libra libanesa perdeu 90% de seu valor desde outubro de 2019. Desde então a população foi perdendo acesso a bens básicos, incluindo alimentos, água, saúde e educação. A escassez de combustível segue causando apagões generalizados de eletricidade.

“O Líbano é um país hoje assolado por uma grande crise resultado da explosão de um navio de amônia, que teve o raio da explosão de cerca de 10 km, o pouco do estado organizado que restou no país vem tentando promover investigação de responsabilidade pelo acidente, uma das frentes desse julgamento é liderada por um juiz cristão, o país que passou anos, assolado por uma guerra civil de cunho religioso, pois se divide praticamente metade da população entre católicos e islamitas, vinha conseguindo lidar com essas divergências, mas a instabilidade que ocorreu após a explosão pioram os ânimos e grupos como o Hezbollah e Amal tem ganhado mais adeptos de pessoas que querem resolução da situação para poderem continuar a viver”, analisou João Pires.


CAZAQUISTÃO, UM DESEQUILÍBRIO SEGUIDO DE ÓBITOS...

15-01-2022 Fechando a primeira quinzena do ano de forma catastrófica, o Cazaquistão registrou pelo menos 225 mortes durante os protestos que marcaram as primeiras duas semanas de 2022. As manifestações questionavam o alto custo de vida no país asiático.

Asel Artakshinova, Ministro da Saúde do Cazaquistão, afirmou que 2600 pessoas deram entrada em hospitais e 67 estão em estado grave. Tropas da Organização do Tratado de Segurança Coletiva, liderada pela Rússia, ajudaram a conter os manifestantes. 

A nação, que tinha um bom histórico de estabilidade, viu uma avalanche de revolta social que não era vista desde a independência, em 1991. O estopim foi o anúncio do aumento do gás no domingo (2). O presidente afirmou que os grupos eram terroristas e deu carta branca para matar quem estivesse compondo os atos. Almaty, capital econômica do país, foi palco de saques, tiroteios e edifícios públicos foram incendiados. 

 

O Cazaquistão está inserido na eurásia, uma região estratégica entre a Europa e Ásia, tem seu posicionamento geopolítico voltado a China e Rússia como parceiros principais, é uma república laica ao lado de duas nações “islamitas”, Tajiquistão e Uzbequistão esses dois países são wahabitas, salafitas tem seu centro político parceiro na Arabia Saudita, primeiro ponto de instabilidade se encontra nessa questão religiosa/política. Tem somente 18 milhões de habitantes e uma imensidão territorial, é um dos países que tem suas margens banhadas pelo mar Cáspio, que sua gestão somente tem ocorrido de forma amigável a cerca de 3 anos. O que vem acontecendo no início de 2022 no país não era esperado, o país foi inclusive o palco do lançamento da chamada Nova Rota da Seda, projeto político-econômico da China para com diversos países, é uma ex-república soviética a influência Rússia no país até hoje é grande”, frisou Pires.

“O cenário que vinha acontecendo no Cazaquistão era equilibrar e lidar com esses vários interesses diversos que perpassam o país, mas com o aumento do gás que foi dobrado de preço, em um país que é riquíssimo em petróleo e gás e organiza sua economia a partir dessas industrias, esse aumento de preço acabou por ser um estopim que desequilibrou o modo que o país vinha lidando com suas complexidades, é uma revolução colorida, o paper Extending Russia, da Rand Corporation, principal Think Thank ocidental de assuntos de Guerra, busca explicar algumas as ações que vem acontecendo desde 2015 que culminaram na instabilidade que existe hoje”, complementou o cientista.

“Os diversos cenários citados aqui que acontecem em cada país tem suas particularidades, porém são afetados por uma maior capacidade de mobilização provindo de novas formas de comunicação e a pandemia do covid que por diversos fatores acabou por afetar a economia do mundo, as respostas dos diversos governos para lidar com a situação, promoveram um aumento da inflação no mundo como um todo, países que já tinham problemas prévios viram o preço de seus produtos básicos da população aumentar dada a inflação o que em alguns é o estopim para mobilizações”, concluiu.


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