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27/02/2022 às 10h13min - Atualizada em 27/02/2022 às 01h13min

Tiros no Futuro: operações policiais afetaram 74% das escolas municipais do Rio

Pesquisa feita pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC) destaca os impactos na aprendizagem e na renda das crianças expostas aos conflitos armados durante o processo educacional

Maria Isabel Chaves - Editado por Maria Paula Ramos
Tiros no futuro: conflito armado afeta aprendizado dos alunos (Arte: André Dahmer/CeSEC)


Som de tiros, presença de agentes policiais, correria, invasões, marcas de balas, medo e terror. Esses são aspectos presentes no dia a dia dos moradores das periferias do Rio de Janeiro. Alguns impactos dessa violência constante não podem ser facilmente mensurados, e exigem uma observação mais aprofundada. É o caso dos efeitos que as operações policiais causam no processo educacional de crianças e jovens residentes das comunidades. 

 

Um estudo sobre esses prejuízos, divulgado pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), mostrou que 74% das escolas e creches da rede municipal do Rio foram afetadas, pelo menos uma vez, por tiroteios com presença de agentes da segurança pública. A pesquisa teve como base dados divulgados pelo Instituto Fogo Cruzado e pela Secretário Municipal de Educação, e levou em consideração o ano de 2019 - antecessor à pandemia do Coronavírus que afetou os padrões educacionais. 

 

“Além das deficiências do ensino público, tais como falta de investimento, estruturas precárias e professores sem formação adequada para os diferentes níveis educacionais, o Estado brasileiro tem contribuído com sua política proibicionista e bélica em relação às drogas para expor escolas e estudantes à violência, submetendo-os, especialmente em algumas cidades como o Rio de Janeiro, a rotinas de operações, incursões e tiroteios justificadas como necessárias para combater grupos de traficantes que controlam e disputam territórios”, analisa o relatório do CESeC. 

 

Segundo o Fogo Cruzado, 31% dos tiroteios/disparos de arma de fogo contabilizados em 2019, na região metropolitana do Rio, foram feitos ao redor de escolas e creches tanto da rede pública quanto privada. Isso significa que, em média, houveram 12 disparos por dia letivo. A Vila Kennedy lidera a triste estatística, contabilizando 150 registros. Logo após vem Cidade de Deus (124) e Tijuca (71). 


 

 

Para além de dados sobre as operações em nome da chamada “guerra às drogas”, o estudo do CESeC se empenhou para entender os efeitos emocionais e psíquicos para as crianças e adolescentes, bem como desenhar os futuros prejuízos em relação a renda desses estudantes comparado aos que não passaram por situações violentas. 

 

“Diversos estudos têm mostrado que a constante preocupação com a segurança afeta diretamente a capacidade de foco e de atenção dos estudantes, provoca medo e estresse, além de aumentar o risco de abandono escolar e de associação a grupos criminosos locais. A exposição à violência também tem sido relacionada a casos de baixa autoestima, ansiedade, depressão e Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT), síndromes que afetam o vínculo com o ambiente escolar, podendo prejudicar a aprendizagem de forma permanente e afetar severamente tanto o desenvolvimento social e cognitivo das crianças quanto suas expectativas futuras de renda”, destaca o texto intitulado Tiros no Futuro. 
 

 

DÉFICIT NO APRENDIZADO 

De acordo com o estudo, os alunos do 5° ano do ensino fundamental, tiveram uma queda de 64% no processo de aprendizagem de Língua Portuguesa. Ou seja, os alunos apresentaram níveis bem mais baixos do que era esperado para a faixa etária. 

 

Já em relação à Matemática, o resultado foi ainda mais preocupante. O levantamento mostrou que a perda foi de pouco mais de 80%. Isso ocorre por se tratar de uma matéria que necessita de um auxílio maior dentro da sala de aula para que haja um entendimento pleno.  

 

IMPACTOS NA RENDA 

A maior parte dos cargos de trabalho exigem níveis consideráveis de escolaridade. Sabemos que quanto maior a formação estudantil do indivíduo, mais alto será o seu cargo, e consequentemente sua renda. Percebe-se então, outra esfera de impacto: a queda na renda futura do alunado exposto à violência durante a vida escolar. 

 

O estudo da CESeC levou em consideração que um trabalhador médio da capital fluminense durante seu ciclo produtivo (entre 16 e 65 anos), acumula anualmente R $617.440,00 (em valores de 2019). Entretanto, quando analisamos a renda futura de uma pessoa que estudou na rede municipal durante a infância, e esteve em contato com a violência gerada pela “guerra às drogas”,  esse valor reduz em R $24.698,00

 

“O que significa para um indivíduo pobre perder 24 mil reais, em valores de 2019, por redução de pontos na proficiência decorrente de ter estudado sob tiroteios? Significa, por exemplo, deixar de adquirir 48 cestas básicas ou 377 botijões de gás. Ou deixar de pagar 6.098 passagens de ônibus municipais na cidade do Rio de Janeiro, que possibilitariam o deslocamento com duas passagens diárias de segunda a sexta-feira por cerca de 13 anos de trabalho” destaca as conclusões do estudo do CESeC.

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