Lab Dicas Jornalismo Publicidade 728x90
22/09/2023 às 09h30min - Atualizada em 22/09/2023 às 08h04min

Vida e Sociedade

Uma reflexão sobre a vida, o tempo e consumismo exacerbado que nos faz querer sempre mais

Elaine S. Lima - Edição por Mayane Humeniuk
Imagem de Freepik

A vida ainda é uma incógnita para muitas pessoas, nascemos com a predisposição a ser e viver o que as pessoas acham ser certo. Muitas das vezes, escolhemos viver os anseios de alguém e deixamos nossos sonhos de lado, escolhemos passar o tempo enjaulados em uma ideia e perdemos cada segundo do nosso tempo idealizando o futuro, quando o presente está bem na nossa frente. Há uma constante interrogação sobre o sentido que buscamos na vida. Para algumas pessoas o sucesso profissional basta, para outras, o dinheiro é a maior das conquistas, mas sempre existe uma explicação para tudo que desejamos. Seja dinheiro para construir a casa dos sonhos ou sucesso profissional para se tornar o melhor naquela área, uma coisa é fato; nós sempre queremos mais do que temos. 

 

A música Society, escrita por Jerry Hannan e interpretada por Eddie Vedder - vocalista da banda de rock grunge, Pearl Jam -, faz parte da trilha sonora do filme “Na natureza selvagem”, lançado em 2008 e, a princípio, parece apenas mais uma música comum, mas se analisarmos ela a partir do contexto no qual estamos inseridos, vamos encontrar muitas reflexões sobre a vida e nossos desejos.

 

É um mistério para mim

Nós temos uma ambição com a qual concordamos

E você pensa que você tem que querer mais do que precisa

   Até você ter tudo, você não estará livre

 

No primeiro trecho da música cabe a reflexão sobre a maneira que desejamos sempre mais e como a liberdade está interligada com as nossas conquistas. Não é errado desejar uma casa boa ou um emprego bom, até porque a nossa vivência depende, principalmente, disso. Mas a maneira como desejamos sempre o melhor acima do conforto, valorizando o status, demonstra que a ganância do ser humano sempre vai optar pela superação e não pela suficiência, então, você vive em uma jaula ansiando pela liberdade que suas conquistas irão proporcionar, e quanto mais você demorar para adquirir, significa que passará mais tempo preso naquela ideia. 

 

O excesso de ganância torna a vida uma rotina cansativa. Acordamos, trabalhamos e dormimos. E isso se repete, se repete, se repete. Até você conseguir a tão falada realização pessoal. Um dia, você espera conseguir aquilo que almeja, mas é aí que mora o problema, enquanto você luta para conquistar o seu, você entrega a vida de bandeja para quem segura sua coleira. Então ele te promete seus sonhos e em troca você cede um pouco da sua vida e do seu tempo. O pouco no começo se torna tudo no final e, quando menos se espera, alguém está no controle da sua vida, e não é você. 

 

Estamos programados para estar sempre insatisfeitos e nos moldamos para a tendência do momento. A sociedade que Vedder cita na música é a mesma que te encoraja a correr hoje e te faz querer parar amanhã. Desde pequenos, trilhamos um caminho severo e rude que nos faz refletir sobre nosso papel como protagonistas das nossas vidas. Aprendemos muito cedo que a felicidade tem um preço e na maioria das vezes é muito caro e um tanto inalcançável, isso nos faz querer correr atrás da felicidade como se não houvesse amanhã. Somos pressionados a ter sempre tudo sob controle e saber trilhar nosso futuro. A pressão que a sociedade nos impõe nos torna servos de um sistema capitalista que visa o lucro acima de todo e qualquer obstáculo. Aquilo que você almejava no começo se torna uma mera memória nostálgica da qual nos lembramos de vez em quando e nosso corpo se torna terreno fértil para a apatia.

Quando você quer mais do que tem

Você pensa que precisa

E quando você pensa mais do que você quer

Seus pensamentos começam a sangrar

Acho que preciso encontrar um lugar maior

Pois quando você tem mais do que imagina

Você precisa de mais espaço

 

Queremos mais do que temos e precisamos, mas quanto mais temos, menos somos. Esse trecho da música nos remete aos nossos desejos e nossas necessidades. Focamos tanto no que achamos que precisamos que esquecemos o que de fato importa, e quando percebemos isso, nos tornamos pequenos diante de toda grandiosidade que antes, era relevante.

 

Sociedade, você é uma criação louca

   Espero que não esteja solitária sem mim

 

No refrão da música, Vedder assume que já não faz mais parte da sociedade desde que começou a se questionar sobre ela e foi contra as normas do que é considerado normal, sabendo que o consumismo e a ganância já não cabiam a ele. Nesse trecho, nos deparamos com a realidade cruel de que o novo normal é consumir para viver, e toda pessoa que fugir disso se tornará um estranho na sociedade. 

 

A música de Vedder retrata uma realidade vivida por muitas pessoas, como a Elisandra. Aos 27 anos, a estudante de biomedicina e gerente de loja tenta viver uma vida sem muitas cobranças, mas ela diz que nem sempre foi assim. Começou a questionar seu papel na sociedade e o que esperavam dela ainda muito pequena. A jovem começou a trabalhar aos 13 anos e, desde então, nunca parou. De babá a gerente de loja, seus horários nunca foram muito flexíveis e se comparava demais com as pessoas a sua volta.

 

“Quando eu era mais nova, costumava pensar que minha vida dependia do que eu tinha. Se eu tivesse um carro, uma casa ou um diploma. Eu me comparava demais. Parecia que o tempo estava passando muito rápido pra mim, como se eu tivesse um relógio me alertando que meu tempo estava acabando e eu ainda não tinha nada. Tudo piora quando você vê pessoas da sua idade que aparentam ter conquistado o mundo. Naquele momento de comparação, a gente não pensa se nossas oportunidades foram as mesmas, a gente só se questiona se nosso esforço está sendo o suficiente, já que você parece a única a não ter nada”, afirma Elisandra.

 

A comparação nos faz ignorar todos os outros fatores relevantes. Às vezes, nos tornamos muito cegos e o pessimismo toma conta da nossa visão, nos fazendo crer que somos todos iguais e temos as mesmas oportunidades, quando é de conhecimento universal que as coisas não funcionam desse jeito.

 

“Eu sentia que minha vida pertencia a todo mundo, menos a mim. Abri mão de muitos sonhos porque pensei ser errado ou bobo que eu nutrisse eles. Eu sempre trabalhei muito, mas existia aquele sentimento de que todo aquele esforço não era pra mim. Estava servindo alguém e não era eu. Eu era uma marionete nas mãos de um sistema injusto”, acrescenta Elisandra. 

 

Muitas das vezes ficamos à mercê de um sistema que lucra com o nosso esforço. Como robôs, circulamos pelas ruas fazendo a mesma coisa todos os dias. O ser humano vive automatizado, sua vivência é ensaiada e parece impossível fugir desse ciclo cansativo.

 

“A sociedade me tornava gananciosa. Eu sentia que precisava ter tudo aquilo que a sociedade esperava que eu tivesse. Comecei a trabalhar muito cedo, quando completei a maioridade, todo o peso da pressão da sociedade caiu sobre mim. Eu tinha muitos sonhos e precisei colocá-los de lado porque naquele momento pensei que devia ser errado fazer o que eu queria, seguir o meu coração. Eu queria seguir carreira na dança, sempre gostei muito de dançar, não segui esse sonho por medo do que eu teria que enfrentar, os julgamentos que viriam, era assustador, não parecia uma carreira digna, soava mais como um hobbie. Eu precisava de aprovação e não encontraria ela naquele sonho. Hoje em dia, eu tento ser mais calma e não me comparar muito com as outras pessoas, por mais que a sociedade e seus anseios influenciem minha vivência, eu procuro me colocar como protagonista, sempre. É perigoso demais para qualquer pessoa ficar disponível para a sociedade. Ela te dá, ela toma e ela julga. Se minha mente de hoje fosse a mesma de 10 anos atrás, seria uma pessoa infeliz. Ainda não tenho um vínculo muito grande com meus sonhos, é um trauma pensar que larguei muitos deles por pressão, mas procuro sempre o equilíbrio. Eu quero a realização pessoal, uma ótima casa, um carro do ano, isso tudo é inevitável, mas também quero não deixar de lado minha saúde mental e física ou ter que abandonar algum sonho”.

 

Elisandra irá se formar daqui dois anos. A estudante pretende seguir a área estética e já vem investindo em cursos há um bom tempo. Extensionista de cílios e designer de sobrancelhas, ela diz que seu maior sonho é abrir uma clínica. 

 

“É um sonho do qual eu não abro mão. É muito difícil conciliar o trabalho com os estudos, mas eu procuro dar o meu melhor, ainda há algo dentro de mim que diz que só vou estar bem quando tiver conquistado tudo isso, mas eu tento acreditar que o processo também é viver, e que minha vida está no hoje e não no amanhã”.

Referências


HANNAN, Jerry. Society: In Vedder, Eddie: Into the Wild. J Records, 2007. CD. (3:56 min.).
INTO the wild. Dirieção de Sean Penn. Produção de Sean Penn, Art Linson, Bill Pohlad. EUA: Paramount Pictures, 2008.DVD. (148 min.).

 

 

Link
Tags »
Notícias Relacionadas »
Comentários »