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24/09/2023 às 20h18min - Atualizada em 24/09/2023 às 20h13min

Terror ao alcance de todos

Ícone dos gibis estadunidenses, o Capitão América, responde ao 11 de setembro

Paulo Firmo - Editado por Letícia Nunes
Fonte e Reprodução: Marvel Comics / Marvel database


No aniversário de 22 anos do maior atentado terrorista dos Estados Unidos, a HQ Capitão América  O Novo Pacto é republicada no Brasil pela Panini Comics e reapresenta os questionamentos do super-herói ao ataque.



 

Antes da guerra, a guerra

 

Em 11 de setembro de 2001 aviões comerciais pilotados por fundamentalistas islâmicos atingiram duramente os Estados Unidos da América, EUA. As torres gêmeas do World Trade Center em Nova Iorque foram destruídas, o Pentágono em Washington, D.C. foi atingido e o Capitólio escapou por pouco. Ao final da ação terrorista, 2.977 vítimas e 19 terroristas mortos na maior democracia e potência militar do mundo.

 

Segundo o Professor Mohammed Nadir1, em artigo publicado no site Brasil de Fato, “os alvos escolhidos evidenciavam uma intenção […] Para além da terror ao ceifar a vida de pessoas, eles queriam passar uma mensagem ao Ocidente e aos Estados Unidos de que todo o modelo econômico, financeiro e militar era desafiado”.

 

Neste contexto, é indispensável observar que o referido ato terrorista esteve diretamente relacionado a uma complexa e delicada conexão entre os EUA e Oriente Médio. Um laço estreitado desde o desembarque de tropas da antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, URSS, no Afeganistão na virada dos anos 70 para 80. O fato levou os estadunidenses a apoiarem àqueles contrários ao então regime socialista afegão e a fortificaram os mujahedins como são chamados na tradição islâmica aqueles que combatem na jihad ou “guerra santa”.

 

Paralelamente, em outro país do Oriente Médio, a Arábia Saudita, o então aristocrata Osama Bin Laden aderia à propaganda estadunidense de que a guerra religiosa dos afegãos contra os supostos ateus soviéticos também era a luta deles. A partir de então muitos árabes e muçulmanos2 passaram a se deslocar até o Afeganistão com o objetivo de estabelecer uma espécie de comunidade muçulmana global.  

 

Após a saída da URSS do Afeganistão em 1988 e o permanente apoio dos EUA, o governo socialista estabelecido foi derrotado. Nesse momento da história, ganha força a ideia de que apesar do apoio dos estadunidenses, fôra a força e determinação dos muçulmanos que foi capaz de derrotar URSS. E ainda, de que a intervenções dos EUA no Oriente Médio causaram as adversidades vividas pelos povos da região. Assim, uma organização em particular, que almejava expandir a “guerra santa” para todo o globo surgiu. Sob o comando de Bin Laden, a Al-Qaida, foi apontada como a arquiteta dos ataques de 11 de setembro.

 

 

O sonho americano

 

O gibi Captain America - The New Deal (Capitão América A Nova Conduta em uma tradução livre) é um arco de histórias em seis partes publicadas nos EUA pela editora estadunidense Marvel Comics entre junho e dezembro de 2002. No Brasil, o arco integral foi publicado pela primeira vez na revista Marvel 2002, dos números 9 a 12, entre setembro de dezembro de 2002 e na revista Marvel 2003, dos números 3 a 4, entre março e abril de 2003 pela editora Panini. Em junho de 2023, uma republicação da Panini se deu em um encadernado da coleção Marvel Essenciais. O título é Capitão América O Novo Pacto. Esta é a versão integral mais recente disponível no país. 

 

Produzida no calor dos acontecimentos reuniu um prestigiado time de artistas dos EUA: o roteirista de 63 anos, John Rey Rieber (Livros da Magia, G. I. Joe e Tom Raider), o artista de 52 anos, John Cassaday (Ghost, Flash, Batman, Jovens Titãs, X-Men, Tropa Alpha, Excalibur, Union Jack, Desperadoes, Planetary) e colorista de 51 anos, Dave Stewart (Hellboy, Star Wars, Superman). 

 

O enredo apresenta um Capitão América (Steve Rogers) espantado e devastado com a magnitude de um ataque jamais visto em solo estadunidense. Rogers se lamenta por não ter podido evitar o ocorrido e se mostra muito determinado a defender o país e preservar o chamado “American Dream3 (Sonho Americano).

 

Na ficção criada por Rieber, poucos meses após os ataques terroristas em Nova Iorque e Washington, D.C., os EUA passam a sofrer novas ameaças terroristas. Um ambiente de medo e preocupação aflora em parte da população, fazendo com que a discriminação e um sentimento de paranóia  ronde a vida dos estadunidenses. É em tal cenário que o qual o Capitão América precisa lidar com os questionamentos a respeito do seu papel como símbolo da nação. E aqui, não é difícil perceber certa propaganda nacionalista na narrativa. Contudo, os autores também não se privam de, através de Steve Rogers, criticar ações governamentais questionáveis do ponto de vista ético e moral. E reafirmam a postura do personagem de não sujeitar-se a ser um fantoche político.

 

Na ocasião do lançamento da obra existiram algumas polêmicas nos EUA. O fato é ressaltado pelos “Gibitubers” dos canais Central HQ´s e 2quadrinhos no Youtube. “Tinha muita gente dizendo que, ah, é só uma propaganda americana. Ao mesmo tempo eu vi certos reviews de gente que dizia que era um quadrinho que fazia apologia ao terrorismo”. Ressalta Vinícius, à frente do 2quadrinhos. 

 

Já Fernando Bedin, do Central,  aponta como a polêmica foi possivelmente a responsável por abreviar a permanência do roteirista John Ney Rieber afrente da revista do Capitão América. Ele diz: “Você consegue perceber a coragem desse autor em explorar o Capitão América não como um defensor do Governo nos Estados Unidos. Muito pelo contrário. Ele faz críticas ferrenhas ao Governo dos Estados Unidos e ele defende o cidadão americano. O Capitão América, ela tá aqui como um representante do cidadão americano e do seu sonho de liberdade…” 

 

Somando-se a este roteiro “polêmico”, incisivo e ao mesmo tempo esperançoso construído por John Ney Rieber, a arte de John Cassaday em parceria com as cores de Dave Stewart dão um acentuado tom de contraste. Se por um lado temos um Capitão América desolado, sem uniforme (inicialmente), assim como os sobreviventes tão “cinzas” quanto os escombros em Nova Iorque, do outro notamos a esperança se refazer e a cor voltar à vida aos poucos. Com um estilo gráfico bem próximo do realismo, Cassaday aproxima o personagem principal e o leitores da tragédia ocorrida causando literal identificação. Busca materializar o verbo de Rieber, que faz das suas as palavras do Capitão América. Com a obra reafirma-se o compromisso de desbancar o terror - agora claramente ao alcance de todos com a união e a liberdade de um povo. 
 


 

Algumas curiosidades relevantes da obra

 

Tomando como referência a mais mais recente publicação da obra disponível no mercado brasileiro, temos a seguir.

 

Nas páginas 10 e 11, claramente identificamos integrantes da Al-Qaeda, com foco para a figura de Osama Bin Laden, tido como o grande arquiteto dos ataques de 11 de setembro. O destaque fica para a imagem de um rifle automático de fabricação russa, o AK-47. Uma possível referência histórica à herança da influência das superpotências (EUA e URSS) no Oriente Médio.

 

 

 

Páginas 135 e 138, o Capitão América dialogo com uma jovem alemã durante um voo. Em meio a um certo embate sobre guerras e suas motivações/manutenções, a existência dessa conversa e a presença desta personagem (a jovem), faz referência (bastante direta por sinal) a Adolf Hitler. Ela diz: “Você quebrou a mandíbula do meu avô… na 2ª Guerra, é claro.” 

 

No entanto, ainda existe mais uma variável neste contexto. A capa da revista de histórias em quadrinhos Captain America 1, de publicada nos EUA em março de 1941 pela editora Timely Publications (e pela primeira vez no Brasil em Álbum Juvenil - Série B n° 4, em julho de 1991 pela editora Gibizada), dá o tom. Em sua primeira aparição nos gibis, o Capitão América aparece socando o rosto de Adolf Hitler. Aqui figuravam os renomados Joe Simon (1913-2011), nos roteiros, e Jack Kirby (1917-1994), nas artes. Ambos estadunidenses. 

 

 

 

Na capa da HQ lê-se: Liberty. Justice. For All. Traduzindo para o português do Brasil, Liberdade. Justiça. Para Todos. Trata-se de uma clara alusão à chamada Pledge of Allegiance (Juramento de Fidelidade ou Promessa de Lealdade em tradução livre) que diz: “I pledge allegiance to the flag of the United States of America, and to the republic for which it stands, one nation under God, indivisible, with liberty and justice for all” (“Eu prometo lealdade à bandeira dos Estados Unidos da América e à república que ela representa, uma nação sob Deus, indivisível, com liberdade e justiça para todos”).

 

 

 

Por fim, não é difícil notar a semelhança física, e mesmo na essência da história de vida, a semelhança entre a encarnação de um novo vilão nessa HQ e o Darth Vader, da saga Star Wars.

 

Notas:

 

1. O artigo do Professor de relações internacionais e Oriente Médio da Universidade Federal do ABC, Coordenador do Laboratório de Estudos Árabes (UFABC) e membro do Observatório de Política Externa Brasileira, Mohammed Nadir, Os significados do 11 de setembro em 2023 foi publicado no portal de notícias Brasil de Fato. O endereço eletrônico de acesso encontra-se nas referências ao final desta matéria.

2. Árabe é um idioma e uma constituição étnica (relativo a etnia, uma determinada população) que possui, em torno de si, uma grande variedade de divisões e subdivisões etnolinguísticos (referente a cultura sociedade e língua). Por sua vez, muçulmano é o nome dado a quem pratica o Islamismo, que é a religião fundamentada nos princípios estabelecidos pelo profeta Maomé. Portanto, existem povos que são árabes e não são muçulmanos e também há muitos muçulmanos que não são árabes. 

3. American Dream (ou Sonho Americano, traduzido livremente) é a crença de que qualquer pessoa, independentemente de onde nasceu e em que classe social se encontra, pode prosperar e alcançar os seus objetivos, visto que na sociedade estadunidense há oportunidades e espaço para todos.



 

REFERÊNCIAS:

BEDIN, Fernando. [Central HQs] Justiça Sideral e Capitão América: O Pacto (Salvat). Youtube. [s.d]. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=G2X2Vq0uppk&t=49s >. Acesso em: 16 ago. 2023.

 

Capitão América - O Novo Pacto (Salvat) e Vilania Eterna #7 - 2quadrinhos #73. Youtube. [s.d]. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=kVXxaRbTnD4&t=171s >. Acesso em: 16 ago. 2023.

 

Diferença entre árabes e muçulmanos. Geografia. Geografia Humana. População. Mundo Educação. [s.d]. Disponível em: < https://mundoeducacao.uol.com.br/geografia/diferenca-entre-arabes-muculmanos.htm#:~:text=O%20%C3%A1rabe%20%C3%A9%20um%20idioma,princ%C3%ADpios%20estabelecidos%20pelo%20profeta%20Maom%C3%A9.​ >. Acesso em: 16 set. 2023.

 

Marvel Essenciais: Capitão América - O Novo Pacto. Guia dos Quadrinhos. [s.d]. Disponível em: < http://www.guiadosquadrinhos.com/edicao/marvel-essenciais-capitao-america-o-novo-pacto/ma011232/173337 >. Acesso em: 15 set. 2023.

 

NADIR, Mohammed. Os significados do 11 de setembro em 2023. Artigo.  Brasil de Fato. 11 set. 2023. Disponível em: < https://www.brasildefato.com.br/2023/09/11/artigo-os-significados-do-11-de-setembro-em-2023 >. Acesso em: 10 set. 2023.

 

WIKIPÉDIA. Sonho Americano. 9 jun. 2023. Disponível em: < https://pt.wikipedia.org/wiki/Sonho_Americano >. Acesso em: 16 ago. 2023.

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